Quando tinha 13 anos, Steven Paul Jobs pegou no telefone e ligou para a Hewlett-Packard (HP). A garagem de casa em Palo Alto, onde o pai lhe tinha ensinado mecânica automóvel, já não bastava ao jovem para construir um contador de frequências. Queria mais espaço e queria encontrá-lo na casa dos ídolos da tecnologia da época. E encontrou-o: naquele verão dos anos 60, em que Palo Alto se tinha tornado no epicentro da evolução eletrónica e tecnológica, Steve Jobs e outros prodígios juntavam-se no refeitório da HP para fazerem experiências de eletrónica. Captou a atenção do próprio Bill Hewlett, que lhe chegou a oferecer trabalho na empresa.

Um dia, a caminho do estágio de verão, Steve Jobs viu Bill Hewlett e Dave Packard a caminharem nuns terrenos em Cupertino. O negócio da HP crescia a olhos vistos e os donos da empresa procuravam mais propriedades para onde pudessem construir edifícios. Mas foi sol de pouca dura: a HP começou a encolher de dimensão ao ponto de se ver obrigada a vender esses mesmos terrenos.

Três décadas depois, Steve Jobs era o líder da gigante Apple e o novo proprietário dos terrenos de Bill Hewlett. Era neles que queria construir a última obra do seu legado: o novo campus da Apple. E vai ser nesse edifício, num auditório batizado com o nome de Steve Jobs — que morreu em 2011 vítima de um cancro pancreático –, que Tim Cook, atual líder da empresa, apresenta esta terça-feira o iPhone 8 naquele que é um dos edifícios mais eficientes do mundo: o Apple Park. Para mostrar finalmente ao mundo “o génio de Steve Jobs”, afirmou.

Numa reunião com o Conselho da Cidade de Cupertino, a 7 de junho de 2011, Steve Jobs falou do Apple Park — ainda sem nome na altura — e de como os novos terrenos eram “especiais” por lhe lembrarem os primeiros passos que deu na carreira, agora que a Apple não tinha outro remédio senão expandir-se.

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A Apple cresceu como uma erva daninha. Como sabem, sempre estivemos em Cupertino, começando num pequeno escritório e chegando depois aos edifícios onde estamos agora. Esses edifícios albergam talvez 2.800 pessoas, mas já tivemos 12 mil na área. Por isso, temos de alugar edifícios, que nem sequer são muitos bons, e colocar pessoas dentro desses edifícios. É claro que precisamos de construir um novo campus, porque estamos sem espaço”, afirmou Steve Jobs.

O dia em que Steve Jobs desvendou os planos que tinha para o novo edifício da Apple seria também a última vez que Steve Jobs apareceria em público antes de morrer, a 5 de outubro daquele mesmo ano, vítima de um cancro no pâncreas.

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Plano foi posto em marcha dois anos antes de morrer

Steve Jobs tinha tudo em mente e pôs o plano em prática dois anos antes de morrer, em 2009. Contratou “grandes arquitetos para trabalhar com a Apple, alguns dos melhores do mundo” e chamou também “especialistas em arboricultura de Stanford que são muitos bons”, como explicou em 2011. Tudo o que Steve Jobs imaginava para a Apple “ultrapassava em muito o tempo que ele sabia ter connosco”, explicou este ano Tim Cook.

Ele queria que o Apple Park fosse a casa da inovação para as gerações vindouras. Os espaços de trabalho e espaços verdes foram concebidos para inspirar as nossas equipas e beneficiar o ambiente”, contou o presidente executivo da empresa, em cargos desde agosto de 2011, num comunicado oficial da Apple.

Na apresentação no Conselho de Cupertino, Steve Jobs mostrou ao painel “um edifício incrível”: “Parece uma nave espacial aterrada, tem este lindíssimo jardim no meio. É um círculo, então ele curva em toda a fachada. Não há um único pedaço de vidro direito neste edifício. Esta não é a forma mais barata de construir alguma coisa”. Tinha razão: só os novos terrenos da Apple terão custado 160 milhões de dólares.

O projeto, inicialmente estimado em 500 milhões de dólares, já ultrapassou os cinco mil milhões. É o preço da revolução que Steve Jobs tinha planeado para a nova casa da maçã mordida: transformar aqueles terrenos, deixados ao abandono de um colossal parque de estacionamento e de meia dúzia de árvores, numa floresta cuja capital seria um edifício completamente abastecido por energia limpa. O plano era criar um espaço onde coubessem 13 mil pessoas, mas com mais 30% de espaço, 350% de espaço verde, 60% de árvores e com menos 90% de asfalto e menos 30% de pegada ecológica. Números que Steve Jobs resumiu numa frase: “É mesmo fixe”.

Apple Park foi feito à medida dos sonhos do criador: com mais de 260 mil metros quadrados de área, é composto por um edifício circular em formato de nave espacial com os pilares escondidos atrás das paredes. Por baixo, há um parque de estacionamento de quatro andares. Toda a infraestrutura é abastecida por um centro de energia renovável que protege as máquinas de danos provocados por eventuais picos de energia.

