Foram meses de impasse e de polémica mas a gota de água foi a aprovação, na quinta-feira, no Parlamento, de uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado que reforçava legalmente a obrigação dos gestores da Caixa Geral de Depósitos de declararem os rendimentos ao Tribunal Constitucional. A iniciativa foi do PSD, mas só foi aprovada porque, além do CDS, também o Bloco de Esquerda votou a favor. António Domingues ter-se-á sentido “ofendido” com a lei feita à sua medida e apresentou a demissão. Agora, o Bloco de Esquerda, que lançou a última pedra, diz que “demissão peca por tardia” porque “quem não reconhece a lei não serve” para o banco público.
“A demissão de António Domingues da presidência da administração da Caixa Geral de Depósitos já só peca por tardia. O inexplicável arrastamento deste processo ao longo de três meses foi prova de uma irresponsabilidade que agora se encerra”, disse a deputada bloquista Mariana Mortágua numa declaração feita esta noite na sede do BE, em Lisboa.
Na opinião da deputada bloquista, “quem não reconhece a lei não serve para a Caixa Geral de Depósitos”, defendendo que “quem se demite por não estar disposto às regras de transparência a que o cargo obriga, nunca esteve à altura de assumir esse cargo”.
“António Domingues ouviu a palavra do PR que defendeu a entrega, ouviu a palavra do primeiro-ministro, ouviu o Parlamento, onde todos os partidos defenderam o mesmo, ouviu o Tribunal Constitucional, que deixou bem claras as obrigações de transparência” e mesmo assim não procedeu à entrega junto dos juízes. Foi por isso que, explicou a deputada, o Bloco de Esquerda votou a favor da proposta de alteração à lei do PSD de reforçar a obrigação.
“Como reafirmamos na semana passada, o BE terá sempre um voto favorável a qualquer mecanismo que reforce interpretações ambíguas da lei sobre a transparência da Caixa e de qualquer empresa pública”, disse.
Questionada pelos jornalistas sobre se Mário Centeno deveria apresentar a demissão do cargo de ministro das Finanças, Mariana Mortágua escusou-se a responder diretamente, dizendo apenas que, para o BE, “o importante é que este processo seja terminado o mais rapidamente possível, que a nova administração possa tomar posse, que o processo de recapitalização se conclua e que a Caixa continue a desempenhar aquele que é o seu papel na economia portuguesa”.
“O que é importante é que todo esse processo se encerre muito rapidamente e que a Caixa possa finalmente cumprir o seu desígnio de ajuda à economia portuguesa”, respondeu.
PCP critica “opções erradas do Governo”
O PCP, que reagiu antes na sede do partido, considera que houve “opções erradas do Governo” na gestão do processo da Caixa Geral de Depósitos ao longo dos últimos meses, nomeadamente pelo arrastar do impasse sobre a obrigatoriedade de os gestores entregarem declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional, mas aponta baterias ao PSD. É que foi depois da aprovação, no Parlamento, de uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado do PSD, que contou com os votos não só do CDS como também do Bloco de Esquerda, que António Domingues se sentiu impelido a deitar a toalha ao chão.
“Esta demissão do presidente da CGD é resultado decorrente de opções erradas do Governo que, ao longo destas últimas semanas, meses, foram sendo aproveitadas para uma ação determinada por parte de PSD e CDS, particularmente do PSD, para vir a criar dificuldades à CGD, no sentido de vir a criar condições para a sua privatização”, disse este domingo o dirigente comunista Jorge Pires, na sede do PCP em Lisboa, lamentando os “falsos argumentos” de sociais-democratas.
Para o PCP, que foi o primeiro partido a reagir à demissão de António Domingues, foi o “episódio da última quinta-feira” que deu “argumento para que o Presidente da Caixa viesse a apresentar o seu pedido de demissão”. Na quinta-feira, no âmbito da discussão das propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2017, PSD, CDS e BE aprovaram uma proposta dos sociais-democratas para obrigar os gestores da Caixa a entregar as declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional já a 1 de janeiro, independentemente do que o TC viesse a decidir sobre o assunto.
A lei em vigor, segundo o PCP, já obriga os gestores a declarar os rendimentos, pelo que “foi uma decisão inútil e mais um argumento para que o Presidente da CGD apresentasse o seu pedido de demissão”. O dirigente comunista vê neste gesto um “falso argumento” do PSD para “esconder o seu verdadeiro objetivo”, que seria criar problemas à Caixa para, no limite, “privatizar” o banco.
