Tomara a Mariano Rajoy conseguir formar um Governo com a mesma base de sustentação que a laca garante ao cabelo loiro de Angela González Cristobal. E tomara a esta reformada de 88 anos que também assim fosse. Votou no Partido Popular. “Isso nem se pergunta”, responde quando lhe lançamos a questão, sentados num banco de jardim. Além do cabelo armado, Angela usa joias de ouro e tem os lábios pintados. Ao seu lado, está Nelly Ospina, a sua empregada colombiana, de 45 anos, que a acompanha todos os dias da semana. “Não se percebe logo em quem votei? As senhoras de classe votam no PP. Os clássicos votam sempre no PP.”

Estamos em Chamartín, o sítio onde o Partido Popular conseguiu juntar mais votos em toda a cidade de Madrid. Nesta super-freguesia de cerca de 150 mil pessoas, o partido de Mariano Rajoy juntou 57,14%. Depois, ficou o Ciudadanos, com 18,31%; o terceiro lugar coube ao PSOE com 11,18%; e o Podemos ficou-se pela quarta posição, com 10,8%.

A verdade é que a nível nacional os resultados não foram bem assim. No final, o PP ganhou de forma destacada mas aquém da maioria absoluta; o PSOE conseguiu manter o segundo lugar depois de contrariar o sorpasso do Unidos Podemos, que continuou em terceiro; e o Ciudadanos ficou confirmado como quarta força política de Espanha.

As contas para Rajoy subir ao poder são viáveis, embora não sejam simples.

Rajoy pode depender de apenas um deputado das Canárias

A maneira mais simples seria se o PSOE abrisse os braços ao PP e lhe permitisse formar governo de forma ativa — participando nele ou votando-o favoravelmente no Congresso numa primeira votação — ou de forma passiva — abstendo-se numa segunda votação. Mas o PSOE já disse, através do seu porta-voz, Antonio Hernando, que não está disposto a isso.” Não vamos apoiar a investidura de Rajoy nem nos vamos abster”, disse. “Se Rajoy quer falar, que o faça com os seus semelhantes ideológicos.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A maneira mais complicada seria através de uma aliança do PP (137 deputados) com o Ciudadanos (32) e recorrendo a três partidos regionalistas: o Partido Nacional Basco (5), a Nueva Canarias (1) e a Coligação Canarias (1). Todos juntos, são 176 deputados: a margem mínima para ter maioria no Congresso dos Deputados.

Por um se ganha, por um se perde. E pode ser o deputado da Coligação Canarias, Pedro Quevedo, que concorreu naquelas ilhas baleares aliado ao PSOE, mas de forma independente, a facilitar uma solução de Governo de Rajoy. À agência Efe, já disse que pode vir a abster-se para permitir um novo Governo. Só que, no meio disto tudo, há o Ciudadanos, cujo líder, Albert Rivera, tornou a repetir na segunda-feira o que já tinha dito na campanha: “Não vamos apoiar nenhum Governo de Mariano Rajoy”. Leia-se, de Mariano Rajoy e não do PP, partido com o qual Rivera está disposto a falar, juntamente com o PSOE, todos na mesma mesa. Por outro lado, o líder do Ciudadanos já fez saber que não permitirá uma solução com partidos nacionalistas. Ou seja, o Partido Nacional Basco, de direita, e que apoiou o conservador José María Aznar no seu primeiro mandato, teria de ficar de fora. E, assim, não haveria 176 que valessem a Mariano Rajoy nem ao PP.

“Como podem dizer isso de Rajoy, um homem decente?”

Tudo isto enerva Angela. “O PP ganhou agora e em dezembro. Mas o PSOE disse que não, que não quer um Governo do PP de maneira nenhuma. Agora o naranjita do Ciudadanos também diz que com o Rajoy não se pode fazer nada”, diz indignada. “Como se atrevem de dizer isto diante de Espanha inteira? Como podem dizer coisas destas sobre o Mariano Rajoy, um homem tão decente?!”

