Foram sete os deputados chamados a prestar esclarecimentos sobre a sua situação profissional para que a subcomissão de ética pudesse apurar a existência de eventuais incompatibilidades, mas nenhum deverá ser apanhado a pisar o risco. Apenas dois deputados, Luís Testa e Renato Sampaio, do PS, estão numa situação mais sensível, mas ao que o Observador apurou não deverão ser considerados incompatíveis à luz do atual Estatuto do Deputado. A subcomissão de Ética reuniu-se esta terça-feira durante cerca de duas horas, mas adiou qualquer decisão: os pareceres sobre os sete deputados em causa vão ser reformulados para serem votados na próxima quinta-feira. O objetivo, apurou o Observador, é chegar a um texto devidamente fundamentado do ponto de vista jurídico, que permita aos deputados que o aprovem “sentirem-se confortáveis”.

Em causa estão as situações profissionais de Luís Montenegro, Virgílio Macedo, Paulo Rios Oliveira (PSD), José Rui Cruz, Ricardo Bexiga, Luís Testa e Renato Sampaio (PS) que foram chamados a prestar esclarecimentos sobre as suas situações profissionais na sequência de uma notícia, publicada no Jornal Económico no dia 17 de março, que revelava que aqueles deputados eram sócios de empresas com contratos públicos, tendo alegadamente nessas empresas participações superiores a 10%.

Acontece que, de acordo com o artigo 21.º do Estatuto dos Deputados, relativo a impedimentos, os deputados estão impedidos de, “em regime de acumulação, sem prejuízo do disposto em lei especial” de, no “exercício de atividade de comércio ou indústria, direta ou indiretamente, com cônjuge não separado de pessoas e bens, por si ou entidade em que detenha participação relevante e designadamente superior a 10% do capital social, celebrar contratos com o Estado“.

Aos jornalistas, o presidente da subcomissão de Ética, Luís Marques Guedes (PSD), limitou-se a dizer, no final da reunião desta terça-feira, que os casos foram analisados, um a um, mas que “os relatores vão reformular os pareceres” em função do debate e das sugestões que foram dadas. Os novos pareceres serão então distribuídos esta quarta-feira pelos relatores (que são, por tradição, provenientes do partido do deputado em risco) e na quinta-feira à tarde a comissão volta a reunir-se para votar. A votação, contudo, é indiciária, e terá de ser depois ratificada pela comissão de Assuntos Constitucionais.

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Ao que o Observador apurou, contudo, não haverá impedimentos. Uma das situações, a do deputado socialista Rui Cruz, que exerce funções de gerente da empresa Frutas Cruz II Lda, e que assinou contratos com o Estado (GNR e escolas públicas), estará protegido pelo facto de os casos de contratualização remontarem a uma altura em que ainda não era deputado nem se previa que viesse a ser.

Casos diferente são os de Luís Montenegro (PSD), Paulo Rios de Oliveira (PSD) e Ricardo Bexiga (PS), assim como o de Virgílio Macedo (PSD), que aparecem agrupados noutra categoria: a das sociedades civis. Nos três primeiros casos os deputados pertencem a sociedades de advogados que são consideradas, à luz da lei, como sociedades civis e não comerciais, o que os protege juridicamente da lógica de impedimento prevista no Estatuto do Deputado relativa às atividades de comércio e indústria. Luís Montenegro, por exemplo, é proprietário de 50% do capital social da Sousa Pinheiro & Montenegro, que, entre 2014 e 2017, obteve seis contratos por ajuste direto de entidades públicas. Já o deputado Virgílio Macedo é detentor de um empresa que presta serviços de auditoria, revisão legal de contas e consultoria, estando também, no entender da maioria dos deputados, protegido pelo tronco comum da “sociedade civil” e não “comercial”.

É por isso que os casos mais sensíveis são os dos deputados socialistas Renato Sampaio e Luís Testa. O primeiro porque tem uma participação no capital social da empresa Nuno Sampaio – Arquiteto Lda., que é detida em 15% pela mulher, Maria Sampaio, e em 85% pelo respetivo filho, Nuno Sampaio. Empresa que, de resto, já obteve 15 contratos por ajuste direto de entidades públicas desde 2009, altura em que Renato Sampaio era deputado. O segundo porque a mulher, Maria Arménia Moreira Testa, detém 15,39% de uma empresa que celebrou um contrato por ajuste direto com o Município de Portel, em julho de 2016 (quando Testa já era deputado), visando a “publicitação de eventos, feiras e iniciativas”. Ainda assim, ao que o Observador apurou, há um entendimento “relativamente pacífico” entre PSD, PS e CDS quanto à interpretação da letra da lei do Estatuto do Deputado em vigor. BE e PCP foram as vozes contra na reunião desta terça-feira, por entenderem que há uma incompatibilidade de princípio no exercício das funções de deputado e de advogado.

A necessidade de reformular os pareceres pretende-se com a ideia de os tornar mais defendidos e fundamentados do ponto de vista jurídico, “não se baseando apenas no que disse o deputado”. Ao Observador, fonte da comissão de ética sublinha que há iniciativas legislativas dos vários partidos no sentido de vir a alterar o Estatuto do Deputado para limitar o espectro dos deputados-advogados, o que prova que, por haver essa necessidade de alteração, a lei em vigor ainda é muito permissiva. E, lembra a mesma fonte, o trabalho da comissão de ética prende-se apenas em analisar os casos “à luz da lei em vigor”.

Os deputados Sara Madruga da Costa (PSD), Pedro Delgado Alves (PS) e Fernando Anastácio (PS) são os relatores dos pareceres que deverão assim ficar prontos esta quarta-feira para serem votados na quinta-feira à tarde.