No último debate televisivo antes da segunda volta das primárias do PS francês, Manuel Valls e Benoît Hamon vincaram diferenças naquela que é uma das principais bandeiras de Hamon nesta corrida: a criação de um subsídio para todos os franceses. Valls alerta para o risco de se estarem a criar “ilusões” nos eleitores e o seu rival nestas primárias garante que a aplicação da medida seria gradual, limitando o seu raio de alcance numa primeira fase.

A ideia de Hamon passa por criar um subsídio universal, de cerca de 750 euros, financiado por impostos sobre as grande fortunas. Mas no debate transmitido na noite de quarta-feira na televisão francesa, o candidato à liderança socialista que vem da ala esquerda já lhe colocou alguns limites. O subsídio que propõe seria, num primeiro momento, apenas reservado aos mais jovens e exigiria um esforço orçamental na ordem dos 45 milhões de euros no primeiro ano de aplicação. Com isto, Hamon pretende contrariar os críticos que garantem que os custos anuais da medida ascenderiam a 400 mil milhões de euros anuais.

“Não devemos criar ilusões“, disse Valls sobre a medida-bandeira do seu adversário socialista e considerou que o que está em causa nas eleições em que os dois querem representar o PS francês não é “realizar os sonhos das pessoas, mas ser credível”. A resposta de Benoît Hamon não se fez esperar com o socialista a acusar Manuel Valls de ter “ajudado a financiar os sonhos dos que já tinham muito“.

Nas questões económicas é grande o fosso entre os dois ex-colegas de Governo — Hamon chegou a ser ministro da Educação do Governo chefiado por Valls, de onde saiu em divergência com as políticas económicas. E a medida do subsídio universal é um bom exemplo disso, com o antigo primeiro-ministro francês a alertar para a elevada despesa do país, ainda que admita “aceitar certas despesas porque há que proteger os cidadãos, cuidar deles e educá-los. Mas há um problema de credibilidade”. E é aqui que ataca a linha de Hamon que acusa de estar a criar “ilusões”, com uma medida que Valls considera ter insuportável para os cofres públicos, com implicações diretas sobre o aumento da dívida do país.

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Do lado oposto está Hamon que considera que França deve deixar para trás “o dogma do défice público de 3%”, exigido aos estados-membro da União Europeia, de acordo com o Pacto de Estabilidade e Crescimento. “Temos de desistir rapidamente da austeridade“. Para Hamon , a linha económica passa pela valorização de um estilo de vida com menos horas de trabalho semanais (32 horas) e de um país não tão centrado no crescimento da economia mas sim nas questões ambientais, defendendo, por tudo isto, a renegociação da dívida. “Podemos negociar com banqueiros, mas não podemos negociar com a natureza”, disse para logo a seguir rematar a ideia: “A nossa dívida de hoje não é financeira, é ambiental”.

O debate, que teve a atenção de 5,5 milhões de telespetadores, também permitiu traçar as diferenças entre os dois candidatos ao PS francês em matéria de costumes. A laicidade do regime é tema sempre quente em França e Valls aproveitou-o para atirar a Hamon a acusação de defender a subjugação das mulheres aos homens ao opor-se à abolição do uso do véu em França. Hamon defendeu-se dizendo que, em 2010 (altura em que a lei foi a votos) não era membro do Parlamento. E atirou a Valls o apoio dado a quem esteve pela proibição dos burkinis (uma decisão tomada por algumas autoridades locais em França no último verão), que foi entretanto julgada inconstitucional em França.

O debate teve ainda um momento caricato que rapidamente centrou comentários, sobretudo nas redes sociais. Os dois candidatos foram questionados sobre os seus conhecimentos da língua inglesa. Hamon disse que falava inglês fluentemente, mas Valls disse que o seu era “muito mau. Mas falo bem espanhol”.