Porém, o que a enerva ainda mais é o Podemos, que nestas eleições esteve aliado com a Izquierda Unida mas que nem por isso conseguiu melhorar os resultados — no final, ficaram com 71 deputados. Ou seja, o mesmo que os 69 do Podemos e os dois da Izquierda Unida, mas agora juntos. “Graças a Deus os espanhóis escolheram bem ontem”, Angela agradece de olhos postos no céu. “Até saírem os resultados, estava com receio de os radicais ganharem tudo.” Os radicais, faz questão de especificar, são “os que estão com aquele do rabo-de-cavalo, o [Pablo] Iglesias”. Para este, não guarda palavras simpáticas: “É um louco, um extravagante”.

Mais do que tudo, é a religião que motiva o voto de Angela. Aos 88 anos, viveu 40 de democracia em Espanha. Nestes, votou sempre à direita: primeiro na Alianza Popular e depois no Partido Popular, a partir de 1989, quando este foi fundado. “Durante este tempo todo, foram sempre eles quem mais defenderam a religião”, explica. “A minha religião. Sou católica e praticante. Para mim é o mais importante na minha vida.” Antes de votar, no domingo, foi à missa.

Para Angela, a gota de água em relação ao Podemos foi a manifestação em que participou Rita Maestre, porta-voz da câmara da capital, atualmente liderada por forças apoiadas pelo Podemos, dentro da capela da Universidade Complutense de Madrid. Passou-se em 2011, mas apenas em 2016 se tornou público o vídeo em que Rita Maestre, vestindo apenas um sutiã da cintura para cima, juntamente com outros manifestantes, gritava palavras de ordem como “vamos queimar a Conferência Episcopal” e “contra o Vaticano, poder clitoriano”. Em março, foi condenada por um tribunal de Madrid a pagar uma multa de 4 320 euros por “delito contra os sentimentos religiosos”.

“Isso é o Podemos!”, diz. “São contra a religião. Querem dar cabo dos religiosos. Meteram-se com a Igreja para quê? Se fizessem isso com os mouros matavam-nos a todos, como fizeram com os de Paris que andavam a desenhar Maomé.”

“São muito perigosos”, termina Angela, enquanto Nelly, a sua empregada colombiana, vai dizendo que sim com a cabeça. “São mesmo muito perigosos.”

Um acordo? “Tem de ser”

Sentado no mesmo jardim, José, economista numa empresa de infraestruturas de energia, não sabe ao certo aquilo que o Podemos é. “Um dia são radicais, são sociais-democratas, noutro apetece-lhes ser europeístas e pouco tempo depois querem sair do euro”, diz este homem de 50 anos que preferiu não revelar o seu apelido. “Não sabemos o que esperar deles. Não são fiáveis.”

José era um eleitor “ocasional” do PP, que nunca fora mais longe do que o centro. A esquerda nunca lhe serviu. Agora, votou no Ciudadanos, tal como tinha feito em dezembro. “É preciso uma mudança nos partidos, na sua gestão interna, na maneira como se relacionam com a sociedade, que deve ser de forma aberta e não de costas, como fez o PP”, diz-nos. “Mas é preciso fazer tudo isto com políticas estáveis.”

A partir deste banco de jardim, José vê finalmente um acordo à vista. “Tem de ser”, diz, soprando longamente. É a maneira possível de dizer que a atual situação se arrasta há muito tempo. “Estes seis meses não serviram para quase nada e as eleições acabaram por dar no mesmo”, explica. “Creio que finalmente os partidos vão perceber que há que chegar a um acordo.”

José está otimista. Mas, à hora que falamos, ainda não tinha lido as últimas notícias — as que davam conta de que várias vozes da direção do PSOE disseram que não iam permitir um Governo de Rajoy; e as outras, em que Rivera tornava a sublinhar que com Rajoy nada feito.

Enquanto estas notícias saíam, José esteve a preparar uma reunião que está prestes a começar. Vai sentar-se com representantes de uma empresa, que vão estar do outro lado da mesa, prontos a ouvi-lo. Se tudo correr bem, fecham o negócio. Simples, não é? Tomara a Rajoy que a sua vida fosse como aqui em Chamartín.