Permitam-me começar este artigo com uma nota pessoal. Passei boa parte da infância — as saudosas férias grandes — a ver o meu avô matar diversos animais. Coelhos, por exemplo, com golpes certeiros no cachaço. O ato nunca me perturbou: no dia da matança ia com ele buscá-los, brincava com os bichos no pátio da casa, dando-lhes cenouras e festas, e entregava-os de bom grado à medida que ele lhes aplicava o calduço letal. Naquela casa os animais criavam-se para serem comidos: era tão natural celebrar-se o nascimento de uma ninhada de bezerros como a morte ruidosa de um porco. Também vi algumas galinhas a correr sem cabeça — e quando contava isto aos meus amigos de Lisboa eles achavam que estava a mentir. Não estava.
Devo ter comido a minha primeira cabidela por volta dos três anos. Durante a escola primária, sempre que levava língua de vitela estufada ou arroz de miúdos no thermos devorava-os com tal avidez que passava a primeira meia hora do intervalo de almoço a brincar sozinho. Fui cliente assíduo, enquanto existiu, de um minúsculo restaurante em Carnide chamado Naco na Pedra, onde se escolhia a carne da montra, como no talho, ao corte e ao peso. Por defeito, os bifes rondavam os 200 gramas, mas eu pedia de 350. Nunca do lombo: preferi sempre o sabor à tenrura.
Assim, e como devem calcular, durante largos anos evitei entrar em restaurantes vegetarianos. Pior: olhava para eles com muito desdém. Em 2009 fui pela primeira vez ao Jardim dos Sentidos (Rua da Mãe d’Água, 3. 21 342 3670), onde agora almoço com alguma frequência. E não é que o tenha feito de ânimo leve, mas era o aniversário de uma colega e decidi alinhar na aventura. Resultado: passei a refeição inteira a comer bolas de arroz fritas. O acompanhamento? Arroz. Tudo o resto me parecia ou soava, pela descrição, intragável. Nessa altura, achava que seitan saberia sempre a esponja de banho, que tofu era um pudim fora do seu habitat e que as cozinhas dos vegetarianos tinham um prazer mórbido em destruir os legumes cozendo-os para lá do razoável.
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Hoje sou capaz de reconhecer sem qualquer pudor que não passava de um idiota preconceituoso. A cozinha do Jardim dos Sentidos é boa e variada — e é provável que já o fosse nessa altura. Todos os dias há propostas diferentes ao almoço, que podem ser consultadas na respetiva página de Facebook. O preço do buffet ao almoço é generoso: 8,90€, com direito a chá. À carta também não faltam opções interessantes, entre saladas coloridas e completas, chili mexicano, caril tailandês ou cuscuz marroquino. E sim, este jardim inclui um pequeno jardim, nas traseiras, que tem uma zona coberta.
A primeira vez que fui ao Psi (Alameda Santo António dos Capuchos. 21 359 0573) também entrei desconfiado. Mas saí rendido. O espaço, pende para o bucólico — é uma espécie de tenda arredondada com um bonito jardim à volta, ao que consta inaugurado pelo Dalai Lama — e, quando assim é, nem sempre a comida acompanha as vistas. Aqui, pelo contrário, talvez supere: o falafel em wrap, opção frequente ao almoço, é mais e melhor almôndega que certas almôndegas, rico em sabor e texturas, com ótimos acompanhamentos. Os pratos de tofu também merecem atenção: seja braseado à moda coreana, bem picante, salteado com manga, bróculos e molho de amendoim ou em caril. O menu semanal custa entre 10,90€ e 11,90€, com direito a sopa e bebida — não se serve álcool, que isso vai contra os princípios da casa, mas a limonada com gengibre, erva-príncipe, raiz de açafrão e mel é melhor que certos vinhos reputados.