Temos pessoas sentadas dias inteiros em computadores a desenvolver software. Acho que o que vamos acabar por fazer é tornar esse centro de energia a nossa principal fonte, porque podemos gerá-la com gás natural e outras formas que podem ser mais limpas e mais baratas. Achamos que é isso que faz mais sentido”, explicou em 2011 Steve Jobs. No centro do edifício, todo ele feito de vidro curvo, há um auditório onde se vão realizar as apresentações que até há bem pouco tempo a Apple tinha de fazer em São Francisco por falta de espaço.

É esse o auditório que pode roubar todas as atenções à mais recente criação da Apple. Steve Jobs torceu o nariz quando alguém propôs que essa sala de apresentações recebesse o seu nome: “Deixou muito claro que essa ideia não lhe agradava. Ele não era muito saudosista“, explicou Tim Cook em fevereiro. E já tinha dado provas disso: em 1997, quando voltou para a Apple após uma temporada na NeXT (uma empresa de plataformas na área da educação criada por ele e mais tarde comprada pela própria Apple), Steve Jobs deu toda a documentação do passado da marca da maçã mordida à Universidade de Stanford: “Ele gostava de revoluções, não queria que a marca ficasse presa ao passado“, recordou Tim Cook.

Na altura em que Steve Jobs apresentou, em Cupertino, os planos para o novo auditório da Apple, não desvendou muito: disse apenas que também esse edifício seria curvo e feito de vidro. Agora, já sabemos que o Auditório Steve Jobs — a marca desobedeceu ao desagrado do criador e deu-lhe o mesmo nome — está construído sobre um terreno elevado e tem um observatório com seis metros de altura e 3 mil painéis de vidro curvo com vista 360º para o edifício principal.

No topo, está uma das maiores inovações do Apple Park: um telhado de 44 painéis radiais de fibra de carbono com 21 metros de comprimento e três metros de largura. É o maior telhado independente feito com fibra de carbono do mundo, foi concebido no Dubai e enviado para a Califórnia em peças.

Há quatro andares debaixo deste edifício circular no centro da sede da Apple: os dois primeiros, incluindo a sala principal, podem ser acedidos por duas escadas em caracol, enquanto os dois andares mais profundos podem ser acedidos através de dois elevadores rotativos. A sala de apresentações tem 1000 lugares sentados, todos eles feitos de bancos de pele que terão custado 14 mil dólares cada.

Fotografias tiradas pelos construtores nos últimos meses, colocadas no Google Maps (entretanto retiradas) e nas redes sociais, mostram uma sala com mais de 11 mil metros quadrados com muitas estruturas de madeira. No entanto, nenhuma destas imagens é oficial: a Apple nunca desvendou fotografias do interior do auditório e são poucas as imagens do seu exterior.

Mas vídeos captados por drones já permitiram levantar o véu sobre como a Apple transformou os abandonados terrenos da HP no edifício mais “eficiente e vanguardista” da atualidade, como adjetivaram os próprios arquitetos, que trabalharam de perto com Steve Jobs. Um deles disse que o então presidente da empresa sabia o que estava a fazer.

Ele sabia que madeira queria. Não se limitava a dizer: Eu gosto de carvalho’. Ele sabia as características da madeira, como ela tinha de ser cortada. Sabia que devia ser cortada no inverno, idealmente em janeiro para ter a menor quantidade de seiva possível. Nós estávamos todos ali sentados a ouvi-lo e havia arquitetos de cabelo grisalho a dizer: ‘Porra!’ “, contou.

É por isso que para Steven Levy, um jornalista da Wired que, desde os anos 1980, tem uma relação próxima com a Apple, “provavelmente é mais correto dizer que o Apple Park é o avatar arquitetónico do homem que o inventou. E que deixou uma sede que personaliza a sua autobiografia e os seus valores. As figuras principais da Apple chamam-lhe “o presente do Steve“. Por detrás deste conceito está a ideia de que, nos últimos meses de vida, Steve Jobs usou muita energia a criar um local de trabalho que beneficiasse os funcionários da Apple talvez no próximo século”.

Steve Jobs nunca viu a sua última criação ser construída. Morreu quatro meses depois de ter tornado público o projeto que tinha em mente para o Apple Park e dois anos antes de ver o plano ser aprovado pelo Conselho da Cidade de Cupertino. A 15 de outubro de 2013, a Apple foi autorizada a demolir mais de 246 mil metros quadrados de escritórios antigos, que pertenciam à HP quando Steve Jobs era um jovem estagiário da empresa, e a construir a “nave espacial” que o criador da maçã mordida tinha inventado. Quatro anos depois de as obras terem começado, a Apple muda-se aos poucos para a nova sede e abre portas à comunicação social. O secretismo em redor do Auditório Steve Jobs vai sendo rompido pelas imagens que escapam cá para fora através das redes sociais dos trabalhadores que o construíram. Veja-as na fotogaleria.