O mundo é redondo e achatado nos polos — e a política francesa agora segue esses princípios.

Depois de ter vencido as eleições primárias à esquerda este domingo, Benoît Hamon aproxima o PS do polo esquerdo da política francesa com propostas que muitos acusam de ser populistas. “Hoje, a esquerda ergue a cabeça”, disse no seu discurso de vitória. Apesar do desvio à esquerda, o agora candidato dos socialistas pode roubar votos à extrema-esquerda, ou até aliar-se a ela. E, depois, porque o mundo é redondo e a política francesa cada vez mais, tentará de caminho apanhar outros tantos na extrema-direita, junto daqueles que em tempos votaram PS.

Cabe agora a Benoît Hamon dar a volta ao mundo, qual Fernão Magalhães, mas desta vez de polo a polo. A primeira viagem que se propõem fazer foi à sua esquerda, dizendo claramente a quem se dirigia, no seu discurso de vitória: Yannick Jadot, candidato presidencial d’Os Verdes, e Jean-Luc Mélenchon, do Partido de Esquerda. “Amanhã começo por juntar todos os socialistas, porque são a minha família política. Também será necessário juntar toda a esquerda e os ecologistas, porque mesmo que existam diferenças, as forças do progresso não perdem nada em falar umas com as outras”, disse-lhes. Com eles, diz querer construir “uma maioria governamental coerente e duradoura”, que favoreça o “progresso social, ecológico e democrático”.

Para Hamon, olhar para o polo achatado da esquerda, com Jean-Luc Mélenchon e Yannick Jadot, e encontrar pontos de concordância não será tão difícil como seria para Manuel Valls, ex-primeiro-ministro, candidato derrotado este domingo e também aquele que alinhava mais à direita no rol inicial de sete aspirantes. Ainda assim, não é claro que futuro é que esta potencial aliança terá, nem sob que forma é que ela surgirá. Quem estará disposto a assumir que “amigo não empata amigo”? Não é líquido que Hamon seja o mais forte dos três — há sondagens que colocam Jean-Luc Mélenchon, que já tinha concorrido às presidenciais de 2012, à sua frente.

Mais difícil será a volta para chegar ao outro polo achatado deste mundo redondo — a extrema-direita de Marine Le Pen. Foi para lá que muitos eleitores socialistas — grande parte da classe trabalhadora e do Norte do país, onde está o grosso da indústria gaulesa — se mudaram, descontentes com a esquerda socialista. Aqui há um nome a apontar: o Presidente socialista, François Hollande. Ou, de outra forma, um Presidente tem hoje uma taxa de aprovação de 4%, uma nota baixa o suficiente para ter sido primeiro inquilino do Eliseu a abdicar de concorrer a um segundo mandato.

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Para esse eleitorado, Hamon fala em “pleno emprego”, em cobrar impostos sobre robôs e na penalização de empresas que apostem na automatização em detrimento da manutenção de postos de trabalho. Além disso, para fazer face aos empregos que irão inevitavelmente desaparecer, e assim garantir uma fonte de rendimento estável, Hamon fez uma das propostas mais sonantes (e “irrealista”, atirou-lhe Valls no último debate) da campanha: a criação de um rendimento universal de 750 euros para todos os franceses maiores de idade.

Mas esta circum-navegação de Hamon está longe de ser uma manobra fácil — antes pelo contrário. O crescimento dos sentimentos anti-europeus, contra a imigração e refugiados e também islamófobos fortalecem a Frente Nacional de Marine Le Pen e não o PS de Hamon, que terá dificuldades em apelar ao eleitorado que hoje não quer abrir fronteiras, mas sim fechá-las.

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Manuel Valls, derrotado deste domingo, falou em “germes da decomposição política” e disse que eles estão “tanto na esquerda como na direita”

Além disso, com Hamon e sem Valls — que não deixou claro se vai apoiar de forma ativa o candidato socialista nas eleições presidenciais —, o partido socialista francês terá dificuldades em apelar ao eleitorado do centro. É aqui que Emmanuel Macron, candidato independente e também ele um ex-ministro durante a presidência de François Hollande, se move com maior facilidade — sobretudo agora que Hamon mudou a gravidade do PS para a esquerda.

Valls, cujo discurso de derrota foi interrompido pelo de Hamon, falou de “germes” na política, sem exceção de quadrante político. “Os germes da decomposição política estão bem presentes, tanto na esquerda como na direita”, disse. “Há que ser fortes, sólidos, dar provas de sangue-frio.”

Será preciso tudo isso — e um pouco mais — para o PS não perder a importância política que as sondagens dizem que lhe está a fugir das mãos. Numa sondagem publicada este domingo no Le Figaro, Hamon aparecia em quarto lugar da primeira volta, com apenas 15% dos votos — uma queda vertiginosa do resultado obtido por François Hollande em 2012, que venceu a primeira volta, com 28,6%. Nesta sondagem da Kantar Sofres-One Point, Marine Le Pen aparece como vencedora da primeira volta com 25%. Depois, seguem-se François Fillon com 22% e Emmanuel Macron com 21%.

Nos cenários possíveis para uma segunda volta, Marine Le Pen perde contra todos. Isto é, perde contra Fillon (60-40) e contra Macron (65-35). Para já, a sondagem da Kantar Sofres-One Point não chega sequer a considerar Hamon como possível candidato à segunda volta. Ganhar esse estatuto — não só entre as empresas de sondagens, mas sobretudo entre os cidadãos franceses — será uma das tarefas hercúleas do homem que aos 49 anos será o candidato socialista ao Eliseu.