O caminho é longo mas está a ser dado a passo rápido — já ninguém tem dúvidas que a Inteligência Artificial (IA) veio para ficar. O Observador aproveitou a passagem de Chris Lamberton por Portugal no final de janeiro para saber de que modo a robótica e a IA estão a ser preparadas para facilitar a vida a clientes e empresas. E a conversa serviu, também, para rebater o que Lamberton considera ser um mito: de que os robôs vão roubar os empregos às pessoas.
Chris Lamberton é um especialista em Inteligência Artificial associada à robótica. Atualmente, lidera o departamento de robótica da EY na Europa, estuda a aplicação da IA no sistema financeiro e aconselha os clientes sobre como usar a robótica para tirar o máximo proveito da tecnologia.
A multinacional EY é a terceira maior empresa do mundo a utilizar a robótica e tem razões para acreditar que esta vai revolucionar a gestão das empresas. Isto porque só 5% das empresas estão preparadas para implementar sistemas de IA, ou seja, esta tecnologia tem um potencial enorme de crescimento.
A robótica permite fazer a ponte entre a velha e a nova tecnologia, automatizando processos que têm por base sistemas antiquados. Isto é, as empresas não precisam de remodelar a tecnologia implementada para começarem a tirar proveito da digitalização e automação. Chris Lamberton explica como, nesta entrevista.
A robótica é uma tecnologia recente no sistema financeiro?
Esta tecnologia já existe há sete ou oito anos, mas só nos últimos dois é que ganhou uma grande tração no mercado. É um dos principais tópicos tecnológicos em que a EY está focada neste momento, a par da Internet das Coisas (IoT), Blockchain e impressão 3D. Estamos absolutamente convencidos de que a robótica é uma tecnologia que vai transformar todas as empresas.
Quando diz “robótica” não se está a referir a máquinas, mas sim a software, não é?
Sim, é software. Basicamente, são programas que mimetizam as ações das pessoas. Na prática, quando vê um desses robôs a trabalhar, é como se estivesse a espreitar por cima do ombro de uma pessoa sentada em frente ao computador. Ele navega pelo ecrã, clica em pastas e consulta ficheiros, tal qual faz uma pessoa.
Uma das componentes “inteligentes” desta tecnologia é que ela é capaz de interagir com qualquer tipo de tecnologia já existente.
De que modo?
Um dos principais problemas com que nos deparamos, em particular no sector financeiro (bancos, seguradoras), é que alguns sistemas informáticos têm 20 ou 30 anos e não é possível oferecer um serviço ao cliente com esta tecnologia de “ecrã verde”, ela não é compatível com o mundo digital dos dias de hoje.
Os robôs permitem transformar processos já existentes em que as pessoas fazem muito trabalho manual, como abrir emails e folhas de cálculo e outras tarefas desse género. Este software consegue fazer exatamente o mesmo, muito mais depressa e sem cometer erros, por uma fração do custo, o que significa que as pessoas podem dedicar-se a tarefas de valor. O robô faz o trabalho manual e liberta as pessoas.
Só está a referir aspetos positivos. Vê alguma desvantagem nisto?
Acho que não. Na verdade, acho que esta é uma daquelas tecnologias em que se obtêm resultados máximos muito rapidamente. Por exemplo, calculamos que apenas 10 a 25% dos serviços financeiros estão digitalmente adaptados, ou seja, uma grande parte dos serviços não podem ser usados porque têm os tais 20 ou 30 anos de idade. Na prática, há um grande número de empresas que não conseguem mudar o modo de funcionamento e de relação com os clientes por causa dessa herança tecnológica.
O que a robótica faz é permitir que estas empresas se tornem mais eficientes e muito mais rápidas a prestar serviços aos seus clientes, mas também por uma fração do custo e sem ter de mudar nenhuma da tecnologia instalada. Ou seja, o risco para as empresas é muito baixo.
Isso remete para uma pergunta “clássica”: essa tecnologia vai roubar postos de trabalho?
Vai ter impacto sobre o mercado de trabalho, não há qualquer dúvida sobre isso. A robótica, por si só, não vai substituir postos de trabalho, o que causa desemprego são pressões económicas gerais que levam as empresas a deslocar serviços. Por estranho que pareça, um robô pode (potencialmente) salvar empregos, comparativamente com o outsourcing ou o offshoring.
De que modo?
Por causa da economia do processo.
Mas se um robô faz melhor, mais barato e mais depressa do que uma pessoa…
É verdade, mas os humanos são muito bons a fazer coisas que os computadores não conseguem fazer.
Por exemplo?
Por exemplo, ter uma conversa como esta, interagir com os clientes, um robô não consegue fazer isto. Até a melhor Inteligência Artificial é muito fraca a fazer isto. É boa a desempenhar trabalhos cada vez mais complexos mas não consegue estabelecer uma ligação com um cliente. O que observamos é que os robôs são muito bons a fazer trabalhos manuais e isso liberta as pessoas para tarefas com valor. Ninguém quer passar oito horas do dia a fazer coisas chatas, é neste tipo de trabalho que os robôs vão ter impacto. Acho que as pessoas são muito adaptáveis e sabem como lidar com a mudança.
Creio que vai acabar por haver uma sinergia entre pessoas e computadores. E a razão pela qual eu acho que os robôs vão causar menos perdas de postos de trabalho é muito simples, do ponto de vista económico: porque ter robôs sai muito mais barato que deslocalizar serviços offshore, será preciso um menor movimento de trabalho para poupar dinheiro.
