Esta é uma contenda antiga, pois começou há cerca de um ano. Em cima da mesa, está determinar qual é o veículo familiar mais rápido numa volta ao circuito alemão de Nürburgring, também conhecido por Inferno Verde. E a razão deste nick name assustador prende-se não só com o facto de o traçado estar rodeado por uma floresta particularmente densa e acidentada, nas montanhas de Eifel, mas também porque as suas 154 curvas e 20,8 km de extensão foram considerados demasiados perigosos para os F1 desde 1976, ano em que Niki Lauda se despistou e incendiou, aos comandos do seu Ferrari 312T.

Ser o mais veloz no circuito alemão significa poder anunciar aos quatro ventos que se é o desportivo mais rápido do mundo – e isto é uma ferramenta de marketing de que nenhum construtor quer abrir mão. Sobretudo, porque há clientes que fazem questão de comprar apenas o melhor.

Em Setembro de 2015, a Alfa Romeo pegou na versão mais assanhada do Giulia e toca de medir meças em Nürburgring onde, é necessário lembrar, todo o fabricante que se preze tem um departamento vocacionado para o desenvolvimento de modelos desportivos, responsável pelas últimas afinações às suspensões, travões e apoio aerodinâmico dos seus veículos mais emocionantes.

E o resultado desta incursão italiana pelo Inferno Verde não podia correr melhor pois, de uma assentada, o Giulia Quadrifoglio aviou referências do segmento como o BMW M5 de 560 cv ou o Porsche Panamera Turbo S de 570 cv, ou seja, os melhores entre os automóveis que podem num momento transportar a família no maior conforto, para no instante seguinte bater-se em pista com alguns dos melhores desportivos do mercado – isto porque o Quadrifoglio superou igualmente os tempos por volta de modelos como o Ferrari F 430, só para dar um exemplo.

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Depois desta exibição da nova fera italiana na Alemanha, assim que a Porsche teve o novo Panamera Turbo em condições de rodar – ainda antes de ser apresentado à imprensa, o que levou o carro a rodar no circuito ainda camuflado –, fez questão de testá-lo em Nürburgring, para repor a verdade dos factos. Pelo menos, de acordo com a perspectiva germânica. Bateu o tempo do Giulia, mas apenas por um segundo – em 20,8 km –, o que em termos práticos se traduziu numa vitória para ambos os lados, pois se a Porsche foi mais rápida e recuperou o recorde na categoria, para a Alfa foi excelente perder somente por um segundo, com um carro que custa metade e tem menos 40 cv do que o novo Panamera Turbo. Mas o melhor é ler a história.

A vingança serve-se fria

Os homens da Alfa, que gostam tanto de perder como coisa nenhuma, decidiram regressar assim que estivessem em igualdade de condições, isto porque se inicialmente o Giulia Quadrifoglio tinha o seu motor 2.9 V6 Biturbo – concebido com uma ajuda dos técnicos da Ferrari – acoplado a uma caixa manual de seis velocidades, o Panamera Turbo apresentou-se para a batalha armado de uma caixa de dupla embraiagem com oito velocidades, associada ao 4.0 V8 Biturbo. E acreditem que ganhar uns pozinhos em cada uma das 154 curvas, graças a passagens de caixa mais rápidas, ajuda e bastante.

E eis-nos de novo em Setembro, só que 2016. Um ano mais tarde, a Alfa Romeo regressa a Nürburgring com o Giulia, agora também ele equipado com uma caixa automática de oito velocidades, embora esta unidade recorra a um conversor de binário em vez de dupla embraiagem, o que, em teoria, a pode tornar menos rápida.

Mais uma vez com o piloto Fabio Francia ao volante – sim, porque ninguém vai à retorcida pista alemã tentar fazer um bom tempo sem levar um piloto rápido e com profundos conhecimentos das trajectórias e das inúmeras ratoeiras da pista –, o Giulia Quadrifoglio estabeleceu um novo recorde. Uma volta aos 20,8 km em apenas 7 minutos e 32 segundos, nada menos do que 9 segundos melhor do que a que tinha obtido um ano antes com caixa manual, e 8 segundos melhor do que os 7:40 do Porsche Panamera Turbo.

Para além da vitória, este sucesso constitui um certificado de qualidade para a berlina familiar transalpina que, no processo, bateu por 1 segundo o Porsche 911 GT3 RS e igualou o 911 Turbo S. Mas o melhor é ver o filme:

E já agora, se é um apreciador de Nürburgring, guarde este vídeo, porque é dos melhores para decorar o traçado, seja para efeitos de cultura geral, seja para bater os amigos quando jogar na PlayStation. Entretanto, se estiver para aí virado, atente num ou noutro pormenor:

1- No segundo 59 do vídeo, Fabio Francia ataca a lomba do aeroporto a 225 km/h, conhecida por flugplatz pela tendência que os carros ali revelam para levantar a frente e, literalmente descolar, aterrando em cima do rail, que está a um metro do asfalto.

2- Aos 1:49 não perca um susto daqueles, quando o Giulia passa por cima de um corrector mais alto nos SS de fuchsröhre (toca da raposa), dando a ideia que o piloto está dentro de uma máquina de lavar roupa em pleno programa de centrifugação.

3- A descida de wehrseifen a partir dos 2:31, tão rápida quanto difícil para os travões, com três direitas muito iguais em que não se pode hesitar, sobretudo porque o rail está separado do asfalto por um metro de relva.

4- Se quer saber o que viu Niki Lauda antes do acidente que quase o vitimou em 1976, quando se despistou e o seu Ferrari pegou fogo, comece nos 3:14 e aprecie a imensa recta e a esquerda muito rápida (o Giulia fê-la a 220 km/h), na qual Lauda perdeu o controlo do seu 312 T2. O local do acidente surge aos 3:24, ainda antes da travagem para a direita fechada e longa de bergwerk (mina). E não perca a subida rapidíssima que se segue.

5- O primeiro carrossel aparece no vídeo aos 4:33. Se acha que vibra muito – e vibra mesmo – imagine o que será num carro de competição, com as suspensões muito mais duras, com grandes hipóteses de raspar no asfalto à entrada e à saída da zona interior de piso com maior inclinação lateral, se não acertar exactamente nos locais ideais.

6- A zona mais conhecida da pista, onde o público se entretém a grafitar o asfalto, aparece aos 5:36, para o primeiro salto surgir aos 5:56 e o segundo aos 6:07, sendo este bem mais arrepiante, por ser em curva e obrigar ao correcto posicionamento do carro.

7- O Giulia entra no segundo carrossel aos 6:32, imediatamente antes da série de direitas muito rápidas de galgenkopf (forca) que antecedem a maior recta do circuito. Talvez por os pneus estarem já muito quentes ou porque Francia abusou um pouco, o Quadrifoglio atravessa-se um pouco e perde velocidade. Ainda assim atinge 285 km/h, antes de ter que travar para tiergarten (jardim zoológico), mas dá a ideia que o Alfa pode ali ganhar mais um segundinho ou dois.

8- Fabio Francia cruza a linha de meta num belo slide em potência, aos 7:41 do filme (que se iniciou umas curvas antes de passar pela linha de partida), com o cronómetro a marcar 7:32, o tempo da melhor volta de sempre para uma berlina familiar.

Para não se perder, ao longo das 154 curvas do Inferno Verde, siga este mapa de Nürburgring:

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