“Vão comprar os produtos da Ivanka”. A frase saiu já no final de uma resposta, quando o jornalista, no estúdio, se preparava para abandonar o tópico do insucesso da linha de roupa da filha de Donald Trump e seguir para o tema seguinte. O repto foi lançado por Kellyanne Conway — a conselheira do presidente dos EUA que cunhou a expressão como “factos alternativos” — e representa uma violação do código de conduta dos funcionários da Casa Branca. Porquê? Porque a intervenção pode ser (está a ser) interpretada como promoção de um produto comercial, prática proibida. Donald Trump já saiu em defesa da sua conselheira. E da filha, também.
É um sinal dos tempos. O gabinete de Ética do Governo — até há pouco tempo uma entidade desconhecida da maior parte dos norte-americanos — recebeu nas últimas semanas uma avalanche de contactos relacionados com os “acontecimentos recentes”.
1/OGE’s website, phone system and email system are receiving an extraordinary volume of contacts from citizens about recent events.
— U.S. Office of Government Ethics (@OfficeGovEthics) February 9, 2017
Foram lá que caíram as dezenas de chamadas e emails de cidadãs indignados com o apelo de Kellyanne. O site chegou a ir abaixo esta sexta-feira, tal era a afluência de visitantes. Mas o problema começou antes das declarações da assessora, e pelas mãos (pelos dedos, neste caso) do seu chefe direto: Donald Trump, 45º Presidente dos EUA.
My daughter Ivanka has been treated so unfairly by @Nordstrom. She is a great person — always pushing me to do the right thing! Terrible!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) February 8, 2017
Trump publicou na sua conta Twitter um desabafo pessoal. “A minha filha Ivanka foi tratada de forma tão injusta pela Nordstrom [empresa que vendia os seus produtos de vestuário]. Ela é uma pessoa formidável — sempre a puxar por mim para fazer a coisa certa! Terrível!”. Seria questionável que Trump tivesse puxado a capa do “cidadão” Donald para fazer o comentário, mas a verdade é que a publicação acabou por ser republicada pela conta oficial do Presidente norte-americano.
Questionada precisamente sobre a fase em que se encontram os negócios de Ivanka Trump, Kellyanne Conway decidiu sair em defesa da empreendedora, que é filha do seu chefe, que é Presidente dos EUA. Mais: Conway fez esse comentário enquanto conselheira de Trump a partir da própria Casa Branca. O episódio fez reavivar a discussão sobre a solidez da fronteira que separa o Trump-presidente do Trump-empresário-que-passou-a-gestão-dos-seus-negócios-para-o-nome-dos-filhos”.
Quase de imediato, o tal gabinete de Ética do Governo recebeu uma carta de ambos os partidos — Democrata e Republicano. O organismo, que não tem poder de punição ou, sequer, de investigação de eventuais violações do código de Ética, foi instado a pronunciar-se sobre o caso. O episódio “passa claramente a linha, [é] inaceitável”, defendeu Jason Chaffetz, o republicano que lidera o comité de supervisão do Congresso norte-americano. “Esta situação tem de ser encarada, não há ‘ses’, ‘tambéns’ nem ‘mas’ a este respeito”.
Do lado da Administração, no pasa nada.
POTUS supports me, and millions of Americans support him & his agenda. https://t.co/FTaPXTymGV
— Kellyanne Conway (@KellyannePolls) February 10, 2017
Na sua conta Twitter, já esta sexta-feira, Conway garantiu que o Presidente a apoiava. “E milhões de americanos apoiam-no a ele e à sua agenda”, sublinhava. “Em algum momento, espero que as mulheres americanas trabalhem para um patrão que as trate do modo que o Presidente Trump me tratou hoje”, acrescentou a conselheira.
Conway está segura. Trump não usará com ela a frase que o notabilizou no programa de televisão em que o seu principal passatempo parecia ser despedir os aprendizes: You’re fired.
Certo é que Ivanka ficou mesmo sem distribuidor para a sua linha de vestuário. Em comunicado, a Nordstrom explicava as razões para o fim da parceria com a filha do Presidente: “As vendas da marca têm decaído consistentemente até a um ponto em que já não fazia sentido empresarial para nós continuar com a linha para já”.