Não é só o CDS que está a fazer questões sobre a suposta “mentira” do ministério das Finanças sobre a existência de condições combinadas com o Governo para António Domingues aceitar presidir à Caixa Geral de Depósitos. Também o PSD promete não largar o tema até haver um desfecho para a história. Esta segunda-feira, o coordenador do PSD na comissão de inquérito à CGD, Hugo Soares, formalizou quatro perguntas a António Domingues para pôr os pontos nos is. A ideia é saber se houve ou não acordo, e, sobretudo, se o então futuro presidente da CGD falou com António Costa sobre isso.

— “Acordou ou não, como pressuposto para a sua aceitação do cargo de Presidente da CGD e dos convites que fez para o Conselho de Administração da CGD, a alteração do estatuto de gestor público, para que entre outras coisas, os membros do Conselho de Administração da CGD ficassem isentos da entrega da declaração de rendimentos e património?”

— “Se sim, com quem e em que termos?”

— “Alguma vez teve com o sr. primeiro-ministro alguma conversa sobre este tema?”

— “Se sim, quando e em que termos?”

Em causa está um requerimento feito pelo CDS no final de novembro, a pedir toda a correspondência, nomeadamente emails, trocada entre o agora ex-presidente da CGD e o ministério das Finanças desde o dia 20 de março de 2016 que fosse “de alguma forma relacionado com as condições colocadas para a aceitação dos convites para a nova administração da CGD”. Na resposta a esse requerimento, que chegou ao Parlamento a 13 de janeiro, o chefe de gabinete do ministro das Finanças escreveu que “inexistiam trocas de correspondência com as características descritas”.

Mas quando António Domingues entregou essa correspondência aos coordenadores da comissão de inquérito, depressa PSD e CDS vieram dizer que tal correspondência prova que “existiam” cartas e emails a abordar o tema das condições e garantias dadas pelo Governo a Domingues. Com o Governo a insistir que não, o CDS deu mais um passo e perguntou se, então, existem SMS ou comunicações feitas por outra via a apontar nesse sentido. A este requerimento ainda não chegou resposta.

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O PSD lembra agora uma declaração feita por Domingues durante a audição no Parlamento a 4 de janeiro, onde, em reposta à pergunta sobre as condições que acordou com o ministro das Finanças, garantiu que “estavam garantidas à partida” e que “o Governo, a partir de certa altura, deixou de ter condições políticas para as manter”. A esta declaração, os sociais-democratas juntam a resposta inicial dada pelas Finanças aos jornalistas no seguimento da suspeição, lançada na altura por Luís Marques Mendes, de que as alterações feitas ao estatuto do gestor público isentavam os gestores de declarar os seus rendimentos. “A ideia é a CGD ser tratada como qualquer outro banco. Essa foi a razão para que fosse retirada do Estatuto do Gestor Público. Está sujeita a um conjunto de regras mais profundo, como estão todos os bancos. Não faz sentido estar sujeita às duas coisas. Não foi lapso”, respondeu na altura o ministério.

Numa tentativa de reconstruir os acontecimentos, o PSD lembra ainda uma declaração feita a viva voz pelo secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix a confirmar a isenção do escrutínio: “Sim, foi intencional, sabíamos que isto [o fim do escrutínio público dos rendimentos dos novos gestores da CGD] seria uma consequência da sua retirada do Estatuto do Gestor Público”. Com isto os sociais-democratas querem demonstrar que há uma contradição entre o que o Governo diz agora — de que nunca se comprometeu com António Domingues para isentar os administradores da CGD de declararem os seus rendimentos e património — e o que o Governo disse no início, quando a polémica começou a surgir.

O PSD já apresentou um requerimento formal para ouvir o ministro das Finanças, Mário Centeno, no âmbito da comissão de inquérito à CGD, sendo que o CDS também já anunciou a intenção de voltar a ouvir António Domingues sobre o mesmo tema.

Em declarações aos jornalistas em Braga, Hugo Soares defendeu que o decreto-lei que alterava o estatuto do gestor público visava criar condições para o cumprimento do alegado acordo que o Governo teria firmado com António Domingues para este aceitar liderar a CGD. “Foi preciso passar muito mais tempo e haver a pressão da opinião pública para que o Governo deixasse cair o acordo que fez com António Domingues, sem nunca o ter assumido”, disse ainda.

Para Hugo Soares, o ministro das Finanças, Mário Centeno, “mentiu clara a despudoradamente” na comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da CGD, quando negou a existência do acordo com António Domingues. Segundo Hugo Soares, Mário Centeno incorre em “crime de falsas declarações”.

“Queremos ver até onde vai a lata do ministro das Finanças”, disse ainda Hugo Soares, referindo que não será o PSD a pedir a demissão do ministro das Finanças, mas que, se estivesse no lugar de Mário Centeno, já teria saído do Governo. “Mas a responsabilidade de constituição do Governo é exclusiva do primeiro-ministro. Se ele entende que um ministro mentir declarada e despudoradamente aos portugueses não é condição para sair do Governo, então deve mantê-lo”, sublinhou.

O Presidente da República afirmou acreditar que o ministro das Finanças defendia que os gestores da CGD tinham de entregar as declarações de rendimentos, até encontrar “alguma coisa assinada” por Mário Centeno que prove o contrário. Segundo Hugo Soares, o PSD tem “uma visão completamente diferente” da de Marcelo Rebelo de Sousa: “Creio que todos os documentos que vieram a público e aquilo que é do conhecimento público são suficientes para perceber que este Governo trata tudo isto com grande leviandade”.

“Malabarismo e manhosice”

Falando em Braga, o coordenador do PSD na comissão de inquérito, Hugo Soares, acusou ainda o Governo de “grande malabarismo” e de “manhosice” na demora da publicação do decreto que isentava os administradores da Caixa Geral de Depósitos do estatuto do gestor público. Este domingo, no espaço de comentário na SIC, Luís Marques Mendes lembrou que o Governo esperou mais de um mês desde que o decreto foi promulgado até o publicar em Diário da República, sabendo que os deputados só podiam chamar as alterações legislativas a apreciação parlamentar a partir do momento em que fossem publicadas formalmente em Diário da República.

“É mais um número de grande malabarismo e uma forma manhosa de gerir os processos legislativos e a causa pública”, referiu Hugo Soares. Para o social-democrata, o Governo “protelou” a entrada em vigor do referido diploma “à espera que os senhores deputados estivessem de férias” e assim “não pudessem atuar de forma condizente com o que era a sua leitura do diploma”. O PSD, acrescentou, aguardou pacientemente a publicação do diploma e assim que ele foi publicado requereu a sua apreciação no parlamento.

“Ainda que com toda a manhosice que o Governo usou, o PSD não deixou de chamar aquele diploma ao parlamento”, sublinhou, recordando que PCP, BE e PS votaram contra quando o PSD quis revogar as alterações que o Governo tinha feito.

Esta segunda-feira, reagindo à acusação de manipulação feita por Marques Mendes, o primeiro-ministro rejeitou as acusações, dizendo que elas “não fazem o menor sentido”. “É um espírito criativo de ficção policial, mas não teve nada a ver com a realidade da vida política. Não é assim que os órgãos de soberania se relacionam uns com os outros”, afirmou Costa, sublinhando que o decreto foi sujeito a apreciação parlamentar.