No mundo do ministro da Economia o país está melhor: o investimento direto estrangeiro na maioria dos setores está melhor, o investimento privado está melhor, a criação de postos de trabalho também está melhor, só o investimento público está pior. Foi este o cenário traçado por Manuel Caldeira Cabral, esta quarta-feira, num debate sobre captação de investimento e crescimento económico agendado com urgência pelo PSD. A guerra dos números voltou à Assembleia da República, com a esquerda e a direita a verem duas realidades distintas. PSD e CDS continuam a ver “o diabo” nos números e Passos Coelho até se oferece para governar.

Na guerra ideológica, houve até uma troca de papéis naquilo que é o ADN da esquerda e da direita portuguesa quanto ao investimento público. A oposição a atacar a falta de investimento público e a esquerda a exaltar o crescimento do investimento privado.

Depois de o PSD ter aberto o debate a acusar a “geringonça” de “rasgar a confiança em Portugal” e não conseguir captar investimento público, o ministro da Economia pintou um cenário muito diferente e muito mais cor-de-rosa. Recorrendo a um gráfico sobre a evolução do investimento direto estrangeiro entre o primeiro trimestre de 2015 e o de 2016 defendeu um crescimento generalizado na maioria dos setores, nomeadamente um crescimento de 70% na indústria transformadora, ou um aumento de 60% no setor imobiliário.

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Só o setor das telecomunicações, disse o ministro, não registou crescimento positivo por causa “da compra da PT pela Altice” que, segundo o governante, limitou-se a comprar ativos existentes, não criando empregos nem mais capacidade produtiva. Os restantes setores, pelo contrário, são “investimentos produtivos, que criam emprego”.

Ou seja, está tudo bem. Tudo, exceto um dado: o do investimento público, que Caldeira Cabral admitiu ser o “único que baixou”. Mas com duas justificações: primeiro, que “os procedimentos concursais demoram tempo”, e, depois, que o problema “não é de agora”. Nisso, todos os partidos da esquerda concordaram, com o Bloco de Esquerda e o PCP a saírem em defesa do Governo, argumentando que o facto de o investimento público não estar a crescer é um problema que não pode ser dissociado do governo anterior e que, como disse o bloquista Heitor de Sousa, por se tratar de um indicador de conjuntura, o investimento devia ser analisado “em séries mais longas”.

O argumento, contudo, não colou à direita. O PSD fechou o debate com a artilharia pesada, com Passos Coelho a anunciar que tem uma “alternativa” e que está pronto para governar: “Estamos disponíveis, pois sabemos qual é o caminho”.

O presidente do PSD acusou o governo de não ter estratégia para a economia e defendeu que o país precisa de “exportar mais e atrair mais investimento direto externo”, mas isso “implica estratégia”. E questionou. “Qual é a estratégia do governo?” Em contraponto, o líder social-democrata garante que o PSD e o CDS tinham “uma [estratégia] no Governo: a economia estava a crescer e o investimento a aumentar”, um jeito que Passos acredita não ter perdido: “Captar investimento externo, colocar a economia a crescer e a gerar emprego? Nós sabemos fazê-lo. O PSD sabe fazê-lo.

Passos anunciou ainda o fim do estado de graça do governo. Para o líder do PSD “no período a seguir às eleições teria pouca relevância se as coisas corriam melhor ou pior, mas ao fim de 10 meses o Governo não pode dizer que não preparámos o investimento”.

A variável que Passos diz ser o fator de “maior fraqueza” é mesmo a do investimento. “Não vale a pena usar malabarismos, o último relatório do Conselho de Finanças Públicas diz que a propósito das contas nacionais reportadas ao primeiro semestre deste ano o investimento registou uma diminuição homóloga mais acentuada, o que prova que essa é uma das maiores fraquezas do Governo.” Passos regista, porém, um aspeto positivo na política do Governo: querer cumprir as metas do défice. Aplaude o fim, mas discorda dos meios — nos quais inclui uma poupança cega no investimento público (“se for preciso não gastar nada, o Governo não gastará nada até ao final do ano para cumprir a meta“).

Mas o ministro da Economia não desistiu de desmontar os argumentos da oposição. Em particular, o argumento de que a quebra do investimento está associada à falta de confiança no Governo. Isto porque, adverte Caldeira Cabral, os deputados da oposição “dizem que o investimento caiu por falta de confiança dos agentes privados no Governo” mas ao mesmo tempo “reconhecem que o crescimento privado não caiu e que o que caiu foi o crescimento público”. Ora, Caldeira Cabral diz não haver lógica nesta argumentação: “Não é a certamente a falta de confiança do privado que faz cair o investimento público”.

O ministro rejeitou ainda o argumento da falta de confiança dos privados, apresentando como prova o facto de a contratação nas empresas ter aumentado, com a criação de “89 mil postos de trabalho” – o que acredita ser sinónimo de que as empresas têm confiança no Governo e de que as coisas vão melhorar.

Outra estratégia do PS na guerra dos números foi colar o PSD ao pessimismo, ao aproveitar uma metáfora de Passos Coelho (usada num Conselho Nacional do PSD antes do verão) para atacar a oposição. O líder do PSD tinha dito “vem aí o diabo…”, numa referência àquilo que acreditava ser o falhanço das metas estabelecidas pelo Governo. Agora, o deputado socialista Carlos Pereira contou a história da festa de S. Bartolomeu, em Mondim de Basto, onde o diabo só é solto uma vez por ano, a 24 de agosto. O socialista acrescentou então que o “ainda presidente do PSD” faz precisamente o contrário já “que todas as semanas traça um cenário diabólico”, tal como a restante bancada do PSD que é uma “central de anúncios de horrores, colocando a sociedade portuguesa em contínuo sobressalto”.