Podia ter sido um debate entre dois candidatos à liderança do mesmo partido, mas foi um autêntico ringue de boxe. Pelo menos na primeira metade. Santana Lopes, que “tem muita experiência política e de televisão” (como tinha previsto o próprio Rui Rio), antecipou todos os golpes do seu adversário, defendeu-se antes de sofrer qualquer ferimento e ripostou com toda a força. Rio ficou sem fala, mesmo quando as “trapalhadas” tinham sido de Santana, em 2004, e a história até poderia jogar a seu favor. Foram minutos de autêntico knock-out.

Rio sairia vivo, mas na segunda metade do debate — mais virada para o futuro do que para o passado — não conseguiu vincar diferenças significativas face ao adversário. Ambos concordaram com o equilíbrio das contas, a melhoria da produtividade, o aumento do investimento, a necessidade de Portugal crescer mais do que a média europeia, a redução de impostos para as empresas e a descentralização. Regionalização, nem vê-la. Marcelo e futuros apoios presidenciais, nem ouvi-los.

Foi assim o primeiro frente a frente entre Rui Rio e Pedro Santana Lopes, que vão a eleições internas no próximo dia 13 de janeiro.

O passado não ficou lá atrás. E as trapalhadas de Santana viram-se contra o feiticeiro

Foi quando o jornalista perguntou o que distinguia um do outro que o passado veio à baila e o debate pegou fogo. Foi também aí que Pedro e Rui se começaram a tratar por tu, sem qualquer preocupação ou formalismo. Assim que Rio disse que o que os distingue era, sobretudo, a personalidade e o estilo, Santana antecipou o golpe:

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S: Vais começar a pedir desculpa pelas trapalhadas, que eram o argumentário de José Sócrates?

R: As trapalhadas efetivamente existiram.

S: Quando?

R: Em 2004.

S: Que trapalhadas?

R: Tu foste primeiro-ministro durante cinco meses. Naquela primeira parte do mandato porque é que o Presidente da República atuou como atuou, independentemente de eu estar ou não de acordo? Se o Presidente da República o fez é porque havia razões para o fazer, e tu sabes isso perfeitamente.

S: Foste meu primeiro vice-presidente e nunca me disseste isso, nem publicamente nem privadamente. Jorge Sampaio errou muito na decisão que tomou, foi um grande adversário do partido naquela altura, e toda a gente no partido reconhece que o que ele fez foi um golpe político-constitucional. Esta sempre foi a posição do partido. Sendo tu o meu primeiro vice-presidente, ainda no outro dia te disse isso ao telefone, como é possível usares uma expressão dessas [das trapalhadas]?

Rui Rio ainda se justificou, dizendo que naquela altura também achava que era melhor para o PSD que não houvesse legislativas após a saída de Durão Barroso, mas que ainda sugeriu outros nomes para a sua substituição. Mas “Barroso disse que o partido queria Santana Lopes”. Sobre o título de uma entrevista antiga, em que Rio aparece a dizer que “só pode dizer coisas boas de Santana Lopes”, Rio também tenta aparar o golpe de Santana dizendo que só o fez por “lealdade”. “Eras primeiro-ministro há cerca de um mês, nessa altura tudo o que tinha sido o nosso relacionamento era positivo”, disse.

Santana 1 – 0 Rio

Dupond e Dupont. Quem é mais amigo de Costa?

O debate prosseguiu no mesmo registo, com Santana a tentar colar Rui Rio a António Costa, pela relação que os dois tiveram quando um era presidente da câmara do Porto e o outro presidