Manuel Rosa da Silva, Carlos Duarte, Alfredo Baptista e Pedro Leitão – foram estes os quatro ex-gestores da Portugal Telecom (PT) que tiraram o tapete a Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e Luís Pacheco de Melo, responsabilizando-os em exclusivo pelos investimentos ruinosos em dívida de sociedades do Grupo Espírito Santo (GES). Em testemunhos separados perante os auditores da Pharol, o novo nome da holding da antiga PT, os quatros administradores executivos afirmaram não ter tido qualquer conhecimento prévio do aumento da exposição ao GES no início de 2014, que esteve na origem da perda de 897 milhões de euros em dívida da sociedade Rio Forte e na revisão profunda do negócio de fusão com a brasileira Oi. E até desmentiram um comunicado ao mercado de Henrique Granadeiro e de Luís Pacheco de Melo, no qual estes garantiam que os investimentos financeiros da PT tinham sido sufragados pela Comissão Executiva da operadora nacional.
Tudo isto consta da queixa judicial que o escritório de advogados Cuatrecasas Gonçalves Pereira entregou em nome da Pharol no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa no dia 7 de janeiro contra a Deloitte, acusando a auditora de negligência grave e incumprimento contratual. A Pharol quer que o tribunal fixe o pagamento de uma indemnização que corresponda à diferença entre o investimento realizado (897 milhões de euros) e o valor que a Pharol venha a recuperar em sede de processo de insolvência da Rio Forte. Trata-se da segunda queixa no âmbito do caso BES/GES, depois do processo intentado contra Henrique Granadeiro, Pacheco de Melo e Amílcar Morais Pires (ex-administrador da PT e ex-chief financial officer do BES).
Tudo combinado entre Zeinal, Granadeiro e Salgado
A Pharol anunciou no texto da queixa apresentada contra a Deloitte, como o Observador noticiou a 8 de janeiro, que vai apresentar uma terceira queixa contra Zeinal Bava, ex-presidente executivo da PT. Os testemunhos dos quatro colegas de Zeinal na administração da PT serão essenciais para fundamentar esse novo processo.
Segundo a queixa da Pharol, diversos administradores da PT prestaram depoimentos que não deixam margem para dúvidas:
Resulta das entrevistas aos diversos representantes legais da PT que existia o hábito de os CFO’s [administradores financeiros] realizarem investimentos na Espírito Santo International por confessadas instruções recebidas do CEO – Chief Executive Officer [presidente executivo] da autora [Portugal Telecom] que tudo teria acordado com o dr. Ricardo Salgado, o máximo legal representante do BES e da ESI” e sem qualquer cargo oficial na PT, lê-se na queixa assinada pelo advogado André Luiz Gomes.
Dito de outra forma: todos os investimentos em dívida da ESI – título que onde a PT investiu cerca de 750 milhões de euros até fevereiro de 2014 antes de desmobilizar esse capital para investir na Rio Forte – assim como os da Rio Forte, terão sido ordenados por Zeinal Bava (CEO da PT até maio de 2013, responsável pelo investimento na ESI) e Henrique Granadeiro (sucessor de Bava e que ordenou a substituição da ESI pela Rio Forte a pedido de Ricardo Salgado) a Luís Pacheco de Melo (CFO da PT desde o início da década passada que concordou com todas as operações).
Da leitura da queixa da Pharol, depreende-se que estas afirmações terão sido feitas por Manuel Rosa da Silva, Carlos Duarte, Alfredo Baptista e Pedro Leitão em separado, e por sua iniciativa, à Comissão de Auditoria entre 31 de julho e 4 de agostos de 2014.
