Não são bombeiros, nem polícias, nem agentes da proteção civil. São pais e mães de família, de todas as idades, e estão no meio dos escombros a ajudar as autoridades a resgatar as vítimas do sismo que, na quarta-feira, abalou a Itália. São voluntários. De acordo com o Centro de Serviço Voluntário (CSV) italiano, uma organização que coordena o trabalho voluntário em todo o país, já há mais de três mil pessoas a prestar auxílio às vítimas do terramoto de forma voluntária, um número que corresponde a mais de metade das 5.400 pessoas que estão envolvidas nas operações de resgate. Entre eles, encontram-se membros de associações filiadas no CSV e inúmeros anónimos, que saíram de casa para ajudar quem perdeu a sua.

3 mil

Voluntários participam nas operações de resgate em Itália. Representam mais de metade das 5.400 pessoas envolvidas nas operações.

Sendo os primeiros a chegar aos locais afetados, os voluntários transformam-se, muitas vezes, nas primeiras vítimas. Sem meios, começam a escavar, com as próprias mãos, em busca de sobreviventes. Lea d’Angela, de 52 anos, foi uma das muitas pessoas que tentaram entrar na zona restrita em busca dos familiares. O seu pai foi resgatado ainda na noite de quarta-feira, mas a sua mãe ainda não foi descoberta.

“Se ela está viva, nós vamos encontrá-la”, disse-lhe um polícia. “Mas, agora, não há nada que possa fazer aqui.” Custou-lhe ouvir a resposta, mas Lea sabe que as equipas de resgate “estão a fazer um bom trabalho”. “Estou preocupada”, confessou ao jornal The Guardian. “Espero que consigam encontrar a minha mãe.”

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Nas primeiras horas, cerca de cinquenta voluntários deslocaram-se ao centro de Amatrice, para tentar ajudar, mas muitos mais já se disponibilizaram para este trabalho. “Milhares de voluntários já expressaram o desejo de ir para o terreno. Querem dar uma ajuda concreta à população”, esclarece ao Corriere della Sera Carmine Lizza, a responsável pelos trabalhos de proteção civil da ANPAS, uma associação nacional de ajuda social que já está mobilizada. E serão precisos, não apenas agora, mas principalmente nos próximos dias.

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Cães participaram nas operações de resgate em Amatrice, no Lázio.

Mas entre aqueles que ajudam não estão apenas italianos. Os bombeiros Cristobal Rodríguez e Juan Manuel Lacueva, um veterano que participou nas operações de resgate do Haiti, depois do sismo de 2010, vieram de Málaga com os seus cães, Lula e Blackie. “Os bombeiros de Málaga são sempre os primeiros a ser chamados”, explicou Lacueva, citado pelo Guardian. “Temos os melhores cães de resgate.”

Montar tendas para duas mil pessoas

A ANPAS é uma das organizações mais ativas no apoio às vítimas. Logo na quarta-feira, a associação foi responsável por montar um dos quatro campos em Amatrice para acolher os desalojados. Estas estruturas provisórias, equipadas com cozinhas, casas de banho, camas, e todas as condições necessárias ao acolhimento de quem ficou sem casa, só puderam ser preparadas com as mãos dos voluntários, que também ficaram responsáveis pelo seu funcionamento.

A volunteer erects a tent at a temporary encampment for residents of earthquake in the central Italian village of Amatrice, on August 25, 2016, a day after a 6.2-magnitude earthquake struck the region killing some 247 people. The death toll from a powerful earthquake in central Italy was revised downwards to 241 but officials cautioned it could rise again as rescuers continued a grim search for corpses, as powerful aftershocks rocked the devastated area. / AFP / MARIO LAPORTA (Photo credit should read MARIO LAPORTA/AFP/Getty Images)

Um voluntário monta uma tenda para acolhimento de desalojados em Amatrice. Cada um dos quatro complexos montados na região tem capacidade para acolher 500 pessoas. (Imagem: MARIO LAPORTA/AFP/Getty Images)

1.200

Pessoas dormiram em tendas da Proteção Civil na primeira noite após o sismo. Estão disponíveis, no total, 3.400 lugares para acolher desalojados.

