(Artigo originalmente publicado a 17 de abril de 2017 na sequência dos casos de sarampo, em Portugal, nesse ano)

Desde o início do ano foram notificados, em Portugal, 26 casos de sarampo, mais do que nos últimos 10 anos todos somados. Os números apontam para um “surto” de sarampo. Embora descarte a hipótese de uma “epidemia de grande magnitude”, o diretor-geral de Saúde antecipa que o número de casos suba nos próximos dias.

Face à crescente dimensão do problema, que se reflete numa maior preocupação junto das famílias, o Observador foi procurar resposta para nove questões-chave sobre esta doença.

O que é o sarampo?

O sarampo é uma das infeções virais mais contagiosas, habitualmente benigna e que se cura ao fim de poucos dias. Em alguns casos, pode tornar-se grave ou mesmo fatal. Contudo, é uma doença com possibilidade de eliminação, uma vez que a transmissão é exclusivamente entre pessoas e há uma vacina muito eficaz, disponível gratuitamente.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As complicações decorrentes da infeção por este vírus são raras em crianças bem nutridas, mas em algumas situações podem ser muito graves: encefalite (infeção do cérebro) ou pneumonia. E há ainda uma complicação muito grave e mais rara ainda: a Panencefalite Esclerosante Subaguda, que resulta de uma infeção do cérebro, onde o vírus fica adormecido, até ser reativado. Ocorre num em cada 100 mil casos.

A doença é, normalmente, mais grave nos adultos do que nas crianças.

Quais os sintomas do sarampo?

O sarampo apresenta vários sintomas em diferentes fases. Numa primeira fase — o chamado período prodrómico ou catarral — aparece febre (igual ou superior a 38.º C), conjuntivite, congestão, corrimento nasal e tosse. Também logo nos primeiros dias podem surgir as manchas de Koplik que são pequenos pontos brancos na mucosa oral (na parte de dentro da boca junto aos molares).

Entre o terceiro e o sétimo dia é habitual aparecerem as manchas na pele de cor avermelhada (exantema maculopapular). Estas pequenas borbulhas começam por aparecer no rosto e alastram pelo tronco e pernas, permanecendo durante quatro a sete dias.

Os critérios clínicos para classificar o caso como sarampo são: a febre e o exantema maculopapular juntamente com, pelo menos, um dos três seguintes: tosse, rinite ou conjuntivite. Mas só se confirma o caso se a pessoa, além de preencher estes critérios clínicos, der positivo também nas análises laboratoriais efetuados pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.

Como se transmite?

O sarampo transmite-se pelo contacto pessoa-a-pessoa, por via aérea, através de gotículas ou aerossóis (tosse, por exemplo). E as pessoas não vacinadas e que nunca tiveram sarampo têm uma elevada probabilidade de contrair a doença. As vacinadas ou que já tiveram sarampo na infância ou adolescência também podem vir a contrair a doença, mas as consequências serão muito menos graves.

O período de incubação da doença é, normalmente, de 10 a 12 dias, podendo variar entre 7 e 21 dias, sendo que nos adultos o período de incubação é mais longo do que nas crianças.

E o período de transmissão inicia-se entre os quatro dias antes até quatro dias depois do aparecimento das manchas na pele. A DGS refere que “a transmissão é mínima após o 2º dia do exantema”. No caso dos doentes imunocomprometidos o período de contágio pode ser mais prolongado.

Como se trata o sarampo?

Embora seja uma doença potencialmente grave, o sarampo, como muitas outras doenças virais, não tem um tratamento específico. Excetuando nos casos mais graves, o tratamento passa por repouso e medidas terapêuticas para reduzir a febre e aliviar sintomas como a congestão nasal ou a tosse.

Quem está protegido contra esta doença?

Ninguém está 100% protegido, mas a vacinação é a principal medida de prevenção contra o sarampo. A VASPR (contra o sarampo, papeira e rubéola) faz parte do Programa Nacional de Vacinação e é gratuita. A primeira dose é administrada aos 12 meses (com uma eficácia de 95%) e a segunda entre os cinco e os seis anos (que vem reforçar a primeira dose). As crianças que já tinham mais de seis anos quando se introduziu o novo Programa Nacional de Vacinação, devem ser vacinadas com a VASPR entre os 11 e os 13 anos, como acontecia até ao novo programa.

Além destas pessoas que foram vacinadas na infância, estão também imunizadas aquelas (normalmente com mais de 40 anos) que já tiveram sarampo no passado.

A vacina, só por si, não garante que a criança ou adulto fique infetado, mas diminui os riscos de complicações.

Os bebés até aos 12 meses devem ser vacinados?

Para já não há indicação para tal. “Estamos a ouvir pediatras, especialistas em infecciologia e professores e ainda não há decisão”, respondeu, esta segunda-feira, Francisco George, quando questionado pelos jornalistas.

O diretor-geral de Saúde explicou que “as crianças têm a proteção que as mães lhes conferiu até aos nove meses. Há ainda a circular anticorpos transmitidos pela mãe. Daí que as crianças antes dos seis meses raramente têm doenças infecciosas”.

Em relação a este ponto, também a pediatra e diretora do departamento de infecciologia do Hospital D. Estefânia, em Lisboa, Maria João Brito, explicou que “abaixo dos 12 meses as crianças podem fazer uma vacinação em situações excecionais, em situações epidémicas”, o que não é o caso que se vive no presente momento, em Portugal. “Nesta altura não há nenhuma epidemia de sarampo em Portugal. Há um surto de sarampo.”