Mas isso é bom para as empresas, não para esses trabalhadores [offshore].
O que é interessante é que não vemos, nos nossos clientes, despedimentos em grande escala. O que observamos é a transferência de papéis, ou seja, as pessoas passam a desempenhar outro tipo de funções. Poderão perder-se alguns postos de trabalho em algumas áreas, mas no balanço final verifica-se a dedicação das pessoas a tarefas mais especializadas e de maior valor.
Acha que o setor financeiro está atrasado na implementação de IA, comparativamente com áreas tais como as ciências ou a saúde?
Sim e não. Acho que há muito hype acerca do que a IA consegue ou não fazer. Existe um lado glamoroso no resultado final mas se considerarmos o esforço necessário para pôr a IA a funcionar, a relação custo benefício não é nada fantástica. Por isso são precisos alguns passos para tirar o devido proveito da IA.
Tais como?
Dou-lhe um exemplo simples: IA não consegue funcionar em sistemas de “ecrã verde” com 30 anos. Simplesmente, não pode. Por isso é preciso primeiro a robótica para aceder a todo o tipo de sistema e dados e formatos dentro da organização para, depois sim, alimentar a IA. Por outro lado, a IA ainda se debate com a interação com os humanos. Por exemplo, a IA ainda é relativamente pouco eficiente a lidar com a letra manuscrita e com o reconhecimento de voz. É aqui que a robótica pode ajudar, nesta transição dos formatos antigos para os sistemas digitais.
Porque é que a IA ainda é tão cara e difícil de implementar?
O que a torna cara não é o software, isso é até bastante “fácil” de elaborar. A Inteligência Artificial alimenta-se, por assim dizer, de enormes quantidades de dados. Não basta carregar num botão para pôr a IA a funcionar, é necessário um trabalho preparatório que é demorado e caro. Uma empresa precisa de muito tempo para “ensinar a máquina” a ter a competência necessária para obter resultados corretos, por isso há tão poucas a fazer isso.
Outra vertente, que se aplica, por exemplo, no sector financeiro, é o que acontece quando a máquina toma decisões erradas.
Como se tem debatido com a condução autónoma.
Sim, é a parte mais visível do problema. No setor financeiro, a questão prende-se mais com apostas fracassadas ou conselhos errados. A IA é capaz de elaborar uma sugestão em função da enorme quantidade de dados que recolhe de diversas áreas, é perfeitamente possível que apresente uma solução. Mas se não der o conselho correto, como é que se sabe porque é que não o fez?
Isto porque os sistemas de IA aprendem todos os dias a partir de grandes quantidades de dados e geralmente durante um longo período de tempo, e não se pode simplesmente “andar para trás” todos esses processos de aprendizagem para encontrar a causa de um erro que a máquina fez no passado, não é assim que funciona. O diagnóstico do erro é muito difícil de fazer.
O mesmo tipo de problemas acontecem com a condução autónoma. Se um carro atropelar alguém, de quem é a culpa? Do software? Da forma como foi programado? Foi um problema do radar ou outra coisa qualquer? É muito difícil e demora muito tempo a implementar um sistema de Inteligência Artificial.
Já se fala em Inteligência Artificial capaz de programar Inteligência Artificial. Isso preocupa-o?
A um nível intelectual sim, claro.
Porquê?
[Pausa] Porque a IA pode estar a aprender mal. Será que estamos a ensinar a IA da maneira correta, sobre o que deve ou não deve fazer? O potencial desta tecnologia é enorme e vai-nos ajudar a tornar a vida mais fácil, mas acho que precisamos de tempo para refletir sobre se estamos a fazer isto bem.
Manuela Veloso. “A inteligência artificial é um alerta para a humanidade”
O vídeo que se segue foi cedido pela EY e demonstra os processos de automação referidos por Chris Lamberton. Neste exemplo, aplicado a uma seguradora automóvel, é possível observar dois tipos de processos: a participação de um sinistro automóvel (através, claro está, de uma plataforma digital – um tablet, neste caso) e, depois, os processos geridos pelo robô, nomeadamente a notificação do registo e uma ligação automática a uma empresa de reparação mecânica.
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Chris Lamberton considera que qualquer empresa que tenha processos manuais ou sistemas antiquados pode utilizar a robótica de forma eficiente, já que ela “é muito boa a fazer o trabalho chato. Além disso, o robôs não cometem erros.”
O número de pessoas envolvidas na construção deste tipo de serviço são, surpreendentemente, poucas. É muito rápido preparar o robô para ser implementado numa empresa, explicou-nos o especialista da EY. “Depende da complexidade, claro, mas alguns dias bastam, geralmente.
E quanto custa cada um destes robôs? Entre 5 e 10 mil euros cada. A relação custo benefício para as empresas é extraordinariamente elevada, como fez questão de explicar.
A EY está a começar o primeiro projeto em Portugal e tem mais 12 em fase de estudo. Luís Oliveira Correia, Head of Data and Analytics, Financial Services da EY Portugal, disse ao Observador que os empresários portugueses estão muito interessados nesta tecnologia, mas estão com receio de serem os primeiros a dar o passo. Primeiro, “querem perceber o que se está a passar lá fora”.
Chris Lamberton está convicto de que Portugal vai seguir os passos do resto do mundo. “Quando os empresários compreenderem que a robótica reduz custos e liberta as pessoas do trabalho chato e demorado” vão acabar por abraçar a tecnologia, defende o especialista. “Vai demorar pouco tempo, talvez menos de um ano”.