O ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Frank Walter Steinmeier, está esta quinta-feira a Lisboa de forma discreta para se encontrar com António Guterres, secretário-geral eleito das Nações Unidas, para lhe transmitir o apoio da Alemanha na liderança da ONU — depois de ter ajudado a candidatura de última hora de Kristalina Georgieva, apurou o Observador junto de duas fontes com conhecimento da visita.

O chefe da diplomacia alemã não tinha outra agenda para além deste encontro e não fez qualquer anúncio público da visita. A passagem de Steinmeier por Lisboa calhou num dia em que o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva está fora do país para participar na Cimeira Ibero-Americana. Segundo uma fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros, “a visita foi previamente articulada com o MNE português, que só não participa no encontro por se encontrar na Colômbia”.

Segundo fonte da embaixada alemã em Lisboa, o encontro acontece para transmitir a António Guterres que “pode contar com o apoio da Alemanha” durante o seu mandato como secretário-geral das Nações, cargo que irá desempenhar a partir de janeiro. A intenção da diplomacia alemã é garantir ao novo secretário-geral das Nações Unidas que vai poder continuar a contar com a Alemanha como um parceiro forte das Nações Unidas, lembrando até o trabalho que em conjunto entre os dois quando António Guterres liderava o alto-comissariado para os refugiados.

A garantia é especialmente relevante tendo em conta a postura da Alemanha na corrida à liderança das Nações Unidas. Sem candidato próprio e depois de várias votações que António Guterres venceu com distinção, Berlim terá apoiado a candidatura de última hora da búlgara Kristalina Georgieva.

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A comissária europeia entrou na corrida com o apoio de Angela Merkel, que queria uma mulher na frente das Nações Unidas mas não quis apoiar as que já lá estavam – entre elas outra búlgara, Irina Bokova -, e com críticas a António Guterres. A atual comissária europeia para o Orçamento e Recursos Humanos entrou na corrida com uma licença sem vencimento da Comissão.

No entanto, o plano falhou. Kristalina Georgieva chegou à votação de dia 5 de outubro, a última votação, sem nunca ter enfrentado os 15 representantes do Conselho de Segurança, e acabou por receber oito votos de desencorajamento. Bastava que recebesse um de um dos cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança para ser afastada da corrida, mas acabou com o terceiro pior resultado entre dez candidatos, pior até que a outra búlgara, Irina Bokova, que é diretora-geral da UNESCO.

António Guterres venceu a votação, como havia vencido as outras cinco, e foi eleito por aclamação no dia seguinte por todos os membros do Conselho de Segurança da ONU.

Nem todos os fogos são apagados

Se a preocupação de garantir que a relação com o próximo secretário-geral das Nações Unidas não saia beliscada da campanha era uma preocupação para o chefe da diplomacia alemã, a mais recente polémica com o ministro das Finanças alemão não terá sido uma questão a ter em conta nesta passagem por território português.

Aos que o Observador apurou, o governante não teve reuniões com governantes portugueses durante esta curta visita – sai de Portugal ainda hoje -, apenas um dia depois de Wolfgang Schäuble ter dito que Portugal estava no bom caminho, até o Governo de António Costa entrar em funções:

Portugal estava a ser muito bem-sucedido até entrar um novo Governo, depois das eleições […], declarar que não iria respeitar o que os compromissos com que o anterior Governo se comprometeu”, disse o governante, respondendo a questões dos jornalistas em inglês, numa conferência em Bucareste, citado pela agência Bloomberg.

No final de junho o governante criou um incidente diplomático quando colocou a hipótese de Portugal ter de pedir um novo resgate, que seria o quarto, caso não cumprisse as regras. Na versão original, em alemão, e de acordo com os jornalistas presentes, o ministro não terá dito a frase no condicional, tendo dito que Portugal havia pedido um novo resgate.

Na altura, ao Observador, o porta-voz de Wolfgang Schäuble garantia que o ministro disse sempre que Portugal teria de pedir um novo resgate, não que o pediu, e apenas caso não cumprisse as regras orçamentais.

Portugal estaria a cometer um erro enorme, se não cumprirem com os compromissos que assumiram. Portugal teria então de pedir um novo resgate. Os portugueses não querem um novo programa e eles também não precisam se cumprirem com as regras europeias”. Esta terá sido a declaração de Wolfgang Schäuble, de acordo com o seu porta-voz, numa conferência em Berlim em que participava também o ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo.

A confusão gerou-se quando um primeiro título da agência Bloomberg – e mais alguns órgãos de comunicação social internacionais – noticiaram declarações do controverso ministro alemão a dar conta que Portugal tinha pedido “um novo resgate e irá tê-lo”.

As declarações levaram a protestos do Governo português, que apresentou um protesto formal em Berlim através do seu embaixador, e em Lisboa convocou de imediato o embaixador alemão para pedir explicações. Desta vez, o embaixador alemão não foi chamado às Necessidades: “O MNE não crê que seja necessário realizar qualquer diligência diplomática”.