Mais otimista até que o próprio Governo, o Fundo Monetário Internacional reviu esta sexta-feira as suas previsões para a economia portuguesa e aponta para mais crescimento, menos desemprego e até um défice em linha com a estimativa do Governo, atingido “confortavelmente”. A razão? Turismo, construção relacionada com o turismo e exportações.

Não é um cenário comum. Tanto é assim que Mário Centeno, desde que entrou para o Governo, atacou o FMI e a Comissão Europeia várias vezes, argumentando que as previsões destas instituições estavam erradas e não eram mais do que falta de confiança no Governo, até mesmo alguma cegueira ideológica.

Esta sexta-feira, pela primeira vez – pelo menos em muitos anos – o FMI reviu a previsão de crescimento para a economia portuguesa para valores superiores aos esperados pelo Governo, antecipando agora que a economia cresça 2,5% este ano, quando o Governo ainda mantém uma previsão oficial de 1,8%. O Banco de Portugal também previu recentemente que a economia cresça 2,5% este ano.

Mas o otimismo do FMI não se fica por aqui. De acordo com o comunicado publicado hoje, que resume os resultados da missão pós-programa, o FMI espera também que o desemprego seja mais baixo que o esperado pelo Governo – 9,7% contra 9,9% -, que o emprego cresça mais – 1,6% contra 1,3% -, que as exportações disparem – 7,6% contra 4,5% – e que o défice orçamental, a grande fonte de discórdia nas previsões entre FMI e o Governo, fique exatamente em linha com o que espera Mário Centeno e António Costa.

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A primeira e principal razão para o renovado otimismo do FMI é o crescimento acima do esperado. A economia está a crescer mais graças a mais um crescimento do turismo inferior, mas perto, dos 10%, pelo quarto ano consecutivo.

O impulso do forte crescimento do turismo está a puxar pelo investimento, com a construção relacionada com turismo a recuperar na primeira metade do ano.

Os preços das casas também estão a subir novamente, em parte devido ao investimento estrangeiro no mercado imobiliário, diz o FMI.

Banca mais estabilizada

Segundo o FMI, a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e o processo de venda do Novo Banco também ajudaram a melhorar de forma vincada a confiança e a estabilidade no setor financeiro no último ano. O Fundo lembra também que o BCP recebeu uma grande injeção de capital e o BPI foi assimilado pelo espanhol CaixaBank.

Estes desenvolvimentos ajudaram a melhorar o sentimento do mercado em relação a Portugal, permitindo uma redução significativa das taxas de juro da dívida pública portuguesa desde março, mês em que ficou concluída a operação de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos.

Crescimento permite atingir meta do défice

O otimismo do FMI estende-se também à meta do défice deste ano. Segundo o Fundo, a meta de 1,5% é perfeitamente alcançável, tanto é que reviu a sua projeção para a alinhar com a meta do Governo. Em abril, o Fundo previa que o défice descesse para os 1,9% do PIB.

A equipa liderada por Subir Lall lembra que o défice do ano passado foi significativamente melhor que o esperado no ano passado porque o Governo fez “grandes esforços para conter a despesa” e que, este ano, o maior crescimento esperado, assim como o “firme compromisso das autoridades [portuguesas] para conter a despesa” devem permitir que a meta seja alcançada.

A melhoria no défice, aliada ao melhor ciclo económico que a economia portuguesa está a viver, são uma oportunidade para fazer uma redução mais ambiciosa da dívida pública que a prevista já este ano, defende o FMI.

Avisos para o futuro

Aproveitar os juros baixos para reduzir a dívida pública

A análise que o FMI publica esta sexta-feira é marcadamente mais otimista que as que tem vindo a fazer, em especial desde o início da crise. Ainda assim, esta não deixa de fazer alguns avisos para o futuro.

