Ainda faltavam várias horas para o concerto dos Red Hot Chili Peppers, cabeças de cartaz deste primeiro dia do Super Bock Super Rock e já o Parque das Nações estava cheio de fãs vestidos a rigor. O dia, há muito esgotado (20 mil pessoas), era dos norte-americanos — não havia dúvida — e o concerto que deram ao final da noite num MEO Arena a rebentar pelas costuras foi prova disso.
Já passava da hora marcada (23h55) e nada de Red Hot Chili Peppers. Os fãs começavam a ficar impacientes. Ouviam-se assobios um pouco por todo o MEO Arena (completamente cheio), suspiros nos bancos de trás, mas que depressa foram substituídos pelos primeiros acordes da guitarra de Josh Klinghoffer. Flea e Chad Smith entraram em palco logo a seguir, e os três começaram numa jam que serviu de introdução ao primeiro tema da noite, “Can’t Stop”, provando que todas as setlist divulgadas antes do concerto estavam erradas. Lisboa ficou rendida logo ao primeiro tema. Não havia volta a dar.
O início com “Can’t Stop” prometia um concerto recheadinho de grandes hits, e foi exatamente isso que os Red Hot Chili Peppers deram aos fãs portugueses. Houve “Snow” logo a seguir, “Dark Necessities” e “The Adventures of Rain Dance Maggie”. “Às vezes é tempo de uma balada, às vezes é tempo de pôr o bebé a dormir, às vezes só queremos ver as nuvens a passar…”, afirmou o baixista Flea, talvez para despistar porque “Nobody Weird Like Me”, a música que veio a seguir, não tem nada de parado, de pôr-do-sol na relva.
Anthony Kiedis não parou um segundo, saltando e rodopiando como lhe é característico. A voz? A de sempre. O instrumental foi puxado ao máximo sempre que possível, talvez para que o público não se esquecesse que estes senhores sabem tocar — e, oh, se sabem. Houve grandes introduções, semelhantes a jam sessions improvisadas, com o baixo de Flea sempre a brilhar mais. Saltos, corridas, tudo o que o público podia desejar. Foi depois de um desses momentos que Kiedis, já sem camisa (para agrado do público feminino), começou a entoar um dos temas mais aguardados da noite: “Californication”. Os fãs sabiam a letra de cor, e não falharam: cantaram o tema do início ao fim, sem hesitações.
A despedida (antes do encore) fez-se com “By The Way”, com o MEO Arena todo de pé. A música já tem 15 anos mas parece que foi lançada ontem. Depois, a fechar, “Give it Away” (do clássico Blood Sugar Sex Magik de 1991), o que mais se podia pedir? Esse é o segredo dos Red Hot Chili Peppers — souberam envelhecer bem. Os mais de 30 anos de carreira parecem um número exagerado para quem os vê, em 2017, em cima de um palco, mas quem os viu esta quinta-feira não ficou com dúvidas: os anos não lhes pesam nos ombros.
Os suspeitos do costume e o novo álbum de Tigerman
Paulo Furtado andou pelo deserto da Califórnia a compor um disco. É um resumo possível daquilo em que se tornou Misfit, um disco que só vai ver a luz do dia em janeiro do próximo ano. Numa jogada arriscada, deu-o a ouvir, na íntegra e em estreia absoluta, no Palco EDP. O resultado foi uma viagem ao fim do mundo, gravada nos instrumentais rudes e poderosos, no velho rock’n’roll gritado que Tigerman insiste em dizer que é novo. Só foi pena terem tido tão pouca gente.
No ano passado, os Capitão Fausto foram um mero nome secundário no cartaz do festival. Mas, surpreendentemente, conseguiram arrastar uma multidão até ao antigo Palco Antena 3 (hoje Palco LG by SBSR.fm) enquanto no palco principal tocava Iggy Pop — para meia dúzia de gatos pingados (em proporção com a fama). O sucesso dos lisboetas foi tal que, este ano, os Capitão Fausto conseguiram um lugar de destaque no Palco Super Bock. Tocaram depois dos The New Power Generation, “a banda de Prince”, e antes dos Red Hot Chili Peppers. Um privilégio do qual nem todos se podem gabar.
Quer fosse da hora ou da popularidade de que a banda goza, a verdade é que o MEO Arena já estava cheio quando a banda subiu ao palco. Eram 22h20 e, no Palco EDP, Kevin Morby ainda tocava os últimos acordes. A escolha dos Capitão Fausto para abrir para Red Hot Chili Peppers é, obviamente, questionável. Mas o concerto que deram, inserido na tour de verão que vai passar um pouco por todo o país, não o foi — os Capitão Fausto amadureceram, nota-se bem.
