Susana Esteban, Alentejo

Foi a curiosidade pelo vinho do Porto que a fez atravessar a fronteira: descer de Tui, na Galiza, até ao Douro. E foi entre inúmeros socalcos de vinhas que a galega Susana Esteban forjou o início de uma carreira já conceituada. Depois de um estágio na Sandeman, Susana dedicou uma série de anos (de 2002 a 2007) à Quinta do Crastro, onde teve a oportunidade de brilhar ao arrecadar distinções nacionais e internacionais: “Fomos os primeiros a conseguir 95 e 96 pontos pela Wine Spectator. Hoje em dia já há vinhos com 98 pontos, mas na altura não havia”, lembra a enóloga ao Observador.

A esse prémio junta-se o que foi atribuído pela Revista de Vinhos em 2012. Susana é, até ao momento, a única mulher a ganhar o título de “Enólogo do Ano”, que ironicamente está predefinido para surgir no masculino. “Para mim não foi estranho. Nas Rias Baixas, de onde sou, há muitas enólogas a trabalhar. Já em Rioja, onde tirei o mestrado, é o contrário”, conta Susana Esteban. Sobre o facto de ser uma mulher bem-sucedida no universo vínico, a galega admite que em tempos teve alguns problemas na vinha:

Tive mais problemas com os trabalhadores na vinha porque, para eles, era estranho ter uma mulher a dar ordens. Os trabalhos da vinha costumam ser feitos pelas mulheres, mas normalmente quem manda são os homens. Era uma coisa muito exótica ter uma mulher espanhola na vinha a dar ordens. Hoje em dia já não há qualquer diferença.”

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Desde a vindima de 2007 que Susana Esteban trocou o Douro vinhateiro pela região do Alentejo, onde trabalha como enóloga consultora — espalha a sua arte em diferentes projetos, tais como Tiago Cabaço, Monte da Raposinha e Monte dos Cabaços –, além de apostar nos projetos próprios, como os vinhos Procura e Aventura, sem esquecer o Sidecar, um vinho que vai para a segunda colheita e que, de ano para ano, é feito com o contributo de diferentes produtores (Filipa Pato foi a mais recente enóloga a participar).

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E se, ao fim de todos estes anos, lhe perguntarmos de que região gosta mais, se do Douro se do Alentejo, Susana responde assim: “Isso é como perguntar-me se gosto mais do pai ou da mãe. O Douro foi o início e o Alentejo foi uma surpresa.”

Filipa Pato, 40 anos, Bairrada

Filipa Pato ainda se lembra de brincar às escondidas numa das vinhas do pai, o famoso produtor bairradino de nome Luís Pato. Era na vinha Barrosa em particular, cuja plantação é dispersa, que costumava esconder-se das irmãs mais novas por entre inúmeros vinhedos — devia ter uns 10 anos e ainda o vinho estava longe de ser uma paixão para a vida. Crescer ao colo e entre abraços de um produtor foi um convite a conhecer de perto (e desde cedo) o mundo da enologia. Apesar disso, Filipa — cujo avô foi o primeiro a engarrafar vinho na Bairrada — não se recorda com exatidão da primeira vez que levou à boca um trago dos néctares bairradinos. Ao invés, confessa que fazia provas de vinho às escondidas, durante os almoços de família.

“O vinho nunca me foi indiferente, mas nunca pensei ir logo por esse caminho porque também gostava da vida citadina”, conta Filipa ao Observador. Foi a ânsia de querer conhecer e viver mais que a levou a cruzar as fronteiras portuguesas já a universidade estava concluída: Bordéus foi o primeiro ponto de paragem, onde deu de caras (e nariz) com um perfil de vinho completamente diferente do português, e depois Austrália, cujos quatro meses foram passados lado a lado com um único produtor que lhe estimulou a sede de conhecimento, literalmente.

