A campanha de António Costa terá tentado comprar posts favoráveis ao futuro primeiro-ministro em blogues de lifestyle durante as primárias do PS, no verão de 2014. Ana Garcia Martins, autora do blogue A Pipoca Mais Doce, foi uma das bloggers contactadas pelo Sapo (a plataforma onde está alojada a página), para fazer publicações elogiosas ao então candidato, que disputava com António José Seguro a nomeação como candidato dos militantes e simpatizantes socialistas para primeiro-ministro. A Portugal Telecom — empresa à qual pertence o Sapo — e bloggers contactados pelo Observador confirmam as tentativas de publicação de posts pagos. Já os responsáveis pela comunicação na campanha de Costa negam que o tenham feito.
O gabinete de comunicação da Portugal Telecom (PT) confirma ao Observador, por escrito, que o departamento comercial do Sapo fez essa proposta a vários bloggers, mas destaca que teve apenas o papel de intermediário. Fonte oficial da PT começa por explicar que “o Sapo faz a gestão comercial de alguns blogues nacionais, sendo apenas responsável pelo encaminhamento dos pedidos que chegam via anunciantes e agências de meios”, confirmando a existência de contactos nesse sentido: “O pedido em questão chegou-nos via agência de meios“, refere fonte oficial ao Observador. Destacando que uma empresa como a PT não se imiscui em questões partidárias, o gabinete de comunicação acrescenta ainda que o “Sapo não tem qualquer responsabilidade na tomada de decisão do que é solicitado, nem na aceitação ou não desses pedidos.”
A PT recusa-se, por questões de sigilo profissional, a dizer qual foi a “agência de meios” que fez o pedido em nome da campanha de António Costa. Já os dois assessores responsáveis pela comunicação na campanha de Costa — Maria Rui e Duarte Moral — dizem “desconhecer completamente o assunto”. Mais esclarecimentos só com nomes. Ambos disseram ao Observador: “Digam-nos quem foi a pessoa que falou em nome da campanha para podermos responder”.
A blogger Ana Garcia Martins confirma ao Observador que foi contactada, mas explica que não aceitou o convite porque “não fazia sentido” tendo em conta a filosofia do blogue A Pipoca Mais Doce: “É diferente dar opinião sobre um produto ou uma marca que possa testar — e depois dar o feedback aos meus leitores — ou estar a pronunciar-me sobre um partido, uma campanha ou uma pessoa“.
A autora d’ A Pipoca Mais Doce explica como foi feita a abordagem: “Nessa altura, o Sapo contactou-me a mim e a outros bloggers, do que me lembro, para que fizéssemos um post favorável a António Costa. Contactaram-me da mesma forma como contactam quando há uma marca interessada, mas neste caso fui contactada a dizer que que a campanha de António Costa estava interessada.“ Ana Garcia Martins faz ainda questão de acrescentar que não recusou “por ser António Costa” e que “recusaria qualquer outro.” Sobre os valores envolvidos, nunca chegou a saber quais eram: “Como não aceitei, não chegámos a falar em valores, nem nada desses detalhes.”
O Observador teve ainda acesso a um e-mail enviado pela equipa do Sapo a outro blogger, que optou por não se identificar. O registo da linguagem é coloquial, mas formaliza a tentativa de comprar “um post a favor da campanha do António Costa.” E questiona: “De que forma estão dispostos a avançar com o post?”
Outra fonte do Sapo que acompanhou este processo confirmou ao Observador a abordagem a pedido da equipa do então candidato a secretário-geral do PS: “Fomos contactados para que que fizéssemos a proposta aos nossos bloggers no sentido de fazerem posts a favor de António Costa. Achámos que esse contacto até devia ser feito diretamente com os bloggers, mas aceitámos fazer a ponte e sondar os nossos bloggers.” A mesma fonte explica que “o grande interesse deles [campanha de Costa] era mesmo A Pipoca Mais Doce, pelo público a que chegava, mas tenho ideia de termos contactado outros bloggers.”
Apesar de existirem versões contraditórias (a dos assessores de Costa e a da PT), estes elementos demonstram que alguém tentou comprar posts favoráveis a António Costa em blogues de lifestyle e que o Sapo foi contactado por uma agência que alegadamente representava a campanha.
