Sempre tive curiosidade em saber como se processa uma sessão de speed dating. Talvez por nunca ter conhecido ninguém que tenha ido a uma ou talvez por culpa dos filmes e séries norte-americanas.

Como é típico do desconhecimento eu tinha um monte de ideias pré-concebidas e uma série de perguntas: quem é que vai a encontros de speed dating? Quão desesperado é preciso estar para se expor tanto? E há pessoas novas entre os participantes? Para responder a estas e outras dúvidas de uma vez por todas inscrevi-me no evento de speed dating que decorreu no passado dia 16 de janeiro, no Hotel Mundial, em Lisboa.

A partir do momento em que me inscrevi e em que recebi a confirmação (um dia antes da sessão), a minha experiência de speed dating começou com a simples pergunta: o que é suposto levar vestido? Pode parecer descabido, mas qualquer mulher que já foi a um primeiro encontro sabe o calvário que é escolher a roupa certa — agora imaginem vários encontros em simultâneo. O dilema durou até poucas horas antes de me dirigir para o Martim Moniz, onde fica o hotel, e me decidir por um vestido com manga de três quartos, collants e botas.

Pus-me a caminho e antes de chegar, tive vergonha. Senti que ia transmitir a mensagem: estou à procura de alguém, já tentei de tudo e esta é a minha última hipótese. Como diria o Rui Pedro no seu regresso ao casting dos Ídolos, em 2004, era mais ou menos reconhecer: “olha, alguém que me aproveite”.

Tive duas horas para mudar de ideias. E é precisamente sobre essas duas horas que vou falar, divididas em dois atos, qual experiência gastronómica no Mini Bar de José Avillez.

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I Ato

Quando cheguei a porta ainda não estava aberta e um casal já trocava os primeiros galhardetes. A conversa ainda não era fluida e fez-me lembrar quando um adolescente desajeitado tenta conquistar uma rapariga e mete os pés pelas mãos por falta de experiência ou timidez.

As portas abriram e formou-se uma fila para que as identificações fossem confirmadas. Feito o “check in”, foi-nos dado um autocolante com o nosso nome e um número à frente. O evento estava dividido por faixa etária, a minha cor era o vermelho (dos 24 aos 35 anos) e a faixa etária dos 36 aos 45 tinha a cor azul. Além do autocolante que teria de estar visível, foi-nos dado um cartão com o título “tente encontrar alguém que…” e sete rubricas para assinalar à frente, entre “…seja do seu signo”, “…já tenha visitado as Berlengas” ou “… seja do seu clube”, entre outras opções.

A ideia é quebrar o gelo enquanto as pessoas usufruem da bebida a que têm direito. Dei por mim agarrada a um copo de espumante quando todas as outras pessoas bebiam água e sumo. Aí percebi que, ao contrário das aplicações onde a saúde se mostra através de fotografias de corpos tonificados, no speed dating essa demonstração é feita através da ingestão de bebidas sem álcool. Como é sabido, as pessoas procuram alguém que cuide do seu corpo e que não se atraque ao primeiro copo de espumante de quinta categoria que apanha de borla.

Eu só assinei duas rubricas no meu cartão, estava mais interessada em absorver tudo o que me rodeava. A sala tinha mesas compridas e em cada mesa sentavam-se seis pessoas, três de cada lado. A conversa pegou como um rastilho de pólvora e enquanto eu pensava “isto não deveria ser a meia-luz?”, já toda a gente falava com toda a gente.

Foi a primeira vez que percebi que ninguém me ia julgar, que ninguém ali se julgava. Estavam todos para se divertir e conhecer novas pessoas e, em vez de se esconderem atrás de um smartphone ou de um computador, vestiram a sua melhor roupa. Havia homens de fato, uma mulher num vestido de noite, saias, calções, calças de ganga e todos tiveram a coragem de se expor. Diria mesmo que a exposição é diretamente proporcional à coragem.

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Ainda antes de me sentir completamente à vontade mencionei o Tinder — a aplicação que promove as relações rápidas entre pessoas mais conhecida da atualidade — e obtive como resposta “o que é isso?”. Controlei a minha expressão de espanto porque afinal estávamos a falar do Tinder e não da Madre Teresa de Calcutá, e expliquei o que era. Responderam-me: “disso há muito”. Na altura ignorei, mas esta foi a frase que mais sentido fez quando saí daquele Salão Azul.

II Ato

Warm up feito, chegou a hora do speed dating em si. Foi-nos explicado que o número que tínhamos à frente do nome correspondia ao lugar onde nos íamos sentar. Isto era válido tanto para homens como para mulheres, a diferença é que as mulheres ficavam sempre sentadas e os homens iam trocando. Vermelhos para um lado, azuis para outro. Os dois grupos só se misturam no início e no intervalo — deviam tê-lo feito no fim mas não aconteceu.

Cada interação — chamemos-lhe assim –, dura quatro minutos e é interrompida pelo som de uma campainha. Ao longo destes minutos não é permitido trocar contactos. Em vez disso, é-nos dado um papel onde devemos colocar o número e o nome da outra pessoa e assinalar com uma cruz se queremos ou não voltar a falar com ela. Caso haja match, a organização encarrega-se, posteriormente, de partilhar os contactos das pessoas.

O meu grupo tinha nove homens. E durante 36 minutos coube-me desmistificar a minha própria ignorância. Começo por dizer que não, as pessoas não têm “cara de speed dating”. A não ser que essa cara seja de uma pessoa comum, então não existe. Também não têm o desespero estampado no rosto nem são uma cambada de desocupados.

