Estávamos no final da década de 1980 quando um dinamarquês e uma americana se lançaram ao oceano a bordo de um veleiro. Sem destino definido, o casal acabaria por dar à costa na terra de Camões para aí criar uma família, plantar uma vinha e, se a sorte o permitisse, produzir vinho. A Cortes de Cima, propriedade familiar na Vidigueira, faz vinho há cerca de 20 anos — foi o mar que trouxe Hans e Carrie Jorgensen a Portugal e foi para perto do mar que eles voltaram para criar vinhos de um Alentejo atlântico.
Frescos e com maior acidez, tanto tintos como brancos. No Alentejo estão a nascer novos vinhos que contrariam o perfil que há muito a região nos habituou — em vez de propostas frutadas e redondas, às prateleiras de garrafeiras nacionais estão a chegar néctares produzidos a partir de vinhas plantadas na costa alentejana, junto ao mar, que contrariam as habituais planícies a perder de vista e os montados pontuados por ondas de um calor abrasador. De referir que até um passado relativamente recente a produção vitivinícola estava de olhos meio vendados para a região costeira do Alentejo.
“Começámos por fazer tintos porque o clima do Alentejo é quente, mas queríamos também fazer brancos mais frescos e com maior acidez”, começa por explicar Hans Jorgensen num inglês que, volta e meia, funde-se com expressões bem portuguesas. A ideia de ter acesso a um clima mais fresco sem sair do Alentejo tornou-se possível assim que Hans — mais a equipa de enologia — se virou para o litoral. E foi junto à costa, para os lados de Milfontes, que encontrou o local ideal onde plantar a vinha.
O terreno foi jackpot, aposta ganha logo à primeira. O mesmo não se pode dizer dos vinhos que viriam a nascer bem perto do mar — ao todo contam-se quatro rótulos, Cortes de Cima branco, Sauvignon Blanc, Alvarinho 2014 (a colheita de 2015 chega ao mercado em setembro) e Pinot Noir. Falemos do tinto: é o primeiro a ser produzido pela Cortes de Cima a partir de uvas plantadas na costa alentejana; é também o resultado de muitos anos de estudo, de quatro vindimas e de várias vinificações.
Ao início houve quem não acreditasse que era possível fazer vinho de qualidade tão perto da costa, conta Hans. Já o enólogo da casa, Hamilton Reis, admite que a primeira reação das pessoas foi de suspeita, sentimento que os prémios ajudaram a desvanecer: “O Cortes de Cima branco, em particular, tem ganho prémios atrás de prémios”, destaca entusiasmado. A título de exemplo está a distinção que elevou o néctar a melhor branco no concurso Vinalies Internationales 2015.
Os Vicentinos também vieram para ficar
Do dinamarquês ao norueguês. Ole Martin Siem também deixou a Escandinávia para se dedicar à agricultura em terras lusas, já lá vão 30 anos. Foi entre a produção de vegetais, frutas e plantas ornamentais com o carimbo da empresa Frupor que encontrou tempo e vocação para um vinho que vai buscar à frescura do mar a sua essência. Algumas das terras que Ole adquiriu provaram-se insuficientes para a enxada da agricultura e a produção de vinho acabou por surgir como alternativa, com as vinhas a ocupar terrenos na Zambujeira do Mar.
“Levámos cerca de 10 anos a produzir o primeiro vinho. Queria estar confortável e confiante da sua qualidade e senti que em 2015 estávamos finalmente prontos”, conta o produtor. Claro que quando os Vicentinos chegaram ao mercado — assim chamados devido à relação geográfica com a Costa Vicentina — Ole e a equipa sentiram uma pontada de nervosismo. Afinal, corriam o risco de alguém não se identificar com brancos alentejanos com um perfil mais vegetal ou com tintos elegantes marcados pela acidez da brisa atlântica.
Tanta preocupação para nada. Atualmente, Ole Martin Siem está feliz com a resposta dos consumidores e já colocou no mercado cinco vinhos — Colheita Branco, Colheita Tinto, Sauvignon Blanc, Touriga Nacional e Aragonez e Reserva Tinto (o Reserva Branco ainda está por chegar). Não é o único, até porque Bernardo Cabral, responsável pelos vinhos que vão ganhando adesão de boca em boca e de nariz em nariz, foi eleito enólogo do ano 2015 pela Revista de Vinhos.
De referir que Hans Jorgensen e Ole Martin Siem são amigos, além de vizinhos quer em Portugal, quer na Escandinávia. Aliás, foi o primeiro que ajudou o segundo a plantar os primeiros hectares de vinha, sendo que as colheitas iniciais de Ole foram vendidas a Hans. Hoje em dia o duo está na vanguarda de um perfil de vinho alentejano diferente — embora tenha sido a Cortes de Cima a colocar a primeira garrafa no mercado –, que a pouco e pouco vai cativando a atenção dos mais curiosos.
O que é que a Costa Vicentina tem?
Parece pouco provável que a costa alentejana se preste a mais do que banhos de sol, festivais de verão e marisco devorado à beira-mar. Afinal, o que tem o litoral alentejano de tão bom para a produção de vinhos? A resposta é um verdadeiro três em um: temperatura, exposição solar e humidade.
“Junto à costa a temperatura é radicalmente diferente da do interior; durante o dia há um mínimo diferencial de 10 graus”, começa por dizer Hamilton Reis. O enólogo da Cortes de Cima apressa-se ainda a acrescentar o fator humidade, cuja taxa é bastante superior quando perto do mar — e em Milfontes, onde estão plantadas as vinhas da empresa vitivinícola, a humidade é tanta que não raras vezes o nevoeiro estraga manhãs de praia.
A associação que está a unir os vinhos da costa alentejana
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São dez os produtores, Herdade da Comporta incluída, que se juntaram para criar a APVCA, ou seja, a Associação de Produtores de Vinhos da Costa Alentejana. O objetivo passa por defender a produção de vinho de qualidade na costa alentejana, a qual, segundo a associação, tem tido uma “grande e positiva evolução”.
Más notícias para os banhistas, boas para os amantes de vinho. “A humidade transporta a água do mar até à vinha, o que dá um efeito salino muito forte ao terroir, daí que haja uma certa mineralidade nestes vinhos.” Além disso, funciona como uma espécie de filtro, fazendo com que as vinhas não estejam sujeitas a uma exposição solar tão radical como no interior.
“O que é normal nos vinhos brancos alentejanos é serem vindimados agora [meados de agosto] para preservar a acidez — o ciclo de maturação da vinha é encurtado pelo calor. Já em Milfontes só se colhem as uvas em setembro”, continua Hamilton. A diferença em si sente-se na boca, com a acidez e a frescura a marcarem os vinhos de uvas que cresceram junto à costa do Alentejo.
Apesar do sucesso que as duas marcas estão a angariar, o enólogo garante que ainda é cedo para se discutir se o Alentejo atlântico deve ou não ser encaixado no mapa vinícola de Portugal: “Há mais projetos a aparecer e que brevemente vão estar no mercado. Mais tarde ou mais cedo vai ter de se começar a falar desta nova subregião.”