Desde logo, o FMI avisa que Portugal tem de aproveitar o bom momento da sua economia e nas suas contas públicas para colocar as suas contas públicas em ordem, especialmente no que à sua dívida pública diz respeito, já que a dívida continua a estar próxima de 130% do PIB, um valor muito elevado face aos 60% de referência do Tratado de Maastricht e do acordo para entrar na zona euro.

As condições agora são, de facto, melhores, diz o Fundo, mas as baixas taxas de juro são também o efeito das medidas de estímulo do Banco Central Europeu, algo que não dura para sempre. Quando as medidas começarem a ser retiradas, diz o FMI, as condições de financiamento de Portugal não serão tão favoráveis e a oportunidade pode perder-se.

Por isso, e porque é necessário um controlo estrutural e duradoura das finanças públicas, estes esforços devem ser feitos agora e devem focar-se em reformas para melhorar a eficiência da despesa pública. Esta seria uma forma de melhorar as contas públicas mais amiga do crescimento e que “ajudaria a reforçar a perceção dos investidores da previsibilidade do regime fiscal durante o horizonte temporal do seu investimento”. Ou seja, com as contas em ordem, os investidores teriam menos receio que os impostos subissem para tapar buracos no orçamento, à semelhança do que aconteceu no passado, com governos das várias cores e bandeiras políticas.

Limpar balanços dos bancos e aumentar capital

Há também ainda muito para fazer para melhorar a situação dos bancos portugueses apesar dos progressos já alcançados. Segundo o FMI, os bancos continuam a ser pouco rentáveis, a ter ativos com baixa qualidade – em particular empréstimos a empresas – e rácios de capital limitados.

O Fundo defende que a redução dos custos operacionais dos bancos – que reduziram pessoal e cortaram agências, por exemplo – não foram suficientes para recuperar a rentabilidade perdida com as baixas taxas de juro e as perdas elevadas com o malparado, por isso é preciso fazer mais.

E o que é esse mais? Melhorar os balanços, limpando de forma mais abrangente o malparado e promovendo uma redução da dívida das empresas. Para isso, defende o FMI, as autoridades deviam desenhar um plano credível e calendarizado para a limpeza destes ativos dos balanços dos bancos, seja através do reconhecimento de imparidades, da reestruturação dos empréstimos ou da venda a outras instituições.

A instituição até já fala da solução para o malparado que está a ser desenhada pelos bancos com o apoio do Governo, dizendo que pode ser uma iniciativa importante, mas que precisará de ser acompanhada por mais medidas do lado dos bancos, que inclui cortar ainda mais nos custos operacionais e aumentos de capital.

Insistência em flexibilizar o mercado de trabalho

Outra das preocupações, uma já habitual, é a necessidade de fazer reformas estruturais para aumentar o crescimento no médio prazo. É verdade que o FMI está consideravelmente mais otimista nas previsões que faz para este ano, mas o otimismo para o próximo ano é mais moderado. O FMI espera que a economia cresça 2%, ligeiramente mais que a previsão do Governo de abril (1,9%), ainda assim menos que o crescimento esperado para este ano.

A razão é que o Fundo entende que é preciso aproveitar as condições cíclicas favoráveis para fazer reformas que tornem este crescimento estrutural. Ou seja, é preciso fazer mais para aumentar o investimento e a produtividade. O investimento até está a crescer e a ajudar a economia a crescer mais, mas para o crescimento potencial aumentar no médio prazo, diz o FMI, “os níveis de investimento teriam de crescer substancialmente”.

E como se aumenta o investimento? Com uma receita antiga do Fundo: uma maior flexibilização do mercado de trabalho, que alinharia os aumentos de salários ao aumento da produtividade, que permitiria a Portugal tirar vantagem das pessoas com elevadas qualificações que estão a entrar no mercado de trabalho, mas mantendo a competitividade.

Mas não é só no mercado de trabalho que o Fundo insiste na necessidade de reformas. Também a ineficiência na justiça é um problema, assim como a complexidade da legislação que regulamenta o funcionamento das empresas em Portugal.