Na mesma altura, os quatro então administradores executivos terão ainda alegado “o seu desconhecimento da prática e da existência de aplicações de excedentes de tesouraria em papel comercial, quer da ESI quer da Rio Forte”, e formalizaram a entrega à Comissão de Auditoria de cartas, nas quais acrescentaram o seguinte:
a) Tais aplicações nunca foram objeto de aprovação em comissão executiva;
b) nos tableaux de bord [relatório mensal sobre vários temas financeiros, incluindo aplicações de tesouraria], que até julho de 2013 foram submetidos a intervalos irregulares a análise e aprovação da Comissão Executiva, tais aplicações nunca foram expressamente referidas e individualizadas, sendo apresentadas nas rubricas “Domestic Cash at Bank – BES Group” e “Cash-Bank Deposits“;
c) só no conjunto de tableaux de bord submetidos a Comissão Executiva em 2/7/2014, já depois do anúncio da perspetiva de default da Rio Forte, e relativos aos meses de agosto de 2013 e abril de 2014 é que, pela primeira vez, tais aplicações foram expressamente referidas e individualizadas”.
A partir destas declarações, os novos auditores da Pharol, a Price WaterhouseCoopers (PwC) escrutinaram toda a documentação interna da PT para concluir precisamente pela veracidade das acusações dos quatro ex-gestores:
De toda a análise efetuada aos documentos internos da sociedade – isto é, das atas do Conselho de Administração, da Comissão Executiva e da Comissão de Auditoria, assim como dos documentos intitulados tableaux de bord -, não resulta que alguma vez a realização desses investimentos tenha sido levado a deliberação prévia, ou sequer a ratificação ou mero conhecimento de órgãos internos colegiais, até 2 de julho de 2014 – data em que a realização desse investimento já era de domínio público”, lê-se na queixa da Pharol.
Os quatro ex-gestores da PT foram ainda mais longe e desmentiram categoricamente por escrito o conteúdo de um Comunicado ao Mercado publicado por ordem de Henrique Granadeiro, então presidente executivo e chairman da empresa. Na queixa da Pharol é citada, como exemplo, a carta de Manuel Rosa da Silva, acrescentando-se que as três missivas dos restantes três ex-administradores dizem o mesmo:
No passado dia 30 de junho foi emitido e divulgado nos mercados um comunicado da PT, SGPS, assinado pelo dr. Henrique Granadeiro e eng. Luís Pacheco de Melo, sobre aplicação de tesouraria em papel comercial da Rio Forte, onde, nomeadamente foi explicado que os investimentos em tesouraria da PT eram sufragados em Comissão Executiva. Esse comunicado não foi discutido ou aprovado em Comissão Executiva, e eu não tive nenhum conhecimento prévio, formal ou informal, da intenção de emitir comunicado”, escreveu o ex-gestor da PT.
Para enfatizar e fundamentar as suas acusações de negligência dirigidas aos ex-presidentes executivos e ex-administrador financeiro da PT, a Pharol faz igualmente uma cronologia e uma análise dos investimentos financeiros da operadora em produtos do BES (que, recorde-se, era acionista qualificado da PT, tendo a sua posição de 12,6% sido ‘herdada’ pelo Novo Banco) e do GES, para enfatizar o excesso de concentração de investimento em produtos do grupo de Ricardo Salgado. Isto para concluir que os investimentos violaram diversas regras internas da empresa como sejam o facto de não terem sido aprovados previamente em Comissão Executiva e violarem as regras estabelecidas para transações entre partes relacionadas. E acrescenta:
Tais investimentos representaram sempre a totalidade dos investimentos da autora [PT] em instrumentos de dívida emitidos por entidades não dominadas ou participadas e que a 31/12/2013 atingiram a dimensão de 40% do capital próprio da Autora [PT]”. Por outro lado, a “disponibilidade dos 897 milhões de euros investidos na Rio Forte era essencial, uma vez que correspondia, grosso modo, a metade do valor apurados dos ‘Ativos PT’, por um lado, e, por outro, assumia-se como essencial para fazer face às obrigações financeiras decorrentes do Memorando de Entendimento assinado com a Oi”, lê-se no texto da queixa.
As declarações dos quatro ex-gestores da PT terão especial interesse noutro foro: o criminal. Ao que o Observador apurou junto de fontes da Pharol, estes testemunhos deverão ser analisados pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal na investigação que foi aberta aos investimentos da PT em títulos de dívida do GES.