Os acionistas do BPI reúnem-se esta sexta-feira no Porto para decidir sobre o problema que está a transformar em guerra aberta aquilo que, até há uns meses, se podia considerar apenas um clima de paz podre entre os acionistas angolanos, espanhóis e portugueses — com a administração de Fernando Ulrich no meio. Submetida à votação dos acionistas será a proposta de cisão dos ativos africanos para uma nova empresa, possivelmente uma forma de resolver o problema criado pelo BCE em relação à exposição a Angola que tem empatado a vida do BPI e que tem de ter solução até março. Mas, porque a proposta deve chumbar esta sexta-feira, a administração já contra-atacou.
Fontes do setor financeiro dizem que, “a menos que haja um volte face inesperado nas próximas horas”, ainda não será desta que haverá uma solução para o problema. “Para admitirmos a possibilidade de uma aprovação [da cisão], já teríamos de ter visto movimentações nos últimos dias, o que não aconteceu”, acrescenta uma das fontes ouvidas pelo Observador. Uma outra fonte do setor financeiro diz, mesmo, que a “solução desenhada pelo BPI, da cisão, não irá passar“.
Estas declarações foram transmitidas ao Observador antes de o BPI anunciar que o seu conselho de administração decidiu avançar, com os votos contra do representante angolano e o maior acionista português (Violas), com uma proposta para que numa assembleia-geral futura venha a votar-se a desblindagem dos estatutos que limitam a 20% os direitos de voto no banco, mesmo quando a posição no capital é maior.
A administração acredita que a retirada desse limite permitiria a “atuais e futuros acionistas” do BPI acompanharem e envolverem-se no futuro do banco, incluindo apoiarem fusões. Segundo o Negócios, que citou fonte próxima de Isabel dos Santos, a angolana considera esta última proposta “irresponsável” e vê-a como “hostil” perante a Santoro, que tem 18,6% do capital mas cujos direitos de voto são ampliados pela limitação que a administração do BPI se propõe, agora, eliminar.
Antes disso, para já, a expectativa consensual no mercado é a de que a Unitel, detida a 25% pela angolana Isabel dos Santos, deverá, assim, chumbar a proposta feita no final de setembro pela administração do BPI, que é o principal ponto na ordem de trabalhos da assembleia-geral desta sexta-feira. O voto favorável da Unitel à cisão é fundamental para que a proposta siga em frente, nos termos do acordo parassocial que rege a parceria entre o BPI e a Unitel. “Mas eles [os angolanos da Unitel] vão vetar“, acredita a fonte ouvida.
O facto de a Unitel ter considerado “desrespeitosa” a forma como o BPI apresentou esta proposta não deixa grande margem para dúvidas sobre o resultado da assembleia-geral desta sexta-feira. E o tom das últimas declarações dos angolanos (comunicados e cartas vindas a público) mostra o grau de conflito que existe entre as várias partes envolvidas.
Um puzzle complexo mas nem por isso complicado
A Unitel é a principal peça do xadrez. Trata-se da empresa parceira do BPI em Angola, com menos de metade do capital do Banco de Fomento Angola (BFA). O BPI tem 50,1% desse banco, partilhando a gestão com a Unitel – a empresa onde Isabel dos Santos tem 25% do capital e um controlo informal importante.
Por seu turno, Isabel dos Santos é dona da Santoro, a empresa que tem 19% do BPI (em Portugal) mas que vota com mais, devido à limitação dos direitos de voto. Essa limitação faz com que os espanhóis do CaixaBank, apesar de terem 44%, não consigam votar nessa proporção – situação que os levou há um ano a lançar uma OPA, fracassada, e a dizerem, agora, que do seu ponto de vista “não faz sentido” capitalizar o banco sem mandar mais do que 20%.
A empresária angolana rejeitou no início do ano, de forma “final e decisiva” a proposta da cisão, que – recorde-se – teria um efeito neutro para os acionistas do BPI porque estes receberiam ações da nova empresa na exata proporção das ações que têm no atual BPI. Nessa nova empresa estariam agrupados os ativos africanos do BPI, isto é, os 50,1% no BFA, e participações em bancos em Moçambique (BCI a 30% e BPI Moçambique a 100%).
Qual é a pressa? Porquê a cisão dos ativos africanos?
Nós não temos um problema em Angola. Temos um problema em Frankfurt.”
António Domingues, vice-presidente da Comissão Executiva do BPI, disse, na última semana numa conferência em Lisboa, que o BPI “não tem um problema em Angola”. Tem, sim, “um problema em Frankfurt”.
Esta é uma alusão a um tema que há mais de um ano tem vindo a atormentar o banco e, de certo modo, a acentuar uma indefinição acionista que perturba os trabalhos na recuperação da rentabilidade nas condições difíceis com que toda a banca nacional se depara: no final de 2014, o BCE deixou de considerar a supervisão angolana equivalente à europeia.