O que é que a Pipoca tem?
A Pipoca Mais Doce é um dos blogues mais populares de sempre da blogosfera portuguesa. Em 2014, ano das primárias do PS, comemorava 10 anos de existência e atingia os 50 milhões de visualizações. Contava então com mais de 50 mil leitores únicos diários (dados Google Analytics) aos quais se juntavam mais de 172 mil seguidores no Facebook e 36 mil no Instagram. Atualmente, os seguidores no Facebook subiram para perto dos 250 mil e no Instagram superam os 141 mil.
A Pipoca Mais Doce é um blogue de lifestyle que a própria autora descreve como um “blogue pessoal, (às vezes) humorístico e (quase sempre) sarcástico”, acrescentando que é “sobre tudo e sobre nada.” O público-alvo e o sucesso do blogue faz com que seja muito atrativo para as marcas. Uma comercial que trabalha na área explica ao Observador que “o que é feito com a ‘Pipoca’ e outros blogues são os chamados ‘posts patrocinados’, em que o autor do blogue fala sobre um produto e a marca paga-lhe para dizer bem desse produto.” A mesma fonte explica que “o pagamento é feito em dinheiro ou com a oferta de produtos da marca em questão”.
Ora, no caso de uma campanha partidária, o objetivo seria chegar a outros públicos e de uma forma mais discreta. Se um blogger elogiasse António Costa — o que o Observador não conseguiu encontrar numa análise a alguns dos principais blogues de lifestyle na época — a propaganda seria feita de uma forma encapotada. “No meio de um post sobre sapatos e de outro sobre o Benfica, um elogio a António Costa poderia ser muito eficaz”, explica uma especialista na área. De acordo com o sitemeter, a Pipoca Mais Doce é atualmente o blogue com mais visitas, numa liderança que dura desde março de 2016. Em 2014, ano das primárias do PS também andou sempre no topo dos blogues mais visitados.
Entidade das Contas pode investigar
Se o mesmo pedido de posts favoráveis fosse feito em eleições legislativas seria ilegal, já que o artigo 72.º da Lei Eleitoral da Assembleia da República, referente a “publicidade comercial”, estabelece que “a partir da publicação do decreto que marque a data das eleições é proibida a propaganda política feita direta ou indiretamente através dos meios de publicidade comercial”. A Comissão Nacional de Eleições esclarece ainda — numa secção a que chama “perguntas frequentes” no seu site — que a lei é, neste ponto, muito restritiva:
Posso fazer propaganda através dos meios de publicidade comercial nas redes sociais?
Não. Apenas se se tratar de anúncios publicitários, como tal identificados, referentes à realização de um determinado evento (tipo de atividade de campanha, local, data e hora e participantes ou convidados) e desde que se limitem a utilizar a denominação, símbolo e sigla da força política anunciante.Posso fazer propaganda através dos meios de publicidade comercial na Internet?
Não. Apenas se se tratar de anúncios publicitários, como tal identificados, referentes à realização de um determinado evento (tipo de atividade de campanha, local, hora e participantes ou convidados) e desde que se limitem a utilizar a denominação, símbolo e sigla da força política anunciante.”
Ora, as primárias do PS — embora tenham tido como objetivo a escolha do candidato a primeiro-ministro — não seguem estas regras. Além disso, o regulamento das primárias era omisso quanto à publicidade. No entanto, este tipo de atividades pode ser investigado pelo Tribunal Constitucional, através da Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos. No início da campanha das primárias, as contas estavam fora do controlo do Tribunal Constitucional, mas esses gastos foram englobados nas contas anuais do ano de 2014 do PS. Dessa forma, todas as despesas e atividades relacionadas com as primárias do partido (tenham ou não custos pecuniários associados) passaram a estar sob o controlo da Entidade das Contas, que funciona junto do Constitucional.
As primárias do PS realizaram-se a 28 de setembro de 2014. António Costa, atual primeiro-ministro, foi então eleito candidato a primeiro-ministro pelo PS (tendo sido, mais tarde, eleito secretário-geral em diretas), vencendo António José Seguro, que se retirou então da política ativa.