Os últimos dias trouxeram um debate aceso sobre as capacidades de Lisboa e Porto acolherem a Agência Europeia do Medicamento. Qual das duas cidades portuguesas reúne mais condições? O Governo quer Lisboa, mas o Porto não merecia ser tido e achado? A decisão será tomada pelos estados-membros da UE em outubro e aí a discussão Lisboa/Porto não tem dimensão, sobretudo porque nem sequer a capital do país parece mostrar-se à altura das exigências.
Esta é pelo menos a conclusão de um relatório da KPMG suíça, numa encomenda feita por uma parte interessada: a Novo Nordisk A/S, uma companhia global de cuidados de saúde com sede na Dinamarca, país que também está a preparar uma candidatura para acolher a Agência. Ainda assim, no relatório a que o Observador teve acesso, Copenhaga não aparece em primeiro, mas sim Paris. E Lisboa? Fica em penúltimo lugar — entre 16 cidades potenciais candidatas — com apenas 37 pontos, em 80 possíveis. Num dos cinco critérios analisados é mesmo a pior cidade nesta corrida.
Ranking final da KPMG
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- Paris – 63 pontos
- Copenhaga – 62
- Estocolmo – 57
- Munique – 57
- Amesterdão – 56
- Berlim – 55
- Viena – 52
- Lyon – 52
- Bona – 50
- Dublin – 48
- Bruxelas – 48
- Barcelona – 46
- Madrid – 41
- Milão – 38
- Lisboa – 37
- Roma – 32
Até 2018, a Agência do Medicamento estará sediada em Londres, no centro de negócios Canary Wharf, e tem de encontrar novo poiso europeu, depois do Brexit. A decisão caberá aos Estados-membros que já têm um esboço dos principais critérios a cumprir por quem se pretende candidatar a receber as instalações da agência que tem cerca de 900 funcionários. O assunto deverá ser debatido no Conselho Europeu do final da próxima semana.
A KPMG, para a auditoria que fez, pegou nos critérios da Federação Europeia das Associações e de Indústrias Farmacêuticas, que vão desde o desenvolvimento do setor em causa na cidade candidata, à qualidade de vida que pode proporcionar às famílias dos empregados (não são muito diferentes dos requisitos da Comissão e Conselho Europeu que já se conhecem):
- Importância do setor bio-farmacêutico no país e o números de empresas na área;
- O relevo da comunidade de investigação da área das ciências médicas, com disponibilidade local de especialistas em diferentes campos científicos;
- Conectividade, ligações de transportes, capacidade hoteleira e a língua;
- Envolvimento das entidades reguladoras nacionais;
- Infraestruturas de suporte para membros da família da equipa da agência: escolas (por exemplo, Escola Europeia), habitação, emprego para os cônjuges.
No terceiro ponto — um dos que é muitas vezes referido pelos governantes nacionais, quando falam nas vantagens da capital face ao Porto — Lisboa é mesmo considerada a pior cidade, das analisadas, recolhendo a pontuação mais baixa entre as cidades avaliadas: apenas quatro pontos. Paris, a melhor classificada neste critério, soma 11 pontos. A capital francesa tem 499 hóteis, entre três e quatro estrelas, enquanto Lisboa tem 79 (os mesmos que Copenhaga, a segunda melhor classificada no ranking final), de acordo com o relatório.
O melhor desempenho lisboeta é mesmo quanto à qualidade de vida que pode oferecer às famílias dos funcionários da agência, onde teve 15 pontos (Copenhaga, a melhor classificada neste item, tem 19 pontos). Neste capítulo, Lisboa beneficia sobretudo de indicadores do país como o das diferenças salariais entre homens e mulheres: o relatório da auditora mostra Portugal como o terceiro melhor desta lista de países, apenas atrás de Dinamarca e Suécia.
A mudança das instalações da Agência do Medicamento vai implicar a deslocalização de centenas de famílias (no ano passado estavam envolvidas mais de 600 crianças, familiares de funcionários, com idades compreendidas entre os 0 e os 18 anos), bem como o trânsito de 36 mil visitantes relativos à agência, com permanências de 4 dias na cidade, e ainda 30 mil dormidas, de acordo com dados da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, no comunicado conjunto divulgado no final de maio.
Uma oportunidade que fez girar cabeças em Lisboa, com o Governo a candidatar a capital do país. O Porto contestou a decisão e António Costa explicou os motivos do seu Governo: em Lisboa a Agência estaria mais próxima do Infarmed e ao ter três agências, a cidade poderia criar uma Escola Europeia. Este é um ponto considerado importante também no comunicado conjunto. As duas instituições europeias falaram em seis critérios, sendo o terceiro o acesso a escolas adequadas por parte dos familiares da equipa que for deslocalizada para a cidade (o requisito multilingue é considerado central). Também quer condições de acesso ao mercado de trabalho ou ao sistema de Segurança Social e de saúde para os familiares dos empregados.
Mas o primeiro critério da lista da Comissão de do Conselho é que a cidade possa ter tudo preparado para que a agência esteja pronta a funcionar nas suas novas instalações no dia em que o Brexit se consumar (algures em 2019). Depois pede também uma boa rede de transportes, estando em análise a duração dos voos de ligação dentro da Europa, por exemplo. Por fim, a União Europeia valoriza a capacidade do país atrair gente qualificada.
A questão da instalação da Agência tem acendido os ânimos da rivalidade Lisboa/Porto, nas últimas semanas, com críticas de centralismo, sobretudo depois de o Governo ter preferido candidatar Lisboa em vez do Porto — a contenda eleitoral das autárquicas acabou por não ser alheia a esta agitação. E a questão contagiou mesmo o Parlamento que, depois de ter votado por unanimidade uma saudação da candidatura, acabou por ter alguns dos deputados a voltarem estrategicamente atrás depois de conhecerem a vontade do Porto em candidatar-se.
Com o ambiente altamente sensível, o próprio primeiro-ministro tentou vir deitar água na fervura, garantido que a equipa que se deslocou a Londres para avaliar uma candidatura nacional conclui que Lisboa tinha melhores condições. De acordo com fonte oficial do Governo, citada pela Lusa, “foi explicado ao primeiro-ministro que Lisboa oferecia melhores garantias de segurança do que o Porto e que a opção pela capital portuguesa era a única que reunia condições mínimas de êxito da candidatura”. O país tem até ao último dia de julho para formalizar uma candidatura em Bruxelas. Os Estados-membros devem tomar a decisão em outubro deste ano.