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Regressada a Portugal, Filipa decidiu-se a produzir vinhos próprios na região das Beiras e sem a ajuda do pai. “Na altura tratei de tudo. Foi muito difícil. Uma coisa é pegar numa vinha da família, outra é procurar por ela. Demoram-se anos a descobrir”, desabafa. Estávamos em 2001 quando a então jovem de 25 anos arrancou com uma produção em seu nome — ter uma mulher tão nova num setor habitualmente dominado por homens era coisa rara, mas a produtora garante que nunca sentiu qualquer diferenciação e assegura que o que interessa é “a qualidade e a consistência” do trabalho.

E que trabalho. Formada em química, diz usar o conhecimento adquirido na faculdade para a evitar. É que o seu método de produção dito tradicional assenta em três pilares (se assim o pudermos afirmar): formas de vinificação antigas, vinhas velhas e a menor intervenção possível na adega. E o que acha o pai dos vinhos que a filha faz, Nossa Calcário tinto e branco incluídos? “Só perguntando-lhe”, atira divertida.

Filipa Tomaz da Costa, 57 anos, Península de Setúbal

Os avós tinham uma adega em Gouveia, no Dão, onde era trabalhado o vinho destinado à família. A produção caseira era motivo mais do que suficiente para que os netos passassem o mês de setembro, ainda em férias escolares, de rabo para o ar a roubar uvas às videiras. “Andávamos no campo a apanhar as uvas. O avô chegava a pagar 50 escudos por um ou dois dias. Era uma fortuna para uma miúda de oito ou nove anos”, recorda Filipa Tomaz da Costa. O mês de agosto estava para a praia como o de setembro para as vinhas e serra adjacente.

Talvez o gosto pelas uvas se tenha colado ao corpo (e à alma) desde tenra idade, talvez não. O certo é que Filipa Tomaz ainda hoje admite que apenas tirou o curso de agronomia porque, à época, o de enologia não existia. Não é por acaso que a enóloga tem uma carreira de mais de 30 anos dedicados aos vinhos da Península de Setúbal, produzidos sob a chancela da Bacalhôa Vinhos — mas já lá vamos.

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Ainda o curso ia a meio e a respetiva empresa se chamava João Pires — mais tarde passou para J.P. Vinhos e ainda antes da viragem do milénio Joe Berardo torna-se no seu principal acionista –, quando Filipa é convidada para fazer a primeira vindima. Foi a porta para uma entrada triunfal: pisadas as uvas e feito o estágio, Filipa acabaria por ser convidada a ficar na empresa, isto em 1981. A enóloga conta com orgulho que assistiu ao primeiro engarrafamento do vinho Quinta da Bacalhôa. Hoje, é ela que o faz. Mais: desde 1993 desempenha as funções de diretora de enologia e, atualmente, é responsável pela produção de cerca de oito milhões de litros anuais, o que equivale a 12 milhões de garrafas de vinho. Falamos de brancos, tintos, rosés, Moscatéis de Setúbal e Roxo.

Apesar do sucesso evidente, o caminho para o alcançar fez-se solitário, pelo menos a julgar pela falta de representação do seu género no setor em cargos de topo. “Hoje em dia existem imensas enólogas, mas há 30 anos isso era raríssimo, estavam sobretudo na parte de laboratório e na parte comercial”, conta. Filipa Tomaz da Costa garante que nunca teve problemas em arranjar trabalho, mas ainda hoje se recorda com gosto dos faxes que recebia endereçados a um “Filipe” em vez de “Filipa”. Não obstante, diz que as dificuldades que as mulheres enfrentam no universo vínico são as mesmas que atingem o sexo feminino nas diferentes áreas laborais: “A única desvantagem é sempre monetariamente.” Isto é: ganham menos.

Olga Martins, 40 anos, Douro

Olga Martins não teve o lado romântico de uma infância de quem cresce com os sentidos virados para o vinho, tal qual girassol. A paixão, essa, é tardia, mas nem por isso menos significativa (caso contrário, o que dizer dos colheita tardia?). Se, por um lado, a família não tinha especial ligação ao néctar de Baco, por outro, Olga ingressou na faculdade para estudar engenharia química. Com o tempo, a futura CEO e diretora comercial da Lavradores de Feitoria lá percebeu que o curso a tirar era o de enologia, pelo que, assim que pode, arregaçou as mangas (da camisa e das calças) e inaugurou-se na experiência das vindimas.