Cada um destes campos pode acolher até 500 pessoas, e tem disponíveis cuidados de enfermaria, instalações para crianças e secretariado para os desalojados poderem tratar de documentação. Dezenas de voluntários passaram o dia de quarta-feira a lutar contra o tempo. Era necessário ter um lugar para milhares de pessoas poderem dormir. Mas aconteceu. Como explica Carmine Lizza, “depois do sismo de 2009, a eficiência do sistema é maior”.

Uma cadeia humana para resgatar as vítimas

É verdade que as autoridades pedem aos voluntários que prestem, sobretudo, um apoio de retaguarda — recolha e distribuição de comida, montagem de tendas ou ajuda aos feridos –, mas o papel dos voluntários tem sido fulcral em momentos de grande necessidade, onde os bombeiros não conseguem chegar. Um dos exemplos é o de uma cadeia humana de voluntários, em Amatrice, para retirar os feridos em segurança dos escombros:

Mas também a história que está a comover Itália teve mãos voluntárias. Giorgia, uma criança de dez anos que passou mais de 17 horas debaixo dos escombros da sua casa, foi resgatada na noite de quarta-feira por um conjunto de bombeiros e voluntários. Após os cães farejadores terem apontado sinais de vida no local onde se encontrava o quarto de Giorgia, bombeiros e voluntários começaram a escavar. Nas imagens, é possível ver, lado a lado com os agentes da proteção civil, várias pessoas, com capacetes de mota, a fazer o que podem.

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Pessoas retiradas com vida dos escombros.

No momento do resgate, um dos voluntários no local garantiu à agência Ansa: “Continuaremos enquanto não tivermos encontrado todos os desaparecidos”. A motivação não se abate nem nos piores momentos. É que ao lado de Giorgia estava a sua irmã, morta, retirada já sem vida por um voluntário que apoiava os bombeiros. “Estava deitada ao lado dela. Não havia, infelizmente, nada a fazer”, disse um voluntário, emocionado.

As autoridades estão a apelar à ajuda de voluntários em várias frentes. O primeiro passo, escreve o La Repubblica, é doar sangue, ajudar as mulheres grávidas e doar dinheiro ou bens. Mas as ideias voluntárias estão a ir muito além disso. A organização Save the Children está a preparar um espaço para crianças em Amatrice, para receber as crianças desalojadas e cuidar delas num local seguro. E quem trata delas são voluntários.

Médicos e chefs. Todos ajudam

Num país conhecido pela sua gastronomia, não é de estranhar uma iniciativa voluntária da Federação Italiana de Chefs. Cozinheiros de todo o país estão a deslocar-se para os locais afetados pelo sismo. A instituição já mobilizou duas cozinhas portáteis para o local e a Presidência da República aprovou um financiamento à compra de bens alimentares, para possibilitar o fornecimento de comida gratuita a todos os desalojados.

Por seu turno, a Sociedade Italiana de Medicina Geral e Primeiros Socorros está a convocar todos os médicos que estejam disponíveis para, de forma gratuita, se dirigirem às localidades que foram destruídas pelo terramoto, para cuidar do elevado número de feridos — o último balanço falava de 365, um número que ainda não parou de subir. A organização está ainda a recolher fundos para a compra de ferramentas profissionais necessárias à ação dos médicos.

“Itália mostra ao mundo o grande coração dos voluntários”

O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, fez questão de sublinhar a importância destas pessoas. “Digo obrigado àqueles que imediatamente se mobilizaram, esta noite às 3h37. Voluntários, proteção civil. A máquina de solidariedade foi imediatamente posta a andar. Digo obrigado a todos aqueles que cavaram com as mãos”, disse Renzi, na primeira intervenção pública após o sismo. E tornou a sublinhar: “A Itália chora pelos seus cidadãos, e mostra ao mundo o grande coração dos voluntários”.

A máquina de solidariedade foi imediatamente posta a andar”, disse Matteo Renzi.

Nos próximos meses, quando deixarmos de escrever sobre o sismo, e as casas destruídas não forem transmitidas em direto para todo o mundo, ainda haverá pelo menos 2.500 pessoas sem casa. E será nessa altura, garantem as associações que coordenam os voluntários, que este trabalho será mais necessário. O CSV sublinha que “o papel dos voluntários será especialmente crucial nos próximos meses, quando o foco das atenções se desligar, e as associações precisarem de mais apoio para combater a desintegração social e ajudar as pessoas a voltar ao normal”.