Mark Rutte parecia um homem feliz quando subiu ao palco para celebrar a sua terceira vitória eleitoral consecutiva. Mais do que isso, era um homem aliviado, como deixou claro. “Depois do Brexit e das eleições dos EUA, o povo da Holanda disse não ao tipo de populismo errado”, disse aos militantes e apoiantes do VVD.

“Nós queríamos manter o país seguro, estável e próspero”, continuou Mark Rutte. “A mensagem [que passou] para dentro da Holanda será a da continuação do nosso percurso.”

Mas o tom congratulatório do primeiro-ministro da Holanda não é suficiente para esconder o desafio dos dias e semanas que se seguem. E isso explica-se bem com os resultados desta quarta-feira, a começar pelo VVD. Afinal, apesar de ter vencido as eleições, conseguiu apenas 31 deputados, perdendo aproximadamente 25% da sua representação parlamentar. Depois, o PvDA, dos trabalhistas que estiveram coligados com o VVD desde 2012, tiveram uma derrota histórica — passando de 25 para 9 deputados, segundo as projeções.

Rutte à procura de um manual de instruções para uma “mega-geringonça”

É aqui que as contas se começam a complicar e sobra apenas uma certeza: se em Portugal se formou aquilo que se conhece como a “geringonça”, na Holanda só haverá Governo com uma “mega-geringonça”. Isto porque, para chegar ao Governo, o partido de Mark Rutte vai precisar de ganhar o apoio de pelos menos outras três forças políticas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O número mágico aqui é o 76, o limiar mínimo para ter maioria em Haia. Aos 31 do VVD, é altamente provável que se juntem os 19 do D66 (centro, liberal e pró-mercado) e os 19 CDA (centro-direita). Assim sendo, a soma fica nos 69 deputados. A partir daí, a fasquia dos 76 pode ser quebrada de duas formas.

Por um lado, há o PvdA, partido irmão do PS português. Matematicamente, os 9 deputados que as projeções dão ao centro-esquerda seriam suficientes para chegar a uma maioria. Mas não é claro que os trabalhistas queiram agora somar-se ao poder. Dizem que o poder é tóxico — e pelo menos assim foi para o PvdA, que não só fez parte de um Governo que promoveu várias políticas de austeridade, como ficou à frente do ministério responsável por aplicá-las. Se continuar associado à direita, o PvdA poderá muito bem sofrer uma verdadeira pasokização.

Por outro lado, há o Groenlinks, a esquerda ecológica. Em comparação com as eleições de 2012, é este o partido que mais cresceu esta quarta-feira, passando de 4 para 16 deputados. A distância que vai deste partido — que começou em 1989 ao juntar comunistas, ecologistas, radicais de esquerda e também evangelistas — até ao VVD é grande em termos económicos e também no que diz respeito à imigração. Mas o que os separa nos costumes não é tanto que os possa impedir de se coligarem — e a defesa da União Europeia e da permanência da Holanda nela é algo que defendem com semelhante entusiasmo.

Afinal, a UE não vai morrer a partir da Holanda

Não foi por acaso que Mark Rutte felicitou o CDA, o D66 e o Groenlinks em palco — sem esquecer que também referiu o PvdA, lamentando o seu mau resultado. Afinal, o primeiro-ministro holandês tem várias opções entre os partidos pró-UE — que, na fragmentação tremenda da política holandesa, deram provas de que o euroceticismo não está tão forte na Holanda como alguns sugeriram. “Em campanha, é inevitável que as diferenças sejam destacadas e ampliadas. Mas agora, nos próximos dias e semanas precisamos de nos juntar e de fazer um Governo estável”, adiantou. “Tudo para que os holandeses possam ter um Governo sólido nos próximos anos.”

Cumprir a promessa de um “Governo sólido” na Holanda não é fácil. Basta olhar para História recente deste país. Apesar de os mandatos na Holanda serem de cinco anos, entre 2002 e 2012 houve uma mão-cheia de Governos, que foram caindo à medida que parceiros de coligação decidiam saltar borda-fora. Essa estabilidade será ainda mais difícil com quatro partidos a conduzir os destinos do país. E se por um lado há quem já o tenha feito com cinco partidos — o primeiro-ministro trabalhista Joop den Uyl, que governou entre 1973 e 1977 —, nenhum teve de fazê-lo na instabilidade que o atual momento da política holandesa (e europeia) sugere.

Wilders: “Rutte ainda não se livrou de mim!”

Quem não fará certamente parte do próximo Governo é o PVV e o seu líder, Geert Wilders. Com um total de 19 deputados e uma votação que, à altura da publicação deste texto, não lhe garante sequer o segundo lugar que as sondagens lhe previam, o PVV foi o único partido que esta quarta-feira preferiu não fazer qualquer tipo de discurso. Pouco depois de serem conhecidas as projeções e também o flop do PVV, Geert Wilders escreveu no Twitter: “Crescemos em deputados! Essa é a primeira vitória! Rutte ainda não se livrou de mim!”.

É indisfarçável que estas eleições tenham representado um golpe nas aspirações de Geert Wilders, que poucas semanas antes das eleições era apontado pelas sondagens como o favorito para vencê-las. Porém, nos últimos dias, esse rumo foi invertido e Mark Rutte e o VVD passaram para a frente. Segundo as projeções, 34% dos eleitores do VVD escolheram o partido graças à postura de Mark Rutte durante o incidente diplomático com a Turquia — preferindo a assertividade do primeiro-ministro à agressividade de Geert Wilders. Além disso, 81% escolheram o VVD por causa da economia — onde, mais uma vez, o PVV parece ter perdido, já que pouco ou nada referia sobre as suas intenções para a economia no seu programa eleitoral.

Ainda assim, o ar de satisfação de Mark Rutte não pode ser interpretado sem uma dose saudável de cinismo. Mais do que perder deputados, o VVD chegou-se ainda mais à sua direita, passando de um partido da direita liberal para uma força política que está cada vez mais à vontade para falar abertamente contra a imigração.

Pelo menos aí, Geert Wilders ganhou estas eleições.