“Quis fazer uma vindima no primeiro ano do curso para ver se gostava daquilo. Se não gostasse, voltava para engenharia química”, diz Olga Martins. Isso nunca aconteceu. O sítio escolhido para colher os cachos — e consequentemente as uvas — foi a duriense Quinta do Noval: “Foi um momento de paixão total. Tive um contacto com o vinho através de pessoas extremamente conhecedoras e muito apaixonadas. Gostei da sensação de estar na vinha, de pegar nas uvas e de as esmagar no lagar. Acabei a vindima e fiquei rendida, decidida a trabalhar no vinho e no Douro.”

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Dito e feito. À semelhança de outras pessoas na área, Olga Martins ainda partiu à descoberta do que era o vinho noutras paragens (como quem diz países), mas o rumo profissional levá-la-ia à Lavradores de Feitoria, empresa que nasceu em 2000 e que resultou da união de 15 produtores, proprietários de 18 quintas distribuídas pela região. “Fui muito acarinhada, mas confesso que senti (já não sinto) a necessidade de provar sempre o meu valor. Tenho em meu favor o facto de ter entrado na empresa logo no início e de ter crescido à medida que a empresa cresceu, mas há sempre um olhar, uma certa condescendência quando se vê uma mulher nova”, admite Olga Martins.

Apesar disso, as mudanças de estratégia que Olga trouxe à empresa acabaram por dar resultado e tudo o resto serenou. Ainda são muitos os acionistas que a tratam por “menina”, por uma questão de carinho, e o vinho, esse, continua a ser uma paixão arrebatadora. O mesmo diz da região: “A primeira coisa que faço depois de viajar muito é ir para a quinta que tenho no Douro. Aquele silêncio… é o meu sítio.”

Marta Soares, 43 anos, Lisboa

Esta é uma história de amor, pelo vinho e pelo homem. A protagonista é Marta Soares, o nome e rosto à frente dos vinhos da propriedade Casal Figueira, na região vitivinícola de Lisboa. Marta sempre esteve ligada às artes plásticas, um ramo que quase a levou para os Estados Unidos onde tinha intenção de completar os estudos. Mas quis o destino (se este existir) que a portuguesa conhecesse António Carvalho, a sua quinta e os seus vinhos, e se apaixonasse pelo projeto “obstinado” mas também pelo homem.

António, o viticultor, estava determinado a trabalhar a muito temperamental Vital — casta praticamente desconhecida que beneficia de um clima atlântico e do solo calcário — na região de Lisboa. O trabalho e a pessoa por trás dele cativaram Marta Soares que depressa se decidiu a trocar o solo norte-americano pelas vinhas da quinta Casal Figueira. Os dois partilharam dez anos de uma vida em comum, tiveram dois filhos e viram muitos vinhos nascer. Até que a vida pregou-lhes uma partida.

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Estávamos em 2009, em plena vindima. António Carvalho pisava as uvas quando teve um ataque cardíaco fulminante aos 41 anos. António não sobreviveu, mas o mesmo não se pode dizer das uvas que estavam no lagar a ser trabalhadas. Coube a Marta Soares continuar a demanda. “O António vindimou e prensou as uvas, fez toda esta parte do processo e eu, depois, vinifiquei. O vinho uniu-nos em vida e na morte”, diz Marta, que ainda hoje está à frente do processo de produção dos vinhos que não são corrigidos e que recebem a quantidade mínima de sulfuroso.

“Atrás de um grande vinho tem sempre de haver uma grande pessoa. Não faço distinção entre homem e mulher. O vinho tem que ver com paixão e com a humanidade que passa para os vinhos. Espero que venha alguém depois de mim, seja homem ou mulher. O que interessa é que venha alguém com paixão.”