Técnicos do Banco de Portugal (BdP) assinaram uma nota informativa interna em novembro de 2013 onde punham em causa a continuidade de quatro administradores do Banco Espírito Santo (BES) e sugeriam mesmo o afastamento imediato de Ricardo Salgado, revela a SIC na primeira de três reportagens da série “Assalto ao Castelo”, que serão transmitidas até sexta-feira. Ou seja, nove meses antes da resolução do maior banco privado português já a instituição conheceria, de forma detalhada, os riscos associados ao GES/BES.

Os quatro administradores do BES em causa eram Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires, José Maria Ricciardi e Paulo José Lameiras Martins. Os técnicos, além de revelarem dúvidas em relação à idoneidade dos mesmos, reconheciam que o Banco de Portugal tinha deixado passar muito tempo sem questionar a idoneidade dos visados. Acrescentavam, porém, que ainda se iria a tempo de o fazer, relata a SIC.

A tal nota foi enviada ao vice-governador do Banco de Portugal com o pelouro da supervisão, Pedro Duarte Neves, a 8 de novembro de 2013, conta a SIC, apoiando-se nisso para dizer que o governador Carlos Costa omitiu informação aos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao BES. Ouvido na CPI, Carlos Costa garantiu que o Banco de Portugal não tinha poderes legais para afastar os gestores do BES mais cedo do que fez, por não dispor de “factos demonstrados” que permitissem abrir um processo formal de reavaliação de idoneidade dos membros do conselho de administração do BES.

Questionado pela SIC, o BdP volta a dizer que não podia ter feito nada antes e afirma que apostou na dissuasão moral, que terminou com a renúncia de alguns administradores na primavera do ano seguinte.

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Balanço aos resultados de 20 sucursais e filiais apontava para “riscos elevados”

Nesta primeira reportagem, a SIC dá ainda conta de um segundo documento, um “relatório detalhado” sobre os resultados da avaliação feita pelo supervisor a 20 sucursais e filais do BES em Portugal e no estrangeiro, entre março de 2011 e abril de 2012, e onde se teriam já detetado falhas generalizadas no que toca à auditoria interna e à compliance.

Esse relatório apontava ainda para “práticas de gestão pouco transparentes ou mesmo opacas”, sendo que 38% dessas más práticas tinham sido já identificadas em 2012 e vinham de anos anteriores. Mais de metade apresentavam risco elevado e no BES, alguma dessa “opacidade” tinha sido verificada desde 2004, revela a reportagem da estação de Carnaxide.

E eram já apontados dois casos particularmente graves: a filial angola (BESA) e a francesa (de la Vénétie). No primeiro caso, em 2011 a avaliação já tinha sido “francamente negativa”, apontando um controlo interno deficiente e um risco operacional grave. No caso da filial francesa, foram sublinhadas 28 novas deficiências, oito de risco elevado, o que levou, inclusivamente, a autoridade bancária francesa a fazer uma avaliação bastante negativa desse banco, também em 2011.

BdP insiste que “não dispunha de factos demonstrados” para reavaliar idoneidade

Em reação à reportagem da SIC, o regulador reafirma, em comunicado publicado no site da instituição, o que o governador Carlos Costa disse outrora em sede de comissão de inquérito: “De facto, no final de 2013, o Banco de Portugal não dispunha de factos demonstrados que – dentro do quadro jurídico então aplicável e atenta a jurisprudência dos tribunais administrativos superiores – permitissem abrir um processo formal de reavaliação de idoneidade dos administradores em causa.”

E explica que a referida nota informativa — “desenvolvida a pedido do Conselho de Administração do Banco de Portugal” –, com data de novembro de 2013, “refere expressamente que a informação existente à data tinha que ser devidamente verificada e confirmada para efeitos de eventuais ações ao nível da idoneidade“. “Foram, assim, desenvolvidas pelos serviços competentes do Banco de Portugal várias diligências na sequência daquela e de outras informações, ainda em 2013 e também ao longo de 2014.”

Essas diligências passaram, por exemplo, pela troca de comunicações escritas e reuniões com os administradores em questão, “bem como junto de outras entidades”, detalha o supervisor.

O banco central adianta ainda que “perante a avaliação dos factos que foram chegando ao seu conhecimento, o Banco de Portugal não aprovou pedidos de registo para o exercício de funções em outras entidades do Grupo BES, o que veio a culminar – após solicitação de sucessivas explicações e esclarecimentos aos administradores em causa, através de várias diligências escritas e presenciais – com a retirada desses pedidos pelos próprios em março e abril de 2014″.

Foram ainda desenvolvidas “múltiplas diligências junto dos acionistas de referência do BES, com destaque para o Crédit Agricole, exigindo um plano de sucessão para o órgão de administração do BES”. “Este processo conduziu à apresentação pelo Dr. Ricardo Salgado, em meados de abril de 2014, da calendarização da sua sucessão e de um plano que pressupunha a saída dos membros da família do órgão executivo do BES.”

[Notícia atualizada, pela última vez, às 23h20 com o comunicado do Banco de Portugal]