Anna Arany chegou a Portugal há uma década. Com 24 anos, um curso de Marketing na mala e a vontade de “construir o próprio caminho”. Já antes, tinha atravessado o Atlântico para fazer um intercâmbio em Lisboa. Acabou por regressar. Porquê? “Não tenho uma resposta para isso”, diz ao Observador. Em dez anos, já apresentou sushi e tapioca aos portugueses (e não só). Com dois negócios na área da restauração, foi percebendo que “não fazia sentido” as pessoas “perderem tempo” em filas enquanto esperam por um prato.
Por isso, quis juntar dois mundos — o da tecnologia e o da restauração — e fundou a Levoo, uma app que permite encomendar uma refeição online e, assim, evitar filas. Depois, juntou-lhe uns quiosques digitais (que também permitem registar pedidos) no Alegro Alfragide, que têm registado mais de 100 encomendas por dia.
Anna diz que não sabe porque veio para Portugal, mas tinha na mira lançar um negócio próprio. “Não tenho perfil para trabalhar para outras pessoas”, confessa. Tinha debaixo de olho um conceito que, na altura, começava a ser popular no Brasil: o das temakerias (onde se vendem temakis, ou seja, cones com sushi e diferentes recheios enrolados numa alga).
Vim sozinha, não tinha nada a perder. O máximo que podia acontecer era voltar para casa da minha mãe”, conta.
Convenceu o pai a emprestar-lhe algum dinheiro para passar um mês em Portugal. Disse-lhe que ia apresentar um plano de negócio a umas pessoas, o que acabou por nunca acontecer porque conheceu Diogo Sousa Coutinho (com quem havia de fundar o Noori e a Levoo) no próprio dia em que chegou.
A partir daí, começou a trabalhar naquilo que hoje é o Noori Sushi (projeto do qual Anna já não faz parte), que começou a dar “certo”, depois “de ter dado tudo errado”. Afinal, “o empreendedorismo é isso, é arriscar”, diz.
Abriu a primeira loja em 2009. Foi ficando até que começou a dedicar-se a outros projetos. Acabou por voltar aos sabores das origens quando abriu a Tapiocaria, no início do ano, no Mercado de Campo de Ourique. Agora, tem um novo desafio, mais tecnológico, mas que quer, igualmente, agarrar as pessoas pelo estômago.
Da app aos quiosques do Alegro
A Levoo esteve para ser uma empresa de entrega de comida em casa, que não avançou porque já havia “um grande mercado para take away“, explica Anna. Mas havia uma “necessidade” (a de não perder tempo), por isso, em setembro de 2016, avançou com uma aplicação móvel multi-marca. A partir de um smartphone, é possível escolher entre vários restaurantes, com vários tipos de comida, e fazer um pedido, sem ter que estar nas filas.
O primeiro teste foi no centro comercial das Amoreiras e, nos primeiros meses, a aplicação não teve muita aceitação. Até que, em novembro, a Web Summit chegou a Lisboa e a Levoo disponibilizou a aplicação no espaço de restauração da cimeira tecnológica. “Fizemos mais transações nesses três dias do que nos três meses da Leevo no shopping”, conta Anna.
Qual era, então, a barreira que estava a fazer com que as pessoas não usassem a app nos centros comerciais? Os meios de pagamento, diz Anna. “As pessoas não queriam colocar os cartões de crédito na app”, porque, admite a fundadora, não conheciam a marca, não tinham “aquela confiança”.
É aqui que o online e o offline se juntam. Para contornar a desconfiança dos consumidores, a estratégia da Levoo passou por instalar quiosques self-service. Os seis primeiros foram lançados no final de maio, na zona de restauração do centro comercial Alegro Alfragide.
“Nós não inventamos nada”, diz João Centeno, responsável tecnológico do projeto. De facto, a ideia não é nova. Estes quiosques assemelham-se aos que já existem no McDonalds. Para já, são 12 os restaurantes onde é possível fazer pedidos através dos quiosques (Nova Peixaria, H3, Slow, Hanani, Go Natural, entre outros).
Como funciona? Depois de escolher o restaurante, o cliente seleciona o prato, bebida ou sobremesa que quer, através de uma galeria de fotografias. Faz o pagamento e tem a opção de introduzir o número de telemóvel para receber depois uma SMS a informar que a refeição está pronta a levantar.
“Levoo” dos festivais, da Web Summit ou do Ikea
Por dia, são feitos entre 100 e 120 pedidos nestes quiosques digitais, indica Anna. Um número “infinitamente maior” do que os pedidos que são feitos via app, admite.
“[Nos quiosques] não há essa barreira inicial do cartão de crédito. As pessoas estão ao lado dos restaurantes, conseguem ver”, explica. É possível fazer pagamentos com cartões de débito, crédito e MB WAY, e com a maioria dos cartões de refeição.
Para já, a aplicação está disponível para sete restaurantes no Amoreiras, e vai entrar no Alegro Alfragide, já no final do mês de julho. A ideia é que as pessoas vão passando dos quiosques para a app. “Os quiosques são para criar confiança. Assim para a próxima, as pessoas já têm a confiança para usar a app”, explica Anna.
A fundadora diz que se trata de uma “mudança de comportamento” e, como tal, “toda a mudança leva tempo”. Também os restaurantes têm de se adaptar ao software da Levoo. A empresa cobra um “fee” (taxa) aos que se queiram associar à rede da Levoo.
Para já, é preciso “afinar completamente” os quiosques até ao final do mês. “O João [Centeno] tem praticamente uma casa no Alegro”, brinca Anna. É o responsável por manter o sistema a funcionar sem falhas.
A tecnologia é muito diferente [da restauração]. Abres uma loja e faturas desde o dia 1. Sabes se está a dar certo ou errado. Na tecnologia, uma coisinha pode comprometer um negócio todo. Num dia tens um mega negócio, no outro não tens mais nada”, admite a empresária.
Com cerca de 200 mil euros, os três sócios do projeto (a Anna e a Diogo junta-se Pedro Sousa), têm como objetivo chegar a outros centros comerciais. Pelo menos mais dois em Lisboa, até ao final do ano.
É um negócio que começa na restauração, mas, no futuro, a app poderá funcionar em festivais de verão, na Web Summit ou mesmo num IKEA, admite Anna Arany. “A nossa ideia é nunca mais parar. É um negócio que dá para escalar para vários mercados”, remata.
*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.