O grupo de humoristas brasileiro Porta dos Fundos poderia comemorar os números de um dos seus últimos vídeos, “Delação”. Publicado no último sábado, já conta com mais de 4,1 milhões de visualizações, tornando-se o segundo mais visto de sempre dos humoristas. Poderia.
Há outro número, no entanto, que pôs o grupo numa situação inédita: 467 mil. Esta é a quantidade de dislikes que o vídeo recebeu no YouTube, tornando-se o mais “odiado” de sempre do canal. No ranking global do YouTube, este já é o segundo vídeo brasileiro com mais dislikes de sempre e o 25º de todo o mundo na história da plataforma.
O motivo desta reação negativa dos utilizadores é o tema da peça: a Operação Lava Jato. Gregorio Duvivier interpreta um inspetor da Polícia Federal do país, enquanto Fabio Porchat faz o papel de deputado, num sketch que mostra como funciona uma “delação premiada”, recurso utilizado por um réu da justiça brasileira que aceite colaborar na investigação ou denunciar outros envolvidos num crime, em troca de uma redução de pena.
No vídeo, o inspetor mostra-se sem interesse pelas diversas denúncias de desvio de dinheiro apresentadas pelo deputado sobre partidos de oposição ao governo Dilma Rousseff. “Me ajuda a te ajudar aí”, diz, impaciente.
No entanto, quando cita que num jantar “de 50 mil reais em Paris” entre políticos dos partidos PMDB e PSDB, o prato principal foi “arroz de lula”, o inspetor imediatamente grita: “Machado, pode emitir o mandato de prisão, avisa lá para o juiz que a gente pegou o Lula [da Silva]”.
A Internet brasileira veio abaixo.
Segundo descreve o jornal Folha de S. Paulo, o vídeo motivou uma “guerra de likes” e a fuga de milhares de inscritos no canal do grupo. Foi criada até a hashtag #RIPorta e uma campanha de boicote aos humoristas. A publicação relata ainda que o Porta dos Fundos foi acusado de ter-se “vendido” ao governo de Dilma Rousseff, na sequência de um financiamento público recebido em 2015 pelo grupo no valor de 1,8 milhões de euros, através da Lei Rouanet, para a realização do longa-metragem “Porta dos Fundos — Contrato Vitalício”. A lei foi criada pelo governo brasileiro para incentivar a produção cultural a partir de incentivos fiscais dados a empresas privadas.
A Folha de S. Paulo fala ainda de utilizadores que criticaram o grupo por alimentar a “polarização” política do Brasil, na sequência das últimas manifestações pró-governo e pró-impeachment que aconteceram no último mês no Brasil.
A resposta do Porta dos Fundos
António Tabet, um dos criadores e guionistas do Porta dos Fundos, publicou na sua página no Facebook um texto a defender o vídeo do grupo, qualificando o debate de “revanchismo bobo”. “Incentivar a censura ou a intolerância nada mais é que um recibo de que você pode ser tão fascista quanto os fascistas que critica. Sejam eles imperialistas americanos ou comunistas cubanos”, afirma.
Tabet diz acreditar que a Polícia Federal do Brasil está a fazer “um trabalho bastante competente” e desmente que a concessão de financiamento público tenha influenciado os guiões. Para ele, na equipa de humoristas “como em todo o país, há opositores [ao governo] como eu, defensores como o Gregorio, isentões e loucos”.
Cada um de nós no Porta tem uma posição política e cabe ao outro respeitá-la sem prejuízo da amizade que nos uniu. Isso é civilidade. E nós, como grupo, refletimos essa pluralidade no nosso trabalho quando existe mais de um lado da moeda, o que é saudável num país onde política é futebol, futebol é religião e religião é política”, justifica.
Para exemplificar o seu argumento, o guionista cita o vídeo “Reunião de Emergência 2”, publicado há duas semanas, em que diversos ministros conversam sobre a admissão de um novo ministro com “foro privilegiado”, em referência à nomeação de Lula da Silva como ministro da Casa Civil do governo Dilma. O vídeo encontra-se atualmente em posição de destaque na página do canal Porta dos Fundos.
A Porta dos Fundos tem sido vítima, nas últimas horas, de uma campanha promovida por páginas ou sites de oposição ao...
Posted by Antonio Pedro Tabet on domingo, 3 de abril de 2016
Gregório dos Santos também utilizou o seu Facebook para defender o Porta dos Fundos. “O Porta é uma empresa plural, onde cada um acha o que quer, e onde se ri de tudo — inclusive e principalmente de quem está no poder”, diz.
O humorista ironiza a campanha de boicote ao grupo ao agradecer as 4 milhões de visualizações de “Delação” e indica algumas outros vídeos “onde o Porta riu da Dilma e do PT”, diz.
Aos que estão fazendo uma campanha de dislike pra tentar derrubar o vídeo Delação: vocês estão fazendo errado. O vídeo j...
Posted by Gregorio Duvivier on martes, 5 de abril de 2016