Foi a primeira oportunidade de Governo e oposição se defrontarem em relação à tragédia de Pedrógão Grande mas, ao contrário do que tem acontecido nos últimos dias, os ânimos não se exaltaram. O primeiro-ministro não atirou o erro dos “suicídios” contra o líder da oposição, que também não responsabilizou diretamente o Governo (optou pela referência ao “Estado”) pelas 64 mortes.
Assunção Cristas subiu o tom para sugerir que António Costa não “tem ideia do que deve ser a função do primeiro-ministro” na gestão de uma catástrofe desta dimensão, exigindo respostas políticas imediatas, e Pedro Passos Coelho pediu ao primeiro-ministro que acionasse o mecanismo de indemnização das vítimas. Mas para um e para outro, António Costa só tinha uma resposta: o Governo não vai “inventar” respostas. Primeiro, é preciso apurar responsabilidades. Se houver responsabilidades do Estado, então irá assumi-las e irá indemnizar as vítimas, que, de resto, são em número muito superior às 64 vítimas mortais.
Num debate quinzenal inteiramente centrado nas falhas e responsabilidades do incêndio de Pedrógão, o primeiro-ministro ainda deixou algumas novidades: admitiu divergências na versão do SIRESP, que aponta para a inexistência de falhas, e na versão da Proteção Civil, que, enquanto utilizadora, aponta para várias falhas de comunicação; admitiu nova revisão do contrato com o SIRESP; anunciou aquisição de antenas satélites por ajuste direto e apelou ao consenso alargado em torno da reforma florestal. Sugeriu mesmo que, se o problema do cadastro florestal é o facto de se pagar impostos, então que se faça o cadastro dos terrenos sem qualquer cobrança de impostos.
Indemnizações para as famílias das vítimas
Indemnizar as vítimas? Sim, mas não já. Pedro Passos Coelho abriu o debate a rejeitar o “jogo do empurra”, mas a pedir responsabilidades. Para o líder do PSD é ponto assente que o Estado falhou — porque “o Estado falha quando morrem tantas pessoas” — pelo que o Estado tem de agir já no sentido de minorar os danos. Lembrando outras situações, como o desastre da ponte de Entre os Rios, em que, segundo o PSD, foi ativado em quatro dias o mecanismo de indemnização das vítimas, Passos Coelho perguntou ao primeiro-ministro se o Governo iria ou não ativar um “mecanismo rápido de indemnização das famílias das vítimas”. Costa disse que sim, mas só se ficar provada a responsabilidade do Estado.
Uma questão de “responsabilidade objetiva do Estado”. A divergência está no conceito. Para Passos, o facto de terem morrido 64 pessoas na sequência de uma tragédia é motivo suficiente para provar que “houve responsabilidade objetiva do Estado”, pelo que o mecanismo de indemnizações deve ser acionado o quanto antes, porque depois leva o seu tempo. Costa diz que não quer que as pessoas andem num “calvário judicial”, mas defende que é preciso primeiro apurar todas as responsabilidades, para saber se houve de facto responsabilidade do Estado. “É claro que havendo responsabilidades do Estado, o Estado as deve assumir”, mas é preciso saber se houve. Até porque as circunstâncias das mortes foram diferentes entre si, e se o Estado assumir todas as responsabilidades, estará a desonerar os restantes culpados.
As falhas e as contradições do SIRESP
Falhou ou não falhou? Costa assume versões diferentes. O primeiro-ministro assumiu que a versão do SIRESP é diferente da versão da Proteção Civil, enquanto utilizadora. “Há uma grande divergência entre os que uns e outros dizem” que “tem de ser esclarecida”. Referindo-se a detalhes técnicos, António Costa explicou que quando ardem os cabos da MEO, a tecnologia do SIRESP pode funcionar em “modo local”: “Aqui é que a divergência deixa de ser explicável”, entre os utilizadores e a operadora. A seguir deixou um sinal que visa a entidade que gere o SIRESP ao dizer que vai ver se o contrato foi cumprido: “O Estado tem de o fazer por dever ético e dever legal. Porque há contratos e contratos que tem de ser cumpridos. Se houve “incumprimento dos contratos” deverá haver consequências.
Revisão do contrato? Costa admite que sim. A questão dos contratos foi levantada por diversas vezes mas foi a deputada ecologista Heloísa Apolónia que foi diretamente ao ponto, depois de Costa ter assumido que os contratos existentes deviam ser cumpridos: “Os contratos têm de ser cumpridos mas então é preciso rever os próprios contratos, porque muitas vezes são estes que são condescendentes e permitem as falhas”, disse. Foi aí que o primeiro-ministro defendeu que todos os contratos devem ser revistos, tal como já foram “por duas vezes”, admitindo vir a fazer agora nova revisão.
SIRESP público? BE diz que sim, Costa não diz que não. “O Estado não pode continuar a pagar a uma concessionaria que depois falha sempre”. Catarina Martins criticou a parceria público privada que gere o sistema de comunicações de emergência e defendeu um SIRESP inteiramente público. António Costa não disse que sim, nem que não.
Aquisição de novas antenas. António Costa anunciou a compra de novas antenas satélite por ajuste direto. “A ministra já ordenou a aquisição por ajuste direto das antenas satélite que permitem assegurar redundâncias em situações em que se repita a destruição da rede de comunicações”, avançou, anunciando também que vai haver um reforço das equipas de sapadores florestais.