A decisão do BCE teve dois efeitos. O primeiro foi o de obrigar o banco a contabilizar o risco da sua exposição à dívida pública angolana e dos créditos ao Banco Nacional de Angola a 100%. Antigamente, com a equivalência da supervisão, cada investimento desses só penalizava os rácios de capital em 0% ou 20%. Assim, os rácios de capital do banco foram penalizados e isso teve de ser incorporado pela instituição.
O outro problema, bem mais complexo, é o de que as regras do BCE não permitem que um banco tenha uma exposição superior a 25% dos fundos próprios a uma geografia onde não haja equivalência de supervisão. Segundo o CaixaBI, a exposição do BPI a Angola supera em mais de três mil milhões de euros o máximo previsto. O que significa que, para diluir essa exposição e cumprir o máximo de 25%, o BPI teria de fazer um aumento de capital na ordem dos 12 mil milhões de euros, uma impossibilidade que permite, contudo, ter uma noção aproximada das implicações da decisão do BCE para o BPI.
Este problema tem de ser solucionado até final de março. Sem o confirmar oficialmente, Fernando Ulrich indicou na apresentação dos resultados anuais que a data-limite que tem sido avançada pela imprensa é adequada – e a imprensa baseia-se no que disse um dos acionistas, Tiago Violas Ferreira, há quase um ano, em entrevista ao Diário Económico: que seria março de 2016 o limite para este problema.
E o que acontece se não houver solução até lá?
O banco arrisca uma multa diária enquanto o problema dos “grandes riscos” não for resolvido, uma vez passado o prazo. É para esse cenário que aponta o guia de supervisão bancária publicado pelo Mecanismo Único de Supervisão e que admite “sanções pecuniárias temporárias” para quem não cumpre deliberações do BCE.
O BPI rejeitou uma contra-oferta feita por Isabel dos Santos – e que era válida apenas até ao final de janeiro – porque o conselho de administração considerou que a solução “não era boa“. A empresária angolana tinha oferecido 140 milhões de euros para comprar 10% do BFA, o que relegaria o BPI a segundo maior acionista e – acreditará Isabel dos Santos – poderia ajudar a resolver o “problema em Frankfurt” porque o BPI passaria a ter apenas uma posição de investidor sem controlo no BFA.
Na conferência de imprensa de apresentação de resultados de 2015, Fernando Ulrich indicou que a solução “não era boa” e recordou que o BPI tem estado em contato próximo com os técnicos do BCE que asseguram o cumprimento das regras. Mas não disse, claramente, que a perda do controlo (sugerido por Isabel dos Santos) não bastaria para resolver o problema.
A decisão foi unânime, mas o representante da Santoro não estava na sala quando foi votada. O grupo Violas, maior acionista português do BPI, estava com os espanhóis do CaixaBank na recusa desta proposta. Tiago Violas Ferreira disse ao Diário Económico que o preço “não refletia o prémio de controlo” e os cálculos de alguns analistas sugerem que, mesmo sem a questão da conquista do controlo, o preço oferecido pelos 10% ficava um pouco aquém das métricas a que estão avaliados outros bancos angolanos.
Confirmando-se o chumbo, que opções restam?
Se o projeto de cisão for chumbado na assembleia-geral desta sexta-feira, os especialistas falam em algumas possibilidades para desatar o nó. Isabel dos Santos pode apresentar uma nova proposta pelos 10% mais perto do final do prazo e, portanto, quando a pressão for ainda maior. Eventualmente, os angolanos podem aceitar pagar um pouco mais, mas não é claro que essa solução satisfaria o BCE. Além disso, o BPI passaria a ser um investidor minoritário num banco dominado pelos investidores angolanos, o que não é uma situação ideal do ponto de vista dos outros acionistas.
“O BFA é um banco muito rentável, com bons rácios. Se o BPI perde o controlo, nada garante que isso continuará a ser assim”, explicou um dos especialistas contactados.
Uma alternativa é a de o CaixaBank lançar uma nova OPA, tentando comprar a posição dos angolanos no banco. O que é claro é que isso não sairia barato ao banco. E os espanhóis disseram, recentemente, que não veem com agrado a ideia de investir mais no BPI sem que seja eliminada a blindagem dos direitos de voto nos estatutos, que os limita a 20%. A proposta apresentada pelo conselho de administração, apresentada esta quinta-feira, vai neste sentido — mas é difícil dizer se esta passará, dada a oposição de Isabel dos Santos.
Quem pode ficar satisfeito se a proposta passar é o CaixaBank. “O que é claro é que, se o CaixaBank assumir o controlo do capital (e dos direitos de voto) no BPI, o mais certo é que o BPI, como o conhecemos, deixe de existir, porque os espanhóis falam do BPI como a sua unidade em Portugal e têm um objetivo de consolidação das atividades bancárias na Península Ibérica”, afirma um dos especialistas ouvidos pelo Observador. A moeda de troca para persuadir os angolanos pode ser a entrega à Unitel do banco que Fernando Ulrich e a sua equipa fundaram em Angola com três milhões de euros.