Falando aos jornalistas na Soeiro Pereira Gomes, Jorge Pires criticou o facto de o Governo ter permitido que o processo se arrastasse tanto tempo. “O que lhes devia ter sido dito desde o início era que deviam ter apresentado a sua declaração de rendimentos”, o que não acabou por acontecer, e o impasse arrastou-se durante mais de dois meses. “Fomos apontando críticas não só pelo tempo que demorou como pelas escolhas que fizeram”, disse, lembrando o caso dos salários e a escolha de alguns gestores.
Para o PCP, o importante agora é “pôr a Caixa a funcionar em condições, para conseguir emprestar dinheiro às empresas, ajudar as famílias e ajudar economia a funcionar, essa é a missão da Caixa enquanto banco público”.
À direita, o CDS já disse que reagiria segunda-feira de manhã e, do lado do PSD ainda se aguarda uma “explicação do Governo”.
Arménio Carlos: Governo e Administração saem “chamuscados” desta novela
O secretário-geral da CGTP-IN não ficou surpreendido com a demissão do presidente da Caixa Geral de Depósitos e considerou que esta “novela”, da qual todos saem com a “imagem chamuscada”, já devia ter terminado há muito tempo.
“Esta é uma novela que já devia ter terminado há muito tempo e, portanto, a partir deste momento, com a demissão do dr. António Domingues, esperamos sinceramente que possamos passar uma nova fase e neste caso concreto encontrar um novo conselho de administração que seja mais diminuto, seja mais reduzido, cujos salários sejam mais baixos e, acima de tudo, tenha uma visão estratégica de gestão da Caixa Geral de Depósitos diferente daquela que é feita no setor privado”, afirmou à agência Lusa Arménio Carlos, responsável da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses Intersindical (CGTP-IN).
Para Arménio Carlos, é necessário colocar a Caixa “ao serviço do desenvolvimento do país e, simultaneamente, para dar respostas à economia, às empresas, aos trabalhadores e à população”. “É isso que se pretende, é isso que se exige, é isso que se justifica agora mais do que nunca”, defendeu o secretário-geral da CGTP.
Questionado sobre quem sai mal desta “novela”, Arménio Carlos começou por referir “a administração da Caixa Geral de Depósitos ou, pelo menos, o presidente que agora pediu a demissão” que “já podia ter resolvido este problema há muito tempo”. “Se não estava interessado, pura e simplesmente já podia ter apresentado a demissão há mais tempo”, declarou Arménio Carlos que apontou, ainda, o Governo, do PS, pois “permitiu que este processo se desenrolasse até hoje e já passaram muitas semanas”.
O líder da intersindical referiu ainda que esta situação “só prejudicou a Caixa Geral de Depósitos, a sua imagem e, acima de tudo, a sua capacidade de intervir em tempo oportuno para responder aos problemas do país”. “Os intervenientes – Governo, administração e presidente da Caixa Geral de Depósitos – todos eles saem com uma imagem chamuscada, diria mesmo que todos eles acabam por ser marcados por essa imagem negativa”, acrescentou.
UGT: responsabilidade é da Administração, mas Governo tem de agir rápido
O secretário-geral da UGT, Carlos Silva, defendeu que o Governo deve ser célere na nomeação de uma nova administração para a Caixa Geral de Depósitos, na sequência da demissão do presidente do conselho de administração. “Esta é uma responsabilidade, acima de tudo, do dr. António Domingues e dos elementos que estavam nomeados para a administração, mas caberá ao Governo, também no princípio da boa-fé, atuar já com toda a celeridade no sentido de tapar este buraco”, afirmou à agência Lusa Carlos Silva.
O secretário-geral da UGT insistiu “há que dar corpo a uma nova nomeação, a uma nova administração para que resolva os problemas da Caixa Geral de Depósitos tão rápido quanto possível”, sobretudo quando o Governo, do PS, foi autorizado por Bruxelas “a fazer a recapitalização da Caixa sem que isso entre para as contas do défice”, que classificou como “uma mais-valia para o país”. “Eu acho que, naturalmente, este brilhantismo de atuação do Governo neste capítulo não pode sair prejudicado com esta atuação um pouco desastrada em relação à matéria que teve a ver com a apresentação ou não de declarações de rendimento”, adiantou.