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Em meados do ano passado, provei alguns pratos vegan do Ao 26 (Rua Vitor Cordon, 26. 96 798 9184) e esfumaram-se ainda mais os velhos preconceitos. O Bruno Ferraz, que na altura chefiava a cozinha — entretanto saiu — mostrou-me que uma bifana de seitan, desde que devidamente marinada tempo suficiente, neste caso com tomilho e alecrim, pode, de facto, transformar-se num produto alegremente comestível. O hambúrguer de beterraba quase passa, à primeira vista, por um de carne bem vermelha. Sendo que este é o melhor elogio que um tipo como eu lhe pode fazer. Ainda por cima, o restaurante é bonito e confortável, sem meter jardins, panos orientais ou mobiliário roubado à beira de estrada ao barulho. O mesmo posso dizer do novo Graça 77 (Largo da Graça, 77. 91 082 8612), também ele muito bem decorado e um ótimo vegetariano de transição — as receitas imitam clássicos omnívoros, sem pejo em usar natas, queijos e afins (não é vegan, atenção) para enriquecer o sabor. Pondo as coisas numa regra de proporções: o que ali se serve está para o carnívoro como o hot roll para o iniciante ao sushi.
A minha relação com os restaurantes vegetarianos foi melhorando à medida que os próprios restaurantes vegetarianos foram, também eles, melhorando. E isso deveu-se em boa parte a alguns cozinheiros vindos de fora, que trouxeram novas formas de usar velhos ingredientes. No The Food Temple (Beco do Jasmim, 18. 21 887 4397), na Mouraria, a canadiana Alice Ming todos os dias inventa novos petiscos vegan que serve em pequenas doses, ideais para rodar e partilhar: saladas chinesas, arrozes, caris, noodles, estufados diversos…a criatividade é assinalável. E a popularidade também: arranjar mesa pode ser um cabo dos trabalhos, deve reservar-se com alguma antecedência. No Princesa do Castelo (Rua do Salvador 64 A, 21 887 1263), uns (bons) metros encosta acima, o chefe e proprietário indiano Nandan Bhoopalam — que também é instrutor de ioga — segue os princípios da dieta sátivca, com preocupações nutritivas e enérgicas. Felizmente isso é compatível com o sabor, como pude comprovar num almoço recente: o uso de especiarias é uma constante, pese os pratos do dia nunca se repetirem.
Já na colorida House of Wonders (Largo da Misericórdia, 53. 91 170 2428), em Cascais, que também é café, galeria de arte e rooftop, um dos chefes é sírio e isso nota-se na seleção de mezze (que no Médio Oriente designa pratos em pequenas doses, para partilhar) frios, em buffet, e quentes, que também vão mudando regularmente. Conselho: convém deixar espaço para as sobremesas, que podem ser cruas, vegan ou sem glúten e combinadas a la pijaminha tradicional.
Depois, há aqueles sítios seguros de almoço, baratos — menos de 10€ a refeição –, onde posso poupar o corpo às agruras da comida de tasca. Falo, por exemplo, da cafetaria do supermercado biológico Miosótis (Rua Latino Coelho, 89. 21 136 9849), onde há sempre um prato quente e uma salada completa, variada e muito bem temperada, além de sumos naturais de fruta e (boas) sobremesas sem açúcar. Falo também do pequeníssimo e acolhedor Alfarroba (Rua Tomás Ribeiro, 28. 93 288 1545), onde os pratos do dia estão à vista, há simpatia a rodos, bolachas saudáveis para acabar a refeição e barras energéticas com sabor a queijo de figo para levar para casa. Ou do Oásis (Rua Marquês Sá da Bandeira, 76. 21 809 5457) onde é possível combinar duas ou três das sugestões diárias no mesmo prato. À quarta-feira — fica a dica — é sempre dia de feijoada vegetariana. Bate a tradicional? Não bate. É uma alternativa interessante? É pois.
E assim, como quem não quer a coisa, cheguei às dez sugestões. Nada mau para quem sonha com o dia em que as papas de sarrabulho chegarão, finalmente, a Lisboa. Enquanto isso não acontece, vou só ali comer um leitãozinho para repor as forças. Mas com salada.