Kevin Morby era um dos nomes mais aguardados desta edição. Havia uma pequena multidão à sua espera e o norte-americano não se fez de rogado. Começou o concerto com “City Music”, tema que dá título ao novo álbum (lançado em junho), que tem sido aclamado com um dos melhores (ou até mesmo o melhor) de Morby. Depois de “Crybaby”, mais uma das novas, agradeceu a todos a presença. “Estou muito contente por estar aqui, obrigada por terem vindo”, começando a cantar de seguida o famoso verso I don’t ever wanna feeeeelllll, de “Under The Bridge”, dos Red Hot Chili Pepers, cabeças de cartaz da noite. O público gostou do que ouviu e continuou o refrão, já Morby tocava os primeiros acordes de “Aboard My Train”, também do novo City Music.
Como não podia deixar de ser,o álbum ocupou uma grande parte do concerto de Kevin. Mas também houve tempo para alguns temas mais antigos, como “Harlem River” e “I Have Been to the Mountain”. Lá mais para o fim houve “All My Life”, “Parade” e uma despedida cheia de elogios a Portugal e Lisboa. “É um país tão, tão bonito, uma cidade tão tão bonita! É ótimo passar por esta experiência! Obrigada!” A última música, talvez escolhida a dedo, foi “Dorothy”, o tema que Kevin Morby admitiu ter escrito a pensar em, nada mais nada menos, do que a cidade do Porto.
Os elogios a quem os merece
A The New Power Generation será para sempre “a banda de Prince”. O propósito da sua vinda ao SBSR não podia ser outro: homenagear “o génio de Minneapolis”, o artista com quem fizeram alguns dos discos (e digressões) mais importantes do início da década de 90. Foram hits atrás de hits (de “Sexy MF” a “Kiss” e, claro, “Purple Rain”) tocados com a destreza de quem sabe todas as notas de cor. As letras estiveram na voz de Bilal e também de Ana Moura, a amiga de Prince que disse “sim” ao convite da banda para esta homenagem. O resultado não foi surpreendente: só faltou o Prince.
Os Minta & The Brook Trout foram os primeiros a atuar no LG by SBSR.FM, o palco dedicado aos “novos” talentos da música portuguesa. O final de tarde fica-lhes bem, até a contraluz, as escadarias do MEO Arena são perfeitas para o bronze e para a melancolia da banda liderada por Francisca Cortesão. Bons instrumentistas, vozes competentes e afinadas, tudo somado foi lento mas um bom arranque.
Antes, os brasileiros Boogarins, banda de rock psicadélico já com muita estrada feita em festivais importantes em todo o mundo. Já não são estreantes em solo português, mas tocaram pela primeira vez no SBSR e fizeram questão de o referir. No mês passado editaram um álbum novo (Lá Vem a Morte) mas foram os velhos temas do primeiro disco (As Plantas que Curam, de 2013) os que arrancaram mais aplausos. Certinhos como um fuso, despacharam serviço com competência e vigor. Foram uma boa entrada para o rock que dá nome ao festival.
Mas as honras da casa couberam aos Alexander Search, projeto do pianista e compositor Júlio Resende com Salvador Sobral na voz. A banda, inspirada no mais famoso heterónimo de Fernando Pessoa, distribuiu (literalmente) poesia aos presentes, mas também boa música de abertura para um festival onde os grandes nomes do cartaz pouco ou nada tinham a ver com a mistura sonora dos Alexander Search.
O primeiro dia da 23ª edição do SBSR fez jus ao nome, foi rock de uma ponta à outra — com Moullinex e Xinobi a serem a grande exceção à regra. Mas tal como nas programações anteriores, a música do segundo dia vai seguir outros caminhos: o hip hop será rei esta sexta-feira.
Aqui ficam alguns sublinhados: às 17h o festival arranca com Pusha T; às 19h40 atua o português Slow J, o projeto Língua Franca estreia-se às 22h45 e o rapper Future, cabeça de cartaz, às 23h55. Mas também vamos ter a pop dos London Grammar (22h20) e dos The Gift (20h40) e, já de madrugada, os campeões Beatbombers (1h00) a mostrar como se faz scratch entre outros malabarismos — consulte o programa completo neste link.
As pulseiras dos três dias já foram trocadas pelo que a entrada deverá ser um pouco mais fácil. Em todo o caso, e a avaliar por este primeiro dia, a vigilância vai continuar apertada, pelo que se recomenda a chegada cedo ao recinto e, de preferência, com pouca ou nenhuma bagagem.