As responsabilidades: quem as assume?
Respostas já. “Há tempo para os estudos, para análises técnicas e reformas estruturais, mas agora é tempo da responsabilidade política”, começou por dizer Assunção Cristas, perguntando diretamente ao primeiro-ministro “como foi possível acontecer esta tragédia?”. A líder do CDS subiu o tom para dizer que de um primeiro-ministro se espera coordenação superior e respostas políticas. Mas Costa prefere esperar. “Prefiro aguardar pelas conclusões para depois tirar a minha própria conclusão”, disse.
Sem precipitações nem invenções. Para António Costa, é preferível não haver resposta do que haver uma resposta errada. “Sei que ninguém quer respostas precipitadas. Prefiro aguardar para ter a certeza do que digo, do que dizer algo agora que amanha não posso confirmar”, disse em resposta à líder do CDS. É uma questão de método: “Eu pergunto primeiro, depois tiro as minhas conclusões. São métodos. O método que eu sigo, é o que considero que todos os responsáveis políticos devem seguir”. Costa disse ainda a Cristas que “a resposta política não é a resposta da invenção. Como foi a origem do incêndio? Podia pôr-me aqui a inventar. Quando eu aqui disser se houve ou não falhas na estrutura de comando, é porque tenho a convicção. Não é a convicção como António Costa, é a convicção como primeiro-ministro”.
Esperar pelos inquéritos em curso. O que o primeiro-ministro repetiu em todo o debate foi que era preciso esperar pelos inquéritos em curso. E são vários: o relatório final do IPMA, o relatório interno da GNR, o inquérito à atuação da secretaria-geral da Administração Interna, que é a entidade que gere o SIRESP e uma auditoria global da rede SIRESP pedida a um laboratório independente associado ao Instituto das Telecomunicações.
Reforma florestal para acabar com a “eucaliptolândia”
A prioridade (e a responsabilidade) de todos. António Costa abordou logo o assunto numa das suas primeiras intervenções no debate: “Por mais que façamos no combate aos incêndios, só estamos a comprar tempo para fazer a reforma de fundo: a reforma da floresta”. Para o primeiro-ministro “há muito trabalho estrutural a fazer” e que, quanto à floresta, “de todos os partidos, ou quase todos, tenho ouvido boas sugestões”. O quase é porque o PSD não terá sido convidado para uma reunião, como aconteceu com os outros partidos. Passos Coelho também assumiu com “grande humildade” que todos os Governos nos últimos anos são “indiretamente” responsáveis pelo que aconteceu. E que, portanto, teria de haver mudanças. Também a porta-voz do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, defendeu que é preciso “começar já a reforma estrutural da floresta que o país precisa.”
A floresta como um banco resgatado e o convite ao PCP. O líder do PCP acusou o anterior governo de desviar 400 milhões de euros das florestas na aplicação do PRODER. Para o PCP, grande parte das práticas florestais nem precisam de legislação, precisam é de meios financeiros, e por isso diz que o próximo Orçamento do Estado já deve contemplar este tipo de apoio financeiro. Daí que Jerónimo de Sousa deixe a pergunta: “O Governo está disponível para acudir à floresta portuguesa como se fosse um banco a precisar de resgate?” Na resposta, António Costa lembrou ao secretário-geral do PCP que há diplomas importantes relacionados com o cadastro florestal, com a proibição de alargamento da área do eucalipto, entre outras matérias que são “essenciais” e estão em discussão na Assembleia da República. O primeiro-ministro sabe que o PCP tem “manifestado discordância” com essas propostas, mas diz ao líder comunista que “o importante é irmos a jogo: aguardo que o PCP apresente também as suas propostas na especialidade. Vamos ao debate na especialidade. O Governo avaliará todas as propostas do PCP com abertura de espírito. Se chegarmos a acordo, excelente. Se não chegarmos, continuamos em frente. Nem sempre estivemos de acordo neste ano e meio.”
Ataque ao eucalipto, que, porém, não é o diabo que o pintam. O primeiro-ministro admitiu que tem de existir uma “limitação à expansão do eucalipto”. E acrescentou: “Não é que o eucalipto seja o diabo que pintam, mas tem de haver ordenamento, um ordenamento que tem de ser enquadrado nas espécies autóctones que são elas próprias uma barreira aos incêndios”. Em resposta à líder do BE, Catarina Martins, Costa defendia que “há que restringir o eucalipto e deslocalizá-lo para zonas de menor risco”, acrescentando que o cadastro florestal é a “condicionante de tudo” e que por isso “será feito sem impostos”. A líder do PEV, Heloísa Apolónia, lembrou mesmo que na “posição conjunta do Governo com ‘Os Verdes’ já estava contemplada a “necessidade de travar a expansão da área do eucalipto.” Heloísa Apolónia disse mesmo que é “preciso um novo paradigma para a floresta”, já que “Portugal tem de deixar de ser uma eucaliptolândia” e, para isso, é preciso “coragem política”. Na resposta, Costa lembrou que não basta travar os eucaliptos:“Não basta termos um outro tipo de arborização, é preciso outro tipo de ordenamento florestal. Quem percorre hoje o IC8 vê como o manto junto ao solo foi suficiente para que as chamas varressem toda aquela área, o que significa que a carga combustível não se resume ao eucalipto, resulta de uma enorme desocupação do território”.