Há engenheiros, farmacêuticos, bancários, fisioterapeutas, professores, há de tudo. São pessoas normais, com a sua própria história de vida, que estudaram, viajaram, fizeram Erasmus, trabalham e querem conhecer pessoas novas, algo que, com o passar dos anos e com a rotina, torna-se cada vez mais difícil. Muitas até podem ser pessoas que nunca me chamariam à atenção se as visse na rua e com quem provavelmente nunca meteria conversa noutra situação, e esta é uma grande vantagem do speed dating sobre qualquer aplicação.

Ali as pessoas não se escolhem e falam umas com as outras porque têm uns abdominais de tirar o ar ou uns lábios a lembrar a Angelina Jolie. Ali todos têm a verdadeira intenção de se conhecer e de saber mais sobre a outra pessoa. Podem gostar como podem não gostar, mas deram quatro minutos da sua atenção a um desconhecido, não pelo que ele é fisicamente, mas pelo que tem para dar.

Não vos vou dizer que não há quatro minutos que parecem uma eternidade. Não que as pessoas sejam desinteressantes, mas porque nem toda a gente tem assunto para esse tempo ou porque há pessoas mais tímidas, que estão extremamente ansiosas e que nem conseguem manter contacto visual.

Confesso que inicialmente tinha a ideia de ir mudando de profissão conforme os homens fossem rodando, com o intuito de comparar reações e à semelhança do que fez Miranda, a personagem vivida por Cynthia Nixon em Sexo e a Cidade: num encontro de speed dating retratado na série, resolveu dizer que era comissária de bordo porque os homens não se entusiasmavam com o facto de ser advogada.

No fim acabei por dizer que era jornalista, que escrevia para o Observador e sobre Lifestyle (espero não fazer inimigos depois disto). Como seria de esperar, também tive reações muito variadas desde: “jornalista? Então isto amanhã sai no Correio da Manhã” a “leio todos os dias o Observador. A [newsletter] 360º mudou a minha vida”.

Se um dia embarcarem nesta experiência que é o speed dating, aviso-vos que vão levar com alguma falta de tato, mas a verdade é que não é por mal, acredito que seja mesmo sem intenção. Talvez por acreditar nisso é que não levei a mal e comecei-me a rir quando olharam para mim e disseram “tens 30 anos” e eu só fui capaz de dizer “não, tenho 28”. Tentar adivinhar a idade de uma mulher e ainda por cima dar anos a mais é capaz de não ser uma boa política. Mas, mais tarde, também interpretei este erro de cálculo de outra forma.

No speed dating fala-se sobre tudo, ou pelo menos eu falei. Desde a Bial ao mercado imobiliário, passando pela construção de spas, o cinema e Caravaggio. A dada altura fizeram-me a pergunta “quem é a Carolina?” e tive medo que a seguir me perguntassem “o que dizem os teus olhos?”, à Daniel Oliveira. Apesar da estranheza desta questão e ao contrário do Tinder, que eu nunca experimentei diretamente mas cuja experiência já vivi através de amigas, ninguém me perguntou onde eu morava nem o que estava a pensar fazer nessa noite.

Rodados todos os homens, pediram-nos que escolhêssemos com quem desejávamos manter o contacto e entregássemos o papelinho ao responsável da organização. O III ato seria um momento descontraído no terraço, já depois de toda a gente se conhecer, mas o Hotel Mundial decidiu fechar o seu rooftop devido ao mau tempo e por isso fomos todos privados desse grand finale.

O que aprendi com o speed dating

Quando cheguei a casa revivi tudo novamente, para me certificar de que não me tinha esquecido de nenhum detalhe e para tentar perceber algumas coisas que me ficaram na cabeça mas que na altura não tive tempo para processar.

Comecei pela minha aparência “envelhecida” que, conclui eu, não está assim tão acabada como pensei inicialmente. De todas as pessoas com quem falei eu era a mais nova e o facto de me terem dado 30 anos espelhou, no fundo, uma ideia que reinou durante muito tempo e que eu achei que tinha morrido: a de que antes dos 30 a pessoa é nova, tem tempo, a vida pela frente e o mundo a seus pés — ou seja, não precisa destas coisas –, por oposição à ideia de que uma pessoa com 30 ou mais anos já tem de ter assentado e, se não tiver, é bom começar a conhecer pessoas onde quer que seja. Desencalhar é a palavra de ordem, é o tudo por tudo. A sociedade ainda perpetua esta ideia moribunda e descabida e ainda há quem acredite que há algum fundo de verdade nisto.

A segunda coisa que ganhou sentido na minha cabeça foi a frase “disso há muito” quando falei sobre o Tinder. E a verdade é essa, sem tirar nem pôr. Há muitas aplicações onde se podem conhecer pessoas, onde essas pessoas podem ser quem quiserem e não quem realmente são, onde as fotografias têm mais ou menos Photoshop, mais ou menos filtros, onde a ideia de ouvir a voz do outro nem passa pela cabeça — aliás, não é importante –, e onde se pode estar de pijama e escrever que se está de La Perla, mas nada — nada — é comparável ao speed dating no que diz respeito a conhecer pessoas ao vivo e a cores. E isso fez-me avaliar o evento com nota máxima.

No entanto, e ao contrário das apps, o speed dating não pode ser descarregado. Tem um custo que é de 25 euros para as mulheres e de 29 euros para os homens. Se vale a pena a experiência? Vale. Como me disseram num dos quatro minutos: “decidi vir, também ninguém me ia morder”. E posso assegurar-vos de que não saí mordida.