Com o Obamacare ainda de boa saúde e o muro com o México ainda em fase de protótipos, Donald Trump poderá ter a primeira grande vitória do seu mandato com a reforma radical da lei fiscal apresentada quinta-feira pelos republicanos.
O plano é decisivo para que os republicanos consigam manter a maioria no Congresso e para que a presidência de Donald Trump possa entrar numa fase de menor turbulência, já que as últimas semanas foram dominadas pelos avanços na investigação às ligações com a Rússia de pessoas-chave da sua campanha eleitoral.
“Há demasiado tempo que americanos que trabalham arduamente sofrem com uma lei fiscal que é injusto, complicado e demasiado caro. Com o nosso plano, as típicas famílias de classe média vão receber mais em salário e receber um alívio fiscal de 1.182 dólares”, afirmou Paul Ryan, líder da bancada republicana na Câmara dos Representantes e principal rosto deste novo plano.
Saiba o que vai mudar para as empresas e para as famílias — e quem ficará a ganhar e quem fica a perder.
O que vai mudar para as empresas
A principal novidade é o corte da taxa de imposto para as empresas de 35% para 20% — os EUA passam de ter uma das taxas mais elevadas do mundo para uma das mais baixas entre os países desenvolvidos.
Na realidade, apesar de a taxa ser atualmente de 35%, como em quase todo o mundo, a taxa efetivamente paga pelas empresas é bem mais baixa, graças às deduções e ajustes contabilísticos que as empresas podem fazer. É por essa razão que o diabo estará nos detalhes — o alívio fiscal para as empresas terá de ser medido na conjugação entre a descida do valor do imposto e as mexidas nas deduções.
Para já, a reação dos representantes das empresas é positiva, q.b.: “Esta reforma é exatamente aquilo de que a nossa nação precisa para colocar a economia a crescer mais rapidamente”, afirmou o lóbi da Câmara de Comércio dos EUA. Porém, a mesma organização diz que “ainda falta fazer muito trabalho para conseguir chegar à melhor conjugação de políticas”.
A proposta prevê, também, o fim dos incentivos fiscais para a compra de carros elétricos, algo que ainda pode ser negociado mas que já levou as ações da Tesla, por exemplo, a caírem quase 7% na bolsa.
Com esta medida, Donald Trump terá feito sorrir um segmento populacional que é avesso aos progressos na área da condução elétrica e autónoma e que terá sido decisivo para a vitória eleitoral de Trump em 2016: os camionistas.
Quem também deverá sair a perder são as empresas ligadas às energias renováveis, onde se incluem a EDP Renováveis, que ainda há três dias disse que continua a ver boas oportunidades no mercado dos EUA. “Estamos a ver boas oportunidades para investir e não estamos a sentir pressão sobre a rentabilidade, e os compromissos que temos são rentáveis”, afirmou o presidente João Manso Neto.
Entre as empresas, quem já se queixou mais, porém, foram as companhias ligadas à construção e ao imobiliário. O ponto crucial para estas empresas é que as empresas de um modo geral vão deixar de poder deduzir custos com juros até um certo limite. Mas as empresas ligadas à construção e imobiliário — o setor onde sempre trabalhou Donald Trump — devem ficar isentas dessa limitação. Contudo, não ficam com o direito, como vai acontecer nos outros setores, de deduzir todas as despesas gerais de forma imediata.
Para as empresas do imobiliário, o mais negativo no plano, porém, é que as famílias vão deixar de poder deduzir custos com juros hipotecários quando compram casas de valor superior a 500 mil dólares. O valor-limite atual é de um milhão.
O lóbi Build Coalition, ligado ao setor da construção, diz que a proposta é muito desfavorável para estas companhias, “colocando em risco a competitividade global entre as empresas em todos os setores da economia norte-americana”.
Ainda nas empresas, há novidades para aquelas que tendem a amealhar — ou, melhor, amontoar — vários milhões de lucros obtidos no estrangeiro. É o caso, por exemplo, da Microsoft e da Apple, empresas que têm lucros elevados fora dos EUA e mantêm esses recursos no exterior (incluindo na Europa) para evitar pagar os impostos associados ao repatriamento dos lucros.
O plano quer incentivar as empresas a repatriar esses lucros. Se o fizerem vão ter um pagamento (único) de 12% sobre todos os lucros acumulados — quando a taxa atual é de 35%. Por outro lado, caso já tenham reinvestido esses lucros em imobiliário, por exemplo, a taxa não é de 12% mas, sim, de 5%. Depois deste pagamento, no futuro os resultados obtidos fora dos EUA deixam de pagar imposto nos EUA, mas o plano prevê um conjunto de medidas complexas que pretendem evitar que as empresas fujam ao pagamento de impostos contabilizando lucros no exterior.
Para as pequenas empresas, o plano parece trazer mais complexidade. Já que hoje grande parte das pequenas empresas pagam as taxas simplificadas quando têm uma estrutura mínima (as pass through entities), o plano é fazer com que passem a pagar um imposto reduzido de 25% — mas só em até 30% dos seus lucros. Os restantes 70% continuam a ser taxados à taxa normal. O novo sistema poderá criar mais oportunidades para “fintar” o fisco, mas os legisladores garantem que existem “salvaguardas robustas” para evitar isso mesmo.
O que vai mudar para as famílias
Menos escalões para a declaração de impostos. Esta é a principal novidade. Existem, atualmente, sete escalões — passa a haver apenas quatro: as taxas são de 12%, 25%, 35% e 39,6%, a mesma taxa máxima que já existia. Contudo, numa alteração muito relevante, apesar de a taxa máxima ficar na mesma no caso dos casais só vai passar a aplicar-se quando o rendimento coletável ultrapassa o milhão de dólares (hoje esse valor é menos de metade, 480.500 mil dólares por ano).
Os republicanos garantem que a classe média é a que fica mais a ganhar com as mudanças, mas os rendimentos mais baixos também ficam mais livres de impostos. As contas que estão no plano dizem que um casal que ganhe até 24 mil dólares por ano deixará de pagar qualquer imposto sobre o rendimento, quando o atual valor é de 12.700 dólares.
Recuando face à polémica que existiu nas últimas semanas, o plano não impôs quaisquer limites às contribuições livres de impostos para os planos privados de reformas — os chamados 401(k).
O plano prevê, também, mais benefícios fiscais para quem tem filhos. Esses benefícios podem ir até 1.600 dólares, 60% mais do que o valor atual.
Para os mais ricos, a melhor notícia poderá ser o fim do chamado “imposto da morte“, em rigor o imposto sobre as heranças de património. Neste momento, os patrimónios acima de 5,49 milhões de dólares pagam imposto no momento da passagem para os herdeiros. Mas o plano dos republicanos duplica este valor imediatamente e, em 2024, o imposto desaparece.
“Há demasiado tempo que americanos que trabalham arduamente sofrem com uma lei fiscal que é injusto, complicado e demasiado caro. Com o nosso plano, as típicas famílias de classe média vão receber mais em salário e receber um alívio fiscal de 1.182 dólares“, afirmou Paul Ryan, líder da bancada republicana na Câmara dos Representantes.
Já Donald Trump salientou a simplicidade de uma nova declaração de impostos que cabe num papel do tamanho de um postal. E garantiu que irá “trabalhar incansavelmente para cumprir a promessa feita à classe trabalhadora que construiu a nossa nação e promover descidas de impostos históricas — que serão o combustível de que a nossa economia precisa para subir mais do que nunca”.