Também no documento do “Programa Nacional de Eliminação do Sarampo”, da DGS, lê-se que “a vacinação entre os 6 e os 12 meses, em situação de viagens, de pós-exposição a um caso ou no âmbito de atividades adicionais de vacinação (diminuição de suscetíveis e/ou controlo de surtos) apenas será efetuada por indicação expressa da DGS, da Autoridade de Saúde ou prescrição do médico assistente”.

Qual a origem do presente surto?

Sobre a origem do surto, que tem essencialmente dois focos — Lisboa e Algarve — Francisco George não adiantou pormenores, mas referiu que “as nossas relações são muito estreitas com França”. “Todos os dias há muitos milhares de portugueses e franceses que atravessam a fronteira e temos muitos franceses a viver em Portugal e todos estes problemas têm reflexos em termos de saúde pública”, explicou, minutos depois de ter dito que a realidade de pais que não vacinam os filhos é muito expressiva em países como a França.

O primeiro caso de sarampo foi identificado numa pessoa que viajou para a Venezuela, onde terá contraído a doença. E o segundo, no Algarve, uma criança de 11 meses (não vacinada). Esta criança portuguesa “terá sido contagiada por um familiar próximo que vive noutro país da União Europeia que veio a Portugal e que entretanto já regressou ao local de origem”, explicou, na altura, a subdiretora geral de saúde, Graça Freitas, ao DN.

Entretanto nos últimos dias, em Lisboa, foram noticiados mais seis casos: uma criança de 13 meses, não vacinada, que deu entrada no Hospital de Cascais, no final de março, e que lá contagiou quatro funcionárias que, por estarem vacinadas, não tiveram sintomas muito graves, e ainda uma jovem de 17 anos que se encontrava internada no hospital.

Neste momento, esta jovem configura o caso mais grave. Tal como o Expresso avançou este fim de semana, a jovem de 17 anos foi já transferida para a D. Estefânia, onde se encontra nos cuidados intensivos, num quarto de pressão negativa e em isolamento. A jovem está em estado “muito grave” e “instável”, segundo a atualização feita pelo hospital, esta terça-feira.

Ao todo há, neste momento, 26 casos notificados: 21 confirmados e cinco em análise no Instituto D. Ricardo Jorge.

A vacinação contra o sarampo em Portugal e a evolução da doença

Até 1974 todas as crianças tinham sarampo. A vacinação organizada contra o sarampo em Portugal teve início em 1973, com a introdução da vacina monovalente contra o sarampo (VAS) no Programa Nacional de Vacinação. Nesse ano foi lançada uma campanha de vacinação entre as crianças dos 1 aos 4 anos de idade que vigorou até 1977. Em 1987, a VAS foi substituída pela VASPR (sarampo, parotidite epidémica e rubéola), sendo recomendada aos 15 meses de idade. Mas a cobertura alcançada não foi suficiente para impedir a epidemia de 1987-89, altura em que foram notificados às autoridades de saúde 12.000 casos e cerca de 30 óbitos.

Em 1990 foi introduzida a segunda dose da vacina VASPR, por volta dos 11 a 13 anos de idade, mas também não foi suficiente para anular as assimetrias regionais na cobertura da vacinação. Em 1993-94 voltou a registar-se uma epidemia, com cerca de 3.000 casos notificados.

Em 2000, a segunda dose da vacina foi antecipada para os 5-6 anos de idade. E o Programa Nacional de Vacinação de 2012 antecipa a primeira dose dos 15 para os 12 meses de idade.

Atualmente a cobertura vacinal é superior a 95% mas, como referiu o diretor-geral de Saúde em entrevista à Antena 1, esta segunda-feira, “97, 98 a 99% da população” está imunizada porque antes de 1974 todas as crianças tinham sarampo. Portanto, os adultos que não foram vacinados já tiveram a doença, o que diminui muito os riscos de voltar a contrair a doença, e, contraindo, diminui as consequências.

Em 2006, a OMS certificou a eliminação do sarampo e da rubéola em Portugal. Entretanto só nos primeiros quatro meses deste ano registaram-se mais notificações de casos de sarampo do que entre 2006 e 2014 (19 casos, quase todos importados). A DGS já disse que dos 21 casos já confirmados (os outros cinco estão a ser analisados), foram registados sobretudo junto de pessoas não vacinadas.

Qual a situação epidemiológica na Europa?

Além de Portugal, há mais 13 países europeus com notificações de casos de sarampo desde o início do ano: Roménia (4.025 casos e 18 mortes); Itália (1.333); Alemanha (272); Bélgica (266); França (79); Áustria (72); Suíça (52 e um morto); Espanha (35); Bulgária (30); Suécia (15); Hungria (13); Islândia (2) e Dinamarca (1).

Em outubro do ano passado, numa reunião que houve a propósito do sarampo e da rubéola, concluiu-se que dos 53 países pertencentes à região europeia da Organização Mundial de Saúde, 24 declararam ter atingido o objetivo da eliminação do sarampo e outros 13 diziam estar a caminho dessa meta. Havia ainda seis países, contudo, com transmissão endémica de sarampo: Bélgica, França, Alemanha, Itália, Polónia e Roménia.