Os verdadeiros fãs conhecem-se pela teimosia. São capazes de esperar horas numa longa fila, sem arredar pé, para comprar um bilhete, são capazes de esperar horas por um autógrafo, por uma fotografia. São capazes de acordar de madrugada para se fazerem à estrada e de percorrerem quilómetros e quilómetros só para verem aquela banda — uma e outra vez. Mas todos os fãs (mais ou menos teimosos) têm uma coisa em comum: querem sempre ouvir os clássicos.
Para desgosto de muitos, isso poucas vezes acontece. A maioria das bandas prefere dar destaque às músicas mais recentes, acabadinhas de sair do forno, deixando de fora as velhinhas que todos gostam de ouvir. Mas existem exceções à regra e são essas que fazem tudo valer a pena. É por isso que o concerto deste sábado de Arcade Fire, cabeças de cartaz do último dia da edição deste ano do NOS Alive, tem tudo para ficar para a história — provavelmente não houve um “clássico” que tivesse ficado por tocar.
Lançando hit atras de hit, os canadianos ofereceram aos presentes uma escolha musical de luxo, capaz de deixar invejosos todos os que preferiram o sofá à confusão do apinhado e ventoso Passeio Marítimo de Algés. Durante as quase duas horas que durou a atuação, houve tempo de sobra para percorrer a já longa discografia da banda, formada em 2001 do outro lado do oceano, em Montreal, e de passar a pente fino todas as velhas canções. A escolha musical foi tão boa, tão boa, que é impossível não ter deixado alguém contente. Foi uma espécie de best of que, para os que se deslocaram até Algés, fez tudo valer a pena.
A banda entrou em palco à hora que lhe foi atribuída — 22h45 em ponto. Win Butler de blaizer branco, a mulher, Régine Chassagne, com um vestido metálico, que parecia feito de alumínio. Vestidos a rigor, só faltava mesmo a gravata. Começaram com uma “velhinha”, “Ready to Start”, do álbum The Suburbs (o terceiro), de 2010. Se ainda havia dúvidas do que aí vinha, as músicas seguintes confirmaram tudo — a homónima “The Suburbs”, seguida de “Sprawl II”, com Chassagne a abandonar a bateria onde inicialmente se sentou para se agarrar ao microfone. À frente do palco, a artista mostrou os seus melhores passos de dança, pegando numas fitas prateadas como o seu vestido. Estava visto: os Arcade Fire sabem dar um espetáculo.
Em “Reflektor”, o NOS Alive tornou-se numa grande pista de dança, com milhares de pés a mexerem-se ao som da música. Uns calçados, outros nem por isso. Até ao fim do concerto, o panorama não seria muito diferente — o ritmo de Butler e da gigantesca banda que compõe os Arcade Fire não conseguiu deixar ninguém indiferente. Seguiram-se mais clássicos — clássicos atrás de clássicos — como se o alinhamento tivesse surgido em resposta a uma rubrica de discos pedidos. “Intervention” terminou com dois versos de “God Save The Queen”, dos Sex Pistols — God save the Queen, no future for you –, “We Used to Wait” foi bom, mas o melhor ainda estava para vir.
O álbum que mais se queria ouvir era Funeral, o primeiro (de 2004) e aquele que a maioria dos fãs ainda guarda no coração. A banda parece ter adivinhado o que ia na cabeça de muitos, e não se fez de rogada. Depois de “No Cars Go” e “Ocean of Noise”, duas músicas do Neon Bible (2007), veio uma dose tripla de Funeral, com “Neighborhood #1 (Tunnels)”, “Neighborhood #3 (Power Out)” e “Rebellion”. A cereja no topo do bolo foi “Here Comes The Night Time”, do Reflektor (2013), que teve direito a uma chuva de papelinhos coloridos e tudo.
Depois de quase duas horas de concerto, os Arcade Fire saíram apressados. As despedidas foram breves e não houve direito nem a um pequeno encore. A seguir vinham os M83, e o palco precisava de ser trocado. Os fãs ficaram a salivar por mais, mas no ar ficou a certeza de os canadianos terem dado um espetáculo digno de se ver. Mas será que se esperava menos do que isso? A verdade é que habituaram mal os portugueses (os concertos anteriores ainda andam na cabeça de tanta gente!). A fasquia estava alta, é certo, mas os Arcade Fire não desiludiram.
Setlist completa do concerto de Arcade Fire:
- Ready to Start
- The Suburbs
- Sprawl II
- Reflektor
- Afterlife
- We Exist
- Normal Person
- Keep The Car Running
- Intervention
- My Body is a Cage
- We Used To Wait
- No Cars Go
- Ocean of Noise
- Tunnels
- Power Out
- Rebellion
- Here Comes The Night Time
- Wake Up)