Ponta Delgada acordou com sol e calor, no quinto e último dia do Tremor #4, este sábado. O dia grande do festival tinha na agenda o Mini Tremor by Yoçor, que decorreu na Escola Secundária Antero de Quental. Foi uma manhã reservada às crianças e às famílias, com a animação garantida por palhaços, a projeção de curtas-metragens do Shortcutz Lisboa e, claro, música – dos Flamingods, que à noite se vestiram de adultos numa garagem antiga.
Depois da hora de almoço, as ruas foram acordando lentamente para o festival. A ronda das capelinhas teve início bem no centro da cidade e estava organizada como se fosse uma visita guiada. O horário e distribuição dos espetáculos pelas salas foi descendo em direção ao mar, ou seja, obrigou todos aqueles que levaram o programa a eito que fossem andando aos esses por entre as ruas.
O ponto de partida foi o quintal/terraço de um hostel, cuja entrada se encontra em obras – será, em breve, um novo restaurante. O cantautor Coelho Radioativo (João Sarnadas) começou a festa com a lentidão que se esperava, a pedir manta na relva para poupar as pernas, que o dia ia ser longo. A partir dali foi sempre a descer pela cidade, primeiro numa rua à direita e depois à esquerda e por aí adiante, até às Portas da Cidade.
Todos os locais convertidos em salas de espetáculo estavam a uma distância confortável, de minutos apenas, o que por um lado poupava o corpo e, por outro, deu a oportunidade de não se perder muito tempo entre os concertos que iam começando com intervalos de 15 minutos.
Os espaços foram bem escolhidos. O Coelho Radioativo atuou num quintal; Filipe Furtado, um filho da terra que tocou pela primeira vez na ilha, numa sala de estar do primeiro andar do ¾ Hostel; a excêntrica e contorcionista Eartheater (Alexandra Drewchin) numa galeria de arte; a dupla PMDS no auditório da biblioteca pública; os Camera na estação de correios; os WE SEA numa loja de bacalhau (o cheiro era mesmo intenso); a dupla portuense Vive les Cônes numa loja de roupa; o belga Manu Louis no primeiro andar de um restaurante; e “Valério is in da casa”, o hip hop na rua de um miúdo de São Miguel, que com 17 anos garante uma pedalada que muitos mais velhos e experientes não conseguem.
Foi praticamente o dia todo assim, com tudo o que o Tremor prometia: espetáculos em ponto pequeno e em formato intimista. Até o estado do tempo deu uma ajuda, com a chuva a fazer jus à ilha que tem as quatro estações do ano num só dia.
Vimos e ouvimos de tudo um pouco, este sábado. Do baladeiro chato à boa música de dança, passando pelo rock alternativo e pesado (e inaudível), pela eletrónica experimental e até pelo absurdo, com uma artista a babar-se e outro a tocar (?!) de costas para o público. Mas pouco importou, foi tudo parte da experiência.
Os nomes grandes ficaram para a noite, com os micaelenses Morbid Death, uma das primeiras bandas portuguesas de música pesada, a tocarem numa garagem de automóveis. O cenário condizia mas o som era absolutamente insuportável e foi pena, a música poderosa merecia mais.
Ali ao lado, no Coliseu, os Mão Morta apresentaram-se em estreia na ilha para uma retrospetiva de 30 anos de carreira. A sala esteve quase sempre a meio gás, foram recebidos mais com curiosidade do que com saudosismo. Ainda assim, o público gostou de voltar a ouvir temas como “Budapeste” ou “Em Directo (Para a Televisão)”.
De volta à antiga garagem Varela, foi interessante perceber que os Flamingods tinham, assim a olho, mais assistência que os Mão Morta, o que foi revelador e nos fez perceber que isso do “alternativo” tem limites. A confirmação surgiu logo depois, no Coliseu, com a enchente que recebeu o angolano septuagenário chamado Bonga. Contas feitas, o que a malta – de todas as idades e nacionalidades – quer é baile.
O Tremor é uma iniciativa extraordinária que traz aos Açores artistas e estilos pouco convencionais, que estende o palco aos talentos locais e que dinamiza, de forma ímpar, a cidade de Ponta Delgada. Tem bom espírito, um excelente ambiente e imagens e sons e cheiros que se colam à pele. Ainda tem caminho para andar, é certo, mas já garantiu um lugar no roteiro dos festivais mais cool do país.
O Observador viajou a Ponta Delgada a convite do Festival Tremor, com o apoio do Turismo dos Açores e da SATA.