Raghad é a filha mais velha de Saddam Hussein e não dava uma entrevista desde que o pai foi enforcado, há quase dez anos. Agora falou à CNN — ao telefone, desde Amã, na Jordânia — com declarações em que culpa os Estados Unidos pela situação no Iraque e diz ter esperança em Donald Trump, que acredita ter mais “sensibilidade política” que os seus antecessores, Barack Obama e George W. Bush.

A filha de Saddam estava em frente à televisão em Amã (Jordânia) a 30 de dezembro de 2016, com a irmã e os filhos a aguardar o momento em que o pai seria enforcado. Agora, confessa à CNN que chorou enquanto homens encapuçados levavam para a forca o ditador que governou o Iraque entre 1979 até à invasão dos Estados Unidos em 2003. A televisão iraquiana cortou a emissão, mas um vídeo amador, que Raghad nunca viu (“recuso-me a vê-lo“, disse à CNN), captou os momentos em que Saddam se mostrou desafiador até ao fim e terá saltado antes do alçapão se abrir. Enforcou-se, antes que o enforcassem.

De Amã, onde está asilada desde 2003, Raghad diz que a morte do pai foi “feia e dolorosa”, mas “honrosa”. Hoje, conta que foi “uma morte que me deixou orgulhosa a mim, aos meus filhos, às minhas irmãs e aos meus sobrinhos, a todos aqueles que o amam e têm um lugar para no seu coração. ”

Raghad é crítica do presidente dos EUA que ordenou a invasão do Iraque, George W. Bush, e, também, de forma implícita de Barack Obama. A esperança é Donald Trump.

Este homem acabou de chegar à liderança … mas, aparentemente tem um alto nível de sensibilidade política, muito diferente da sensibilidade dos que o precederam,” disse à CNN.

A filha de Saddam, destaca ainda que Trump “expôs os erros dos outros, especificamente no Iraque, o que significa que ele está muito consciente dos erros cometidos no Iraque e com o que aconteceu com meu pai.” Não foi bem assim. Como lembra a CNN, durante a campanha presidencial Trump disse, de facto, que era contra a guerra no Iraque, mas deu entrevistas onde disse ser favorável à invasão (antes e depois da guerra) e chegou a elogiar a eficiência do assassinato de Saddam Hussein.

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Raghad já foi acusada pelo governo iraquiano de ter ligações ao Estado Islâmico, o que nega em entrevista à CNN, destacando que “a ideologia da família não tem qualquer semelhança com a destes grupos extremistas”e e a “prova disso é que eles se tornaram mais poderosos depois de deixarmos de liderar o país.

A filha de Saddam lembra que a regra do pai era a “estabilidade” e que se o ditador iraquiano ainda fosse vivo, o Estado Islâmico não tinha conseguido ganhar a força que tem. Dois dos filhos de Saddam e irmãos de Raghad (Uday e Qusay) acabaram por morrer em confrontos com as tropas norte-americanas em 2003, durante a invasão.

Raghad não se importa que as pessoas qualifiquem o pai como “ditador”, mas destaca, nas mesmas declarações à CNN, que ele foi um “herói, corajoso, nacionalista e um símbolo para milhões de pessoas.” A filha admite a existência de “brutalidade” no regime do pai, que condena, mas lembra que “o Iraque é um país difícil de governar.” Disse ainda que o pai nunca deixou as mulheres da família entrarem nas discussões importantes e que não teve consciência dos massacres ordenados por ele. “Passava o tempo a estudar”, conta.

Raghad, hoje com 48 anos, casou aos 15 com Hussein Kamel, um oficial militar de alta patente que supervisionou o programa de mísseis, o programa nuclear e, consequentemente, as armas químicas e biológicas do Iraque. A sua irmã, Rana, casou com um irmão de Kamel, que também era alto funcionário do Estado de Saddam, mas desertaram com as mulheres ainda em 1995, para Amã. Um ano depois, Saddam disse aos genros para voltarem ao país que seriam perdoados. Assim que chegaram ao Iraque, ordenou-lhes que se divorciassem das filhas e mandou-os executar três dias depois.

A última vez que Raghad esteve com o pai foi num encontro de família, dias antes da invasão, em que Saddam pediu aos familiares para terem força e para se prepararem para ver as suas casas bombardeadas. Pouco tempo após as primeiras bombas caírem, a filha de Saddam fugiu para a Jordânia. Hoje tem uma vida confortável neste país e passa o tempo com os filhos. Gostava de voltar ao Iraque, mas quando o “ódio” não tomar conta do país e estiver pacificado. Isso é possível? “A guerra não é infinita. Há esperança”, diz Raghad.