O contrato em regime leasing dos helicópteros EH-101 Merlin — que fazem as operações de busca e salvamento na costa portuguesa — termina em outubro de 2020. Mas, antes disso, em outubro de 2018, caduca o contrato de manutenção dos 12 aparelhos atualmente ao serviço da Força Aérea. Esse vazio de dois anos entre o fim dos contratos tem de começar a ser acautelado pelo Ministério da Defesa dentro de alguns meses, porque os aparelhos não podem continuar a voar sem as devidas inspeções. Mas o fabricante é a única entidade capaz de assegurar a manutenção (e tem havido alguns problemas com a operacionalidade e a manutenção dos Merlin). Se quiser ter os aparelhos a voar, o Estado está dependente das condições que a italiana Leonardo Helicopters — antiga Agusta Westland — levar para a mesa das negociações. O fabricante diz ao Observador que vai tentar encontrar uma “solução financeiramente sustentável” com o Estado.
Comprados em 2001, os primeiros helicópteros EH-101 começaram a chegar a Portugal em junho de 2004. Pouco tempo depois, o Ministério da Defesa viu-se de mãos atadas porque o contrato inicial não garantia todas as necessidades de manutenção. Sem meios próprios para assegurar a manutenção das aeronaves a longo prazo, a Defloc — Locação de Equipamentos de Defesa, SA, “uma sociedade instrumental para a concretização de um único contrato”, o dos EH-101 — voltou-se para o fabricante, a Leonardo Helicopters, para negociar um contrato que garantisse a operacionalidade dos 12 aparelhos. A Força Aérea já tinha manifestado interesse em assumir essa responsabilidade, mas, sem estar credenciada para o efeito, seria uma carta fora do baralho.
Agora, a meses de o Ministério da Defesa — através da Defloc, Locação de Equipamentos de Defesa, SA, empresa participada pelo Estado — arrancar com um novo processo negocial para a manutenção dos helicópteros, dada a aproximação do fim do contrato, há semelhanças com o passado. Tal como em 2004, a Força Aérea Portuguesa (FAP) não afasta o interesse em ver-lhe atribuída a manutenção dos aparelhos usados em missões de busca e salvamento em combate e fora de combate (dez aparelhos) e de fiscalização e controlo das atividades de pesca (outros dois).
Todas as hipóteses para a manutenção da frota são válidas e serão consideradas e, atempadamente, optar-se-á pela que melhor salvaguarde os interesses da Força Aérea e do país”, refere o gabinete de relações públicas do ramo, em resposta ao Observador.
Há, no entanto, diferenças em relação ao contexto em que essa intenção foi manifestada. Ainda que oficialmente esse ponto não seja assumido, a atual falta de meios humanos que se faz sentir no ramo (mas que não é exclusiva da Força Aérea) traz dificuldades acrescidas para que a FAP possa assumir tal responsabilidade. Além disso, as oficinas do ramo nunca foram credenciadas pelo fabricante para realizar a manutenção dos helicópteros.
E o ministério não mostra interesse em avançar com esse processo — pelo menos antes de outubro de 2018, quando se esgota o prazo de validade do contrato em vigor. Os “trabalhos [de renegociação do contrato de manutenção] terão em conta o planeamento de emprego operacional dos meios, por parte da Força Aérea, não se encontrando, por ora, prevista qualquer alteração de fundo no contrato Full In Service Support, no sentido de alocar àquele ramo outras responsabilidades que as atuais, no que respeita à sustentação logística das aeronaves e que se cinge à manutenção quotidiana“, responde ao Observador o ministério liderado por José Alberto Azeredo Lopes. Por outras palavras, a Força Aérea continua a não ser opção.
Conclusão: a Leonardo é a única interlocutora disponível para assegurar a manutenção dos aparelhos. O Ministério da Defesa pode negociar, mas só e apenas com a empresa italiana. Da parte do fabricante, o interesse é “continuar a garantir este serviço” além da data de conclusão do contrato, no final de 2018.
Vamos trabalhar arduamente em conjunto com o nosso cliente e operador para encontrar uma solução financeiramente sustentável que vá ao encontro dos requisitos operacionais” da Força Aérea, refere o fabricante, em resposta às questões colocadas pelo Observador, remetendo mais informações sobre o fim do contrato de locação para o cliente, o ministério.
Anualmente, Portugal senta-se à mesa com representantes dos EUA, Canadá, Reino Unido e Itália. O chamado users group (ou grupo dos utilizadores) foi a solução encontrada para exercer pressão junto do fabricante por parte dos grandes clientes da Leonardo com EH-101 nas respetivas frotas. Todos têm a consciência da posição dominante que a construtora assume neste tabuleiro. “Juntos, somos mais fortes” podia ser o lema de um grupo que se reúne regularmente para manter alguma força na negociação de melhores condições para a compra de peças dos helicópteros e, eventualmente — muito eventualmente –, para a renegociação de contratos de manutenção.
Defesa quer “comprar” os helicópteros?
