António Varela, o administrador que se demitiu esta segunda-feira do Banco de Portugal, deu logo nas vistas na tomada de posse em setembro de 2014. Não necessariamente por iniciativa própria, mas pelo elogio que recebeu da então ministra das Finanças que o qualificou como a pessoa “mais bem preparada”. Maria Luís Albuquerque foi ainda mais longe ao sublinhar, perante os seus futuros pares, que “a supervisão não podia ter melhor titular do que António Varela”.

O elogio rasgado da antiga ministra terá caído mal em algumas áreas do Banco de Portugal, segundo foi noticiado logo na altura, por ter sido visto como uma crítica indireta à atuação do supervisor no caso BES, numa altura em que a supervisão esteve nas mãos de Pedro Duarte Neves.

Varela era uma escolha de Maria Luís Albuquerque e chegou mesmo a ser apontado como o preferido da ministra para substituir Carlos Costa no ano passado, mas não foi essa a opção de Passos Coelho que fez questão de manter o governador com quem criou uma boa relação pessoal e de trabalho.

António Varela escapou à ribalta do caso Banco Espírito Santo, não foi ouvido pela comissão parlamentar de inquérito porque à data não estava nas funções. No entanto, não deixou de aparecer associado a outras matérias sensíveis. Em abril do ano passado, o Jornal Público revelava que o novo administrador do Banco de Portugal apresentou um conjunto vasto de rendimentos de capital na declaração de rendimentos que entregou no Tribunal Constitucional.

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A carteira de Varela incluía “extensa lista de investimentos, incluindo ações, obrigações e fundos ligados a bancos”, matéria que terá suscitado mesmo a criação de um grupo de trabalho para avaliar soluções para neutralizar “potenciais conflitos de interesse”.

António Varela não é um quadro do Banco de Portugal, nem fez a sua carreira toda na banca. Foi diretor-geral do BCP e esteve na representação em Lisboa do banco suíço UBS, passagem que lhe valeu outra polémica dentro no Banco de Portugal. Em causa a contratação de uma consultora, a TC Capital, uma empresa de Londres detida por um antigo diretor-geral do UBS.

Varela esteve ainda na administração da Cimpor, liderada por Francisco Lacerda, que foi um administrador do BCP. No seu currículo constam ainda cargos na Petrogal e no primeiro conselho diretivo da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

Banif. Cliente, investidor, ex-administrador e supervisor

Mas o cargo que mais atenção pública lhe tem dado, a par com o responsável pela supervisão no Banco de Portugal, foi a de administrador do Banif em representação do Estado, na sequência da ajuda pública de 1.100 milhões de euros concedida ao banco em 2013.

Foi aliás por ser cliente e investidor do Banif que Varela invocou um impedimento para não participar na reunião do conselho de administração em se foram dados os passos decisivos para a concretização da resolução do banco. No entanto, esse potencial conflito de interesses não o impediu de participar nas duas outras reuniões que decidiram o futuro do Banif, incluindo a que determinou o início do processo de aplicação de uma medida de resolução ao banco.

Enquanto administrador com o departamento da supervisão, António Varela será sempre responsável pela atuação do Banco de Portugal no caso Banif e um alvo potencial para as críticas à atuação do regulador neste caso. Mesmo demissionário, não deixará certamente de ser chamado a prestar explicações na comissão parlamentar de inquérito que arranca ainda este mês.

O Banco de Portugal desmentiu a existência de divergências dentro do conselho de administração a propósito da solução definida para o Banif e que teriam como epicentro precisamente António Varela que não participou em uma das decisões. Segundo a SIC, que revelou o pedido de demissão, o administrador terá invocado divergências sobre a política do Banco de Portugal.

Ainda assim, a demissão esta segunda-feira comunicada ao conselho de administração terá apanhado de surpresa outros administradores. Na carta que terá enviado à administração do BdP, citada pelo Jornal de Negócios, Varela terá confidenciado: “não me identifico o suficiente com a política e a gestão do Banco de Portugal”. Uma frase que parece dar força às teses de que o gestor nunca terá encaixado bem na estrutura complexa de regras não escritas que rege o funcionamento e as relações no órgão de supervisão mais poderoso em Portugal.

O supervisor bancário limita-se a confirmar o pedido de renúncia, nos termos da lei, sem acrescentar mais explicações.

Quando tomou posse, António Varela deixou uma nota na sua intervenção que apelava à necessidade de uma mudança radical na banca que exigiria também uma resposta do Banco de Portugal.

“Tal como fazemos um “reset” quando o nosso telemóvel bloqueia, creio que também na banca temos de decisivamente aplicar-nos na reconfiguração das nossas instituições e do seu modelo de negócio – temos de questionar a adequação do nosso governo societário e das capacidades e motivações das pessoas que o protagonizam, temos permanentemente de avaliar os riscos que temos no balanço (ou fora dele, especialmente fora dele), se são apropriados e qual é a gestão que deles fazemos, temos de criar e verificar as regras internas e o cumprimento, temos de informar cabalmente clientes e contrapartes. (…) E, acima de tudo, temos de atuar de acordo com princípios éticos irrepreensíveis. Temos de fazer um diagnóstico exigente das capacidades de cada instituição e, a partir dele, pôr em prática com determinação as medidas necessárias”.

Quatro administradores para substituir este ano

Com a saída de António Varela, sobe para quatro o número de administradores do Banco de Portugal que tem de ser substituído este ano. Os outros, incluindo os dois vice-governadores — José Ramalho e Pedro Duarte Neves — e João Amaral Tomás, terminam o mandato. Os novos estatutos aprovados pelo anterior governo dão ao governador poderes para propor os nomes, mas a escolha final será do governo de António Costa que já mostrou sinais públicos e evidentes de desagrado em relação à atuação recente do Banco do Portugal e de Carlos Costa.