Budistas de todo o mundo vão reunir-se este mês no sul de Portugal, um encontro de empatia, de reflexão e de proximidade que acontece pela primeira vez na Europa, numa herdade de 100 hectares, para trazer “benefícios ao mundo”.

O Lama Gyurme, da organização, explica que se trata do 10.º encontro do género e que os anteriores que se fizeram no ocidente aconteceram nos Estados Unidos (na Ásia são uma tradição mais antiga).

Foram convidados para o encontro, de 16 a 22, os centros budistas de Portugal mas também “da Europa e de fora da Europa”. “Virão pessoas dos Estados Unidos, do Reino Unido, esperamos que venham algumas da Ásia”, diz o responsável à Lusa.

Todos num “festival de preces aspirativas” contra o sectarismo, a causa de “conflitos inconcebíveis, curiosamente muitas vezes em nome da religião, a mesma que pretende ser a semente da paz no mundo”, diz o Lama.

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Chamado de Rimay Monlam (recusa de separação e forma de realizar aspirações), o encontro é dedicado ao Dalai Lama e acontece em plena natureza na zona de Alcácer do Sal, distrito de Setúbal, aberto a praticantes e não praticantes do budismo e centrado em palestras, orações, meditação e yoga.

“Os encontros não estão sujeitos a qualquer agenda política ou lucrativa já que o seu propósito é o da prática e partilha de preces aspirativas puras. Acredita-se, no budismo tibetano, que estas preces têm a função de levar benefícios a todos os seres, seja no local onde elas acontecem como fora dele, trazendo profundos benefícios ao Mundo e a todos os seres sem exceção”, nas palavras do Lama Gyurme.

Gyurme faz parte de uma corrente budista que considera uma “mais-valia” a existência de várias correntes da filosofia desenvolvida por Buda (que viveu antes de Cristo). “Desde sempre surgiram diferentes correntes e desde sempre foi enfatizado esse respeito mútuo”, diz, explicando que há hoje “quatro grandes escolas budistas” e várias linhagens e que “seria um empobrecimento do budismo se estas linhas se extinguissem em benefício de uma só”.

Aliás, acrescenta, do ponto de vista budista “qualquer forma de pensamento, religioso, artístico ou científico, que na realidade traga benefício a humanidade, é algo que deve ser preservado”.

É certo, admite, que por vezes há divergências no pensamento comum do Homem que é o de tentar ser “um ser humano decente”, transformando pessoas em “tecnocratas da religião” em pessoas com “agenda muito própria” que se servem da espiritualidade “como uma forma de manipulação de medos e expetativas de massas”.

No Islão, diz Maomé (século VI) que um bom islâmico é alguém que ninguém tem razão para temer, “não sei se considere alguém que perpetua atos, em nome do Islão, de violência e de terror, um bom islâmico”, diz, referindo-se ao autodenominado Estado Islâmico.

E acrescenta: “agora e fácil marginalizar esta visão do Islão, mas não nos podemos esquecer que outras religiões, noutros momentos históricos, também tiveram atitudes extremistas e sectárias, versões da “capacidade humana de um apego fundamentalista a certas ideias, em que um individuo, na sua insegurança frente às suas crenças, só está tranquilo quando os outros também as expressam”.

Gyurme considera que no Estado Islâmico “falharam como religiosos” e se há também uma falha como seres humanos é por responsabilidade da sociedade: “que valores a nível internacional permitem que algumas pessoas possam achar lógica” na ideia de um Estado Islâmico? – questiona o Lama, que tenta ser um bom ser humano e se tornou budista vai para três décadas.

O budismo é uma filosofia seguida por centenas de milhões de pessoas, 20 mil em Portugal segundo estimativas citadas por vezes na imprensa mas que o Lama considera otimistas.

Mas também não é importante. “É muito triste alguém que só consiga ser boa pessoa porque é treinado por uma religião. Antes de pensar em mim como budista, ou cristão, ou hindu, islâmico ou agnóstico, antes de pôr qualquer rótulo, devo pensar em mim como ser humano”.

Por isso quantos são os budistas portugueses não interessa. O importante “é sermos bons seres humanos”, diz. E depois: Se tivermos ajudado algum cristão a ser melhor cristão, um islâmico a ser um melhor islâmico, um ateu ou um agnóstico a ser um melhor ser humano, então teremos feito o nosso trabalho em Portugal.