Depois, há o outro contrato, chamado contrato de locação, celebrado entre a Defloc e o Estado português, que termina em outubro de 2020. Como os EH-101 foram comprados em leasing, a propriedade dos helicópteros é da Defloc, a entidade locadora. Ao Observador, uma fonte oficial da Defesa refere que nesse momento, “ou no momento em que a locadora seja extinta” — algo que o ministério já tentou fazer por duas vezes, ambas no mandato de José Pedro Aguiar-Branco e ambas sem sucesso — “a universalidade dos direitos e responsabilidades da mesma devem ingressar na esfera jurídica do Estado e as aeronaves por si detidas deverão passar a estar afetas ao Ministério da Defesa Nacional”.
A resposta do ministério abre a porta à compra dos equipamentos dentro de três anos. Mas, para tal, seria necessário que, nesse momento, o Governo tivesse disponíveis 40,4 milhões de euros para pagar o valor do crédito em falta ao BPI e à Caixa Geral de Depósitos.
Foi com recurso a empréstimos contraídos nestas duas instituições que a Defesa pôde avançar com a compra dos 12 EH-101 colocados ao serviço da Força Aérea. Para dar o contrato por resolvido, a regra é “não haver dívidas por saldar“. É, por isso, forçoso ter o dinheiro disponível — foi, aliás, essa a resposta que Aguiar-Branco recebeu quando tentou concretizar a extinção da Defloc, sendo certo que o valor a liquidar era, em 2013 e em 2015, consideravelmente superior ao atual. Para resolver o contrato hoje seriam necessários cerca de 100 milhões de euros naquela época.
Uma solução alternativa passa — tal como em breve se fará com a manutenção — pela renegociação do contrato de leasing com a CGD e o BPI, prolongando o prazo de validade. O ministério não abre o jogo sobre o que pretende fazer. Por um lado, está a arrancar agora a preparação da revisão da Lei de Programação Militar e ainda serão precisos longos meses até que haja uma decisão final neste capítulo determinante para que fique definido em que áreas vão ser investidas verbas nos próximos anos. Por outro lado, a tutela argumenta que, a quatro anos de essa decisão ser tomada, “é prematuro” fechar o dossier.
Até outubro de 2020, o Estado vai pagar mais 80 milhões de euros à Defloc pelos EH-101, referentes às prestações semestrais de 11,4 milhões de euros que vencem a cada mês de abril e outubro. Chegado esse momento, ou a Defesa paga os cerca de 40 milhões de euros em falta ou renegoceia um novo prazo para o fim do contrato. “Quando o contrato [de locação] caducar, os helicópteros locados serão devolvidos à Defloc, podendo esta aliená-los ou locá-los ao Estado ou a uma terceira entidade”, de acordo com o contrato de locação.
Segredo militar blinda informação do contrato
No mesmo momento em que comprou os 12 helicópteros à Leonardo, a Defloc e o fabricante estabeleceram as condições em que os aparelhos deviam operar. Pelo menos sete dos 12 deviam estar operacionaissso a todo o momento. Menos que isso e o fabricante teria de pagar uma indemnização a Portugal; mais do que isso e seria o Estado a compensar a empresa pelo bom desempenho dos equipamentos.
No relatório de uma auditoria à Empordef/Defloc, feita em 2012 e focada exclusivamente nos contratos de locação e manutenção dos EH-101, o Tribunal de Contas (TC) refere que, “em agosto de 2007, decorridos cinco meses após a entrada em vigor do referido contrato [de manutenção] de curto prazo, a Defloc, alegando não ter até então recebido qualquer verba do Ministério da Defesa Nacional, transmitiu ao ministério, à secretaria-geral do ministério e ao chefe do Estado-Maior da Força Aérea preocupação quanto à operacionalidade da frota EH-101, face à informação da FAP de que se encontravam indisponíveis quatro helicópteros”.
Menos de um ano depois, já havia cinco helicópteros em terra, sendo que um se encontrava nessas condições “há mais de um ano”. Aliás, um dos EH-101, entregue em abril de 2005, tinha estado, segundo a própria Defloc, 56 meses parado (durante quase 70% do tempo em que esteve em Portugal não pôde ser utilizado).
E, numa avaliação global, o TC referia que, “entre maio de 2007 e dezembro de 2011, o período médio de inoperacionalidade por aeronave foi de 39%”, o que se traduzia numa “média de 32 meses de inoperacionalidade em 83 meses de possível utilização”.
A Defloc argumentou, nessa fase, que a “inoperacionalidade” dos helicópteros decorria da “insuficiência do modelo de assistência” em vigor. O contrato de manutenção de longo prazo assinado com o fabricante surge para colmatar essa situação. Mas o problema continua a arrastar-se, a partir daí, por “atrasos, por vezes significativos, na disponibilização por parte da secretaria-geral do Ministério da Defesa das verbas necessárias ao pagamento das faturas do fornecedor”.
Perante este cenário, o Observador tentou obter junto da Força Aérea, que é obrigada a transmitir trimestralmente essa informação à Defloc — e da própria Defloc — que reporta a informação ao ministério — dados sobre a operacionalidade dos helicópteros e sobre as consequências financeiras desses resultados, a partir de 2012.
Sobre este dado em concreto, a Força Aérea justifica a ausência de resposta com a necessidade de acautelar informações sensíveis. Ao tornar públicos os dados sobre o tempo em que os helicópteros estiveram em condições de voar, o “inimigo” fica também na posse dessa informação. Do lado do ministério, a posição não foi diferente. Torna-se, por isso, impossível apurar quanto é que o Estado recebeu ou quanto teve de pagar.