Carlos Silva criticou ainda esta “novela”, considerando que “se arrastou demasiado tempo quando todos em Portugal sabem que em democracia ninguém está acima da lei e o dr. António Domingues também sabia que não estava acima da lei”. Para o sindicalista, o presidente demissionário do banco público “deveria ter cumprido com transparência e com rigor aquilo de que já estava informado em termos de pressão mediática, quer do próprio Presidente da República, quer do próprio Governo, quer do próprio Tribunal Constitucional”.
“Bem necessita o país que de que o sistema financeiro estabilize e essa estabilidade, com esta situação da Caixa, não ajudou nada, não ajudou a instituição, não ajudou o país e também não ajudou, sobretudo, os trabalhadores”, referiu Carlos Silva, argumentando que estes, “com esta convulsão, acabam por se ver numa situação difícil em termos internos da própria estabilidade numa eventual reestruturação que estava em cima da mesa”.
Já o presidente do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, Rui Riso, afirmou que a demissão de António Domingues é um revés no processo de recapitalização da caixa. “É um revés no processo de capitalização, no processo de funcionamento da Caixa”, disse à agência Lusa o presidente do sindicato, afeto à UGT.
“Anda toda a gente à espera que se encontre uma solução para a Caixa e a solução estaria encontrada, e haver uma demissão da pessoa que lidera o projeto obviamente não é bom”, continuou Rui Riso, também secretário-geral da Federação dos Sindicatos do Setor Financeiro, considerando existir “uma grande pressão sobre aquilo que se está a passar na Caixa, sabe-se lá se para não correr bem”. Admitindo que este processo “possa ter sido menos bem conduzido”, o sindicalista declarou haver “uma série de pressões para que isto não corra bem”, expresssando o desejo de conhecer as explicações que determinaram a demissão de António Domingues.
Comissão de Trabalhadores não quer vazio no banco
O coordenador da Comissão de Trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos afirma que não pode haver um vazio no banco e pediu que seja encontrada rapidamente uma solução após a demissão do presidente do conselho de administração. “Obviamente, estávamos com esperança de que o dr. António Domingues pudesse levar a cabo esta tarefa. Entendemos também que temos de ter um conselho de administração, que não pode haver um vazio na Caixa e que é fundamental que a tutela delibere rapidamente uma solução para este tipo de problema”, afirmou à agência Lusa Jorge Canadelo.
“Entendemos que a decisão de nomear administradores para a Caixa cabe à tutela, assim como os esclarecimentos relativos sobre qual é o critério e porquê a nomeação desses administradores”, referiu o coordenador da Comissão de Trabalhadores, garantindo que quando tiver oportunidade irá inquirir o ministério das Finanças sobre esta matéria.
A este propósito, Jorge Canadelo relembrou que “há mais de três meses que a Comissão de Trabalhadores solicitou ao gabinete do sr. primeiro-ministro e à tutela da Caixa Geral de Depósitos – Ministério das Finanças – reuniões para que os trabalhadores dessem a sua opinião acerca desta matéria, situações que não ocorreram e não por culpa” da comissão.
À pergunta sobre se ficou surpreendido com a demissão de António Domingues, o dirigente considerou que “muitas situações que têm sido criadas, nomeadamente este mediatismo é negativo não apenas para a Caixa, mas certamente atinge todos os seus oponentes”. “E tem sido uma situação que praticamente todos os dias cai em cima da Caixa Geral de Depósitos. Há situações que se passam no setor bancário e noutras áreas de atividade que eu não vejo retratadas desta maneira”, apontou.
Para Jorge Canadelo, “realmente há uma pressão tão grande que é possível que a pessoa se tenha sentido, de alguma forma, incomodada ou que tenha atingido o seu limite”, mas isso só António Domingues “poderá dizer”. “O nosso entendimento é que para nós é importante ter uma administração que leve para a frente os planos que tenham o objetivo de fortalecer a Caixa e beneficiar o país e todos os cidadãos”, acrescentou Jorge Jorge Canadelo.
Segundo o coordenador, a Comissão de Trabalhadores “sempre defendeu” que o essencial é “a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, de modo ao seu fortalecimento, a sua reestruturação no sentido de melhorar a sua eficácia e eficiência, de fazer com que os seus trabalhadores sejam racionalmente aproveitados e que desempenhem a tarefa, não apenas de um banco que é referência no setor bancário, mas também de um banco que é fundamental para o crescimento económico e para o suporte à economia nacional”.