John Chilcot, responsável pelo relatório britânico sobre a guerra no Iraque, anunciou esta quarta-feira que Tony Blair exagerou a situação no país de modo a justificar a participação do Reino Unido na invasão liderada pelos Estados Unidos da América, em 2003, e que a invasão “não era o último recurso”.

Numa conferência de imprensa realizada no Centro de Conferências Queen Elizabeth II, em Londres, Chilcot, antigo funcionário do ministério para os Assuntos da Irlanda do Norte, Chilcot defendeu que a invasão, a primeira em que o Reino Unido participou desde a Segunda Guerra Mundial, foi levada a cabo “antes terem sido esgotadas todas opções pacíficas para o desarmamento” e que foi apresentada por Blair “com uma certeza que não foi justificada”.

“Havia a crença enraizada entre os políticos e os serviços de inteligência [britânicos] de que o Iraque tinha alguma capacidade [militar] química e biológica e que o país estava determinado a preservá-la e a melhorá-la, se possível”.

Para além disso, acreditava-se que o país pretendia “adquirir armas nucleares e que tinha sido capaz de esconder as suas atividades dos inspetores das Nações Unidas”. Uma crença que ainda não tinha sido inteiramente justificada, o que devia ter ficado claro. Segundo John Chilcot, o Joint Intelligence Committee, o comité responsável por dirigir os serviços de inteligência do Reino Unido, devia ter dito a Blair que as informações relativas ao armamento iraquiano não eram 100% certas.

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Apesar de muitos considerarem que a invasão do Iraque foi decidida de forma ilegal, Chilcot referiu que isso pode apenas ser decidido “por um tribunal devidamente constituído e reconhecido internacionalmente”. Porém, de um modo geral, considerou todo o processo como “insatisfatório” e a missão iraquiana “um fracasso”, uma vez que o governo britânico “falhou em atingir os objetivos declarados”.

“Nós, contudo, concluímos que as circunstâncias em que foi decidido que havia base legal para uma ação militar foram para lá de satisfatórias.”

Na conferência de imprensa desta quarta-feira, Chilcot disse ainda que Blair desvalorizou o perigo que uma invasão poderia significar para o Reino Unido, que devia ter antecipado os problemas da pós-invasão (que considerou, no geral, “desadequados”) e que sobrevalorizou a sua influência sobre os Estados Unidos. “A relação do Reino Unido com os Estados Unidos já provou ser forte o suficiente para suportar o peso do desacordo honesto”, disse o autor do estudo.

“Não é preciso haver apoio incondicional quando os nossos interesses e julgamentos diferem.”

Numa entrevista transmitida esta quarta-feira na BBC, John Chilcot explicou que a investigação procurou questionar as decisões que foram tomadas e que levaram o Reino Unido a intervir militarmente no Iraque, na esperança de que no futuro não seja possível “participar numa campanha militar e diplomática com níveis semelhantes”.

À BBC, Chilcot disse que, enquanto redigia o relatório, teve sempre em mente o sofrimento das famílias dos militares britânicos que perderam a vida, pretendendo “conhecer toda a verdade” sobre a guerra. “Esperemos que eles sintam, quando virem o relatório, que as perguntas que tinham na cabeça tenham respostas“, acrescentou.

Sobre as críticas aos responsáveis pela participação do Reino Unido na missão iraquiana, Chilcot disse que o objetivo do relatório não é o de processar ninguém. “Deixei muito claro, desde o princípio, quando iniciei a investigação, que se nos deparássemos com coisas que merecem críticas a indivíduos e a instituições não fugiríamos a tais críticas e, aliás, foi o que fizemos”, afirmou.

O relatório sobre a invasão no Iraque foi iniciado há sete anos, depois de ter sido autorizado por Gordon Brown (então primeiro-ministro), na sequência de fortes pressões exercidas por políticos e familiares dos 179 militares que perderam durante a campanha militar. O resultado das investigações foi divulgado esta quarta-feira no site oficial do relatório, depois da conferência de imprensa em Londres.

Composto por 12 volumes, o relatório inclui declarações de mais de 150 pessoas, entre as quais Blair, Jack Straw, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, e Geoff Hoon, ex-ministro da Defesa. Calcula-se que os gastos da investigação tenham atingido os 11 milhões de euros.

Os familiares dos soldados britânicos que morreram no Iraque acreditam que o relatório possa vir a dar início a um processo jurídico contra os responsáveis pelo envolvimento do Reino Unido na guerra.

Corbyn: deputados foram levados a crer que a guerra era necessária

Numa reação ao relatório divulgado esta quarta-feira, o primeiro-ministro, David Cameron, começou por dizer que “as famílias daqueles que morreram esperaram demasiado tempo por isto”, salientando que também “nunca nos devemos esquecer dos milhares que ficaram feridos no Iraque”.

Enumerando vários dos pontos referidos no relatório, o primeiro-ministro fez questão de frisar que, mesmo que seja planeada cuidadosamente, uma ação militar pode sempre correr mal, como foi o caso da Líbia. “A guerra deve ser sempre um último recurso”, salientou Cameron, durante uma sessão no Parlamento, citado pelo Guardian. Apesar do que aconteceu no Iraque, David Cameron acredita que é possível tirar daí algumas conclusões:

  1. De acordo com o primeiro-ministro, “é errado concluir” que o Reino Unido não deve apoiar os Estados Unidos da América;
  2. “Não devemos concluir que não podemos confiar nas conclusões dos serviços de inteligência”, frisou Cameron, acrescentando que o relatório mostra como avaliar as informações fornecidas pela inteligência e como tomar decisões politicas mantendo as das coisas separadas;
  3. Para o primeiro-ministro, é também “errado concluir que as forças militares não podem intervir com sucesso” ou que “uma intervenção é sempre errada”.

De acordo com David Cameron, o relatório será discutido no Parlamento pelos deputados nos próximos dois dias.

Sobre o relatório, o líder dos trabalhistas, Jeremy Corbyn, começou por dizer que este não devia ter demorado tanto tempo, defendendo que a invasão foi ilegal, como garante “a grande maioria da opinião internacional”. Para Corbyn, a guerra no Iraque teve consequências devastadoras, alimentando o terrorismo. “Para muitos, foi uma catástrofe”, garantiu.

Para o líder do Partido Trabalhista, o Parlamento deve ter uma palavra a dizer quando se trata de decidir se o país entra ou não em guerra, salientando que os deputados devem ter acesso a evidências rigorosas e objetivas. Sugerindo que a Câmara dos Comuns devia tomar uma posição no que diz respeito a Tony Blair, Corbyn disse que os deputados foram enganados e levados a crer que a guerra no Iraque era necessária. “A Câmara dos Comuns devia decidir que ação quer tomar a este respeito”, defendeu.