Foram precisos 50 minutos em cima do palco para Pedro Passos Coelho dar o mote para o ano político que se segue (e que será uma prova de fogo para a sua liderança): é preciso falar de reformas para o futuro e é por isso que o PSD “não se junta à festa” do Governo e do país. Porque não quer voltar a ver o “futuro negro” que já viu com outros governos socialistas. Para o líder do PSD, que esteve este domingo à noite na festa do Pontal, no Algarve, a deixar recados ao Governo, mas também aos críticos no interior do seu próprio partido, se os próximos dois anos forem iguais a estes dois que passaram “então teremos perdido uma legislatura a viver à conta da conjuntura e do que se fez no passado, e nada a preparar o futuro”.

Para preparar o futuro, Passos Coelho diz que é preciso reformas. Não basta “geringonçar” — novo verbo criado para designar o ato de “mudar alguma coisa apenas por razões populistas, a olhar para o curto prazo, para as sondagens ou para as eleições”, que é como quem diz devolver rendimentos e deixar andar — “é preciso reformar”. Se há um ano o líder do PSD esteve neste mesmo palco a acusar o Governo do PS, apoiado pelo PCP e BE, de estar “esgotado”, agora diz que não só está esgotado como está “adiado e cativado”. Adiado do ponto de vista estrutural, porque não há reformas nem visão a médio/longo prazo, e cativado do ponto de vista “orçamental”, porque as opções financeiras que o Governo toma custam “dinheiro que é desviado de outras funções do Estado”.

As críticas foram para fora, mas também para dentro. Para “os que acham que o PSD não se devia preocupar tanto com o futuro e que devia juntar-se à festa”. “Não é tão bom haver festa? Há tantas autarquias em que este modelo funciona, não se investe nada mas há festa todos os dias, e enquanto houver festa vivemos bem. É assim não é?”, ironizou Passos Coelho perante a audiência laranja presente no calçadão de Quarteira. Mas não, o PSD “não cede a facilidades, a demagogia e a radicalismo”, o PSD “tem uma cultura diferente da geringonça”, e é por isso que o PSD não se vai juntar à festa, garantiu o líder do partido, assumindo o risco de continuar a ser associado a uma “oposição pessimista quem tem uma visão negra do futuro”.

O raciocínio é o mesmo de sempre, mantendo-se Passos igual a si próprio: sem reformas não há avanços, e sem avanços regressa-se ao passado. E não foi assim que, diz, o país conseguiu regressar aos mercados ao fim de dois anos de resgate da troika? “Conseguimos isso lutando contra o espírito da geringonça, conseguimos isso sem geringonçar”, disse, reforçando de seguida o novo verbo recém-criado para designar a “cultura míope em relação ao futuro”. “Se queremos ter, no futuro, mais alguma coisa do que temos hoje não podemos geringonçar, precisamos de reformar”, sublinhou.

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No discurso de quase uma hora, Passos deu exemplos de leis aprovadas pelo atual Governo que são espelho da “cultura de direitos” da geringonça, referindo-se a uma em particular: a lei da Nacionalidade, que define as autorizações para os imigrantes viverem em Portugal, passando a ser permitido apenas a um estrangeiro apresentar a “promessa” de um contrato de trabalho para adquirir o direito de residência. “O que é que vai acontecer ao país seguro que temos sido se se mantiver esta possibilidade de qualquer um viver em Portugal?“, questionou o líder do PSD, sublinhando ainda que a nova lei faz com que o Estado perca a possibilidade de expulsar alguém que tenha cometido crimes graves.

Este é, para Passos, um exemplo da “cultura de direitos” da geringonça que “exclui o futuro”, e que faz com que o atual Governo socialista, apoiado pelo PCP e BE, viva ainda no “espírito constitucional de 1975”. Outro exemplo é a recente alteração à lei da transferência da gestão da Carris para a câmara de Lisboa, em que os partidos da esquerda se bateram para que passasse a ficar escrito na letra da lei que a autarquia não poderia nunca mais concessionar a empresa a privados, independentemente da vontade do município e dos munícipes. Um tema que mereceu um raro elogio de Passos Coelho ao Presidente da República. “O Presidente da República vetou, e bem”, disse.

O que vai acontecer agora a esse diploma vetado por Marcelo Rebelo de Sousa? Passos Coelho antecipou que tem a “convicção de que não se poderá re-aprovar a lei da Carris com mera maioria absoluta”, o que quer dizer que o PS precisará do voto do PSD para conseguir a maioria de dois terços. Não se alongou sobre o tema mas, em todo o caso, está lançado o mote para os primeiros trabalhos parlamentares de setembro.

Os acordos de regime, entre PS e PSD, foram outro dos ganchos usados por Pedro Passos Coelho para dar forma ao argumento de que o atual PS no Governo é “radical” e “populista”. Para isso, o líder do PSD recordou-se das revisões constitucionais que foram feitas em 1982 e 1989, e que serviram, entre outras coisas, para acabar com a “irreversibilidade das nacionalizações”.

Só conseguimos ir mias longe porque conseguimos, em tempos extraordinários, contar com um PS que fez duas revisões constitucionais, em 1982 e 1989, primeiro para normalizar a vida política do Estado e do país, e depois para acabar com a irreversibilidade das nacionalizações”, disse, referindo-se aos tempos da Aliança Democrática e ao Governo de Cavaco Silva, quando o PS esteve ao lado do Governo para viabilizar essas mudanças constitucionais.

Para criticar o atual PS, recorreu a elogios aos PS anteriores, insistindo que “foi o PS de então que estipulou connosco a ideia de que devia haver progressividade, e não gratuitidade” nas revisões constitucionais feitas naquelas datas.

Em 50 minutos de discurso — apenas interrompido pelos gritos de ‘golo’ que se ouviram na varanda de uns veraneantes — Passos Coelho não se esqueceu também de deixar críticas à forma como o Governo, e em particular o primeiro-ministro, tem gerido a pasta dos incêndios. “O SIRESP tem a cara do atual primeiro-ministro, foi rigorosamente aprovado pelo dr. António Costa quando era ministro da Administração Interna, nem vale a pena contar a história da origem do universo”, ironizou, sublinhando que nos termos do contrato “consta a assinatura do primeiro-ministro, não de mais ninguém”.

Terminado o discurso, terminou o jantar. Está dado o pontapé de saída para o ano político que aí vem, e que será certamente uma prova de fogo à sobrevivência política de Passos Coelho. Depois das autárquicas, surgirá o Orçamento do Estado. Seguem-se as diretas para a escolha do novo líder do PSD e, finalmente, o congresso que vai consagrar aquela decisão. Tudo aponta para que este seja um congresso disputado — embora antes das autárquicas não haja contagem de espingardas — mas quanto a Passos, promete dar luta. E promete não sair de cena.

Nas palavras de despedida do Pontal, deixou uma garantia (ou pelo menos uma vontade): “No Pontal daqui a um ano cá estaremos”. E ainda reforçou a mesma ideia: “Cá estaremos em 2018 para dizer ao país o que pensamos”.