A floresta não é causa dos incêndios, é vítima, alertou a ex-ministra da Agricultura, admitindo que gostaria de ter avançado mais nas áreas de cadastro e sensibilização, mas elogia as medidas relativas a terras abandonadas e fiscalidade florestal.
“Temos que perceber que a floresta não é a causa dos fogos, é a vítima dos fogos, é a vítima das ações negligentes, das ações intencionais e depois [podemos falar de] responsabilidade na medida em que há estes problemas estruturais na propriedade”, disse hoje à agência Lusa Assunção Cristas, ministra da Agricultura e do Mar entre 2011 e 2015, nos governos de Passos Coelho.
“A floresta não produz o fogo por si, sozinha”, insistiu a atual líder do CDS-PP, referindo que “não há fogos se não houver ignições e os estudos mostram que a grande maioria dos casos, para não dizer quase todos, têm a ver com causas humanas, negligentes ou intencionais. As causas naturais são uma franja mínima”.
Para enfrentar a negligência, Assunção Cristas defendeu “mais envolvimento dos meios de comunicação social, mais visibilidade e mais recursos para alocar a essa área, porque uma grande campanha custa muito dinheiro”.
“Parece que estamos sempre a correr atrás do prejuízo”, referiu.
A sensibilização para a defesa da floresta, associada à prevenção de fogos, é um dos pontos que Assunção Cristas destaca na sua passagem pelo Governo, além das questões fundiárias estruturais – incentivos à agregação e ao trabalho conjunto como forma de ultrapassar as desvantagens da pequena dimensão das propriedades, cadastro e terras abandonadas ou sem dono conhecido – e do combate aos incêndios.
“O que é mais rápido, apesar de tudo, é a mudança dos comportamentos, por isso, as ações de sensibilização, por um lado, e, por outro, as ações mais fortes em relação à mão criminosa, têm de ser também um foco prioritário”, apontou.
Depois de os cidadãos estarem “fortemente sensibilizados”, acrescentou, será altura de aplicar multas a quem não cumpre e, então, “as pessoas ficam mais atentas”.
Quando chegou ao ministério, em junho de 2011, Assunção Cristas encontrou o setor florestal “muito desprezado, porque se achava que era o parente pobre da agricultura (…), os fundos comunitários não estavam devidamente adequados” às suas necessidades, a execução era baixa e “uma parcela muito relevante de verbas estava em risco de ser devolvida a Bruxelas”.
Segundo a ex-ministra, não havia resistência do setor, mas sim disponibilidade para as preocupações da diversificação do uso da floresta, de ter uma escala adequada, incentivos a uma gestão conjunta e reforço das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF).
Porém, lembrou, deparou-se com “um individualismo enorme da parte [tanto] dos proprietários florestais como dos agrícolas, uma dificuldade em fazer trabalho em conjunto”, o que se refletia numa resistência nomeadamente a decisões estratégicas de instalação de povoamentos, corte e venda em grupo.
Os proprietários aceitavam alguma gestão conjunta na defesa contra incêndios ou questões fitossanitárias, mas “com muita dificuldade”, acrescentou.
“Quando chegámos, os sapadores não tinham [feito] nenhum investimento nos anos anteriores, havia intenção de continuar a criar equipas, mas uma exiguidade enorme de recursos”, apontou ainda.
Assunção Cristas referiu, no entanto, que gostaria de ter ido “mais longe” na aprovação e concretização do funcionamento do cadastro e no desenvolvimento da sensibilização.
“Tenho pena de algum trabalho não ter tido continuidade, como [nas medidas relativas a] terras abandonadas e sem dono conhecido”, acrescenta a ex-ministra a quem se associa o avanço da reforma fiscal da floresta, “criando incentivos para que houvesse investimento”.
Acerca da prevenção, defendeu que, se as faixas de contenção – 50 metros à volta das casas e 100 metros em redor das aldeias – “estivessem sempre limpas, era uma garantia para que os bombeiros pudessem dedicar-se mais cedo às frentes florestais e impedir” o avanço do fogo.
“As autarquias, no caso das casas particulares, não levantavam autos (…) ou não aplicavam coimas” e uma das medidas da ex-ministra foi “retirar essa competência às autarquias e colocá-la na secretaria-geral do Ministério da Administração Interna, através da GNR, para que [pudesse] ter mais eficácia”.
“Uma das grandes bandeiras” do anterior Governo, “que veio provocar uma reforma profunda”, descreveu, foi a legislação para as terras abandonadas e sem dono conhecido, levada “ao limite do que era possível do ponto de vista constitucional”, salvaguardando direitos de propriedade, mas permitindo que pudesse haver uma identificação progressiva e inclusão na bolsa de terras.
O cadastro florestal, tema que atravessou vários executivos, chegou a ser discutido, mas “entendeu o Governo que estava demasiado em cima das eleições para aprovar uma legislação tão relevante”. Porém “ficou tudo pronto”, garante.
Recusando as críticas acerca do incentivo à expansão dos eucaliptos, a ex-ministra referiu que o regime aprovado visou “passar a ter um sistema de informação para saber, em cada momento, o que está a ser colocado no terreno”.
Além disso, garantiu, o seu Governo equipou, em 2014, os sapadores e deixou preparada para 2015 a tarefa de reequipar todos com equipamento individual, tendo também sido iniciada a reposição do parque automóvel, com 20 jipes, deixando “o concurso para mais 59 e mais 20 novas equipas”.
As forças de segurança detiveram este ano 102 pessoas suspeitas do crime de incêndio florestal, quase o dobro do número registado em 2016, segundo o comandante da Autoridade Nacional de Proteção Civil.
No ano anterior à chegada de Assunção Cristas ao Governo, em 2010, a área florestal ardida atingiu 133 mil hectares, enquanto em 2011 desceu para 73,8 mil hectares e em 2012 foi de 110,2 mil. No ano seguinte, o fogo destruiu 152,7 mil hectares.