O país está melhor e só não evoluiu mais porque a União Europeia não deixa. É esta a tese reinante nas duas maiores centrais sindicais. A CGTP e a UGT mostram-se convencidas pela atual solução governativa e elencam como principais conquistas a “reversão” de algumas medidas relativas a rendimentos, pensões e direitos dos trabalhadores. Suficiente? Não. Mas aí a responsabilidade é imediatamente atirada para lá das fronteiras.

“Nos últimos anos o estado da nação está condicionado e depende do que se passa no plano externo”, sublinha Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP ao Observador. Carlos Silva, líder da UGT, descreve este constrangimento como um “quadro de pressão de entidades externas, com quem temos relações políticas profundas no caso da União Europeia, e com quem temos relações económicas, caso do FMI”. Para Carlos Silva, este quadro “também é gerado em função de algumas desconfianças em relação ao Governo português e aos partidos que o apoiam no Parlamento”.

Conferência de imprensa da UGT

O entendimento entre PS, PCP e Bloco de Esquerda já teve o mesmo efeito no próprio líder da UGT, que dele duvidou nos primeiros tempos, sendo só depois convertido pelo “comportamento correto” que os dois partidos têm tido com o PS.

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Para Arménio Carlos, houve menos receios quanto à solução de Governo, mas existe a mesma desconfiança relativamente à ação europeia. O líder da CGTP acredita que o país “evoluiu positivamente” face ao último debate do Estado da Nação, quando estavam no Governo PSD e CDS: “Saímos de um período marcado pela redução de salários, pensões e de conflitos com a Constituição, para uma política que, não tendo resolvido tudo, começou a resolver alguns problemas”. E se não fez mais, convence-se este militante comunista, é porque “a mudança política está muito condicionada por constrangimentos europeus”. “A reversão das medidas de austeridade está a incomodar alguns governos europeus”, acrescenta por seu lado Carlos Silva.

A evolução que os sindicatos notam refere-se sobretudo aos direitos sociais, nomeadamente no mercado de trabalho. Depois de uma “primeira fase de reposição de salários, pensões e direitos”, de acordo com Arménio Carlos segue-se uma fase com medidas que devem, no entender da CGTP, passar pela “revisão de legislação laboral, revogar normas gravosas do Código do Trabalho e ainda alterar as regras da contratação coletiva”, onde a CGTP espera ver o Governo “revogar a norma de caducidade”, alterada pelo anterior Executivo. Isto além da “aposta nas qualificações” para “romper com o modelo de baixos salários”.

Mas esses são os passos que a central sindical considera que se devem seguir. Já sobre o tempo presente e o que até aqui nos trouxe, existe alguma insatisfação com o quadro económico — em que a economia não arranca “por causa das exportações” — e com o investimento, que “é curto e condicionado pelo quadro orçamental”, diz Arménio Carlos.

Carlos Silva também sublinha a fragilidade da economia nacional, ainda mais quando está tão exposta ao cenário internacional: “Há uma grande volatilidade dos mercados e o que acontecer vai ter impactos no nosso país”. O secretário-geral da UGT entende as reservas do ministro das Finanças quanto à necessidade de rever previsões de crescimento económico e admite que “alguns dos dados que o Governo colocou vão ter dificuldades de serem cumpridos”. A causa principal do problema é a “falta de confiança na economia nacional”, determina Carlos Silva, ainda que o líder sindical considere que se notam “melhorias” na confiança a outro nível: a dos trabalhadores. Como? “Há mais consumo”.

“Mas não me peçam para dizer que está tudo bem”. O líder da UGT considera que “aquilo que se fez em quatro anos não se reverte em sete meses”, ainda que “a vontade de reversão, dê aos trabalhadores alguma tranquilidade”. Mas o perigo está lá e, neste ponto, é voltar ao início: “Melhorou significativamente mas isto não chega.

É preciso não ceder às pressões externas e ter coragem para dar sequência ao processo de mudança”, diz Arménio Carlos, que volta a apontar armas às instituições europeias. “Um dos grandes problemas da Comissão Europeia é que, durante vários anos, fez crer que se estava a viver uma inevitabilidade” e o que se está a mostrar é, segundo o dirigente sindical, que “é possível, embora de forma muito condicionada, governar de forma diferente. Isto preocupa a Comissão, porque põe em causa o seu projeto neoliberal”, remata o líder da CGTP, que não tem dúvidas em afirmar mesmo que na União Europeia se vive uma “democracia musculada”. A UE quer fazer o Governo português engrenar uma marcha atrás. Resistirá? “É bom que tenha coragem para enfrentar. É preciso dizer ‘não’, mesmo que o tenhamos de fazer contra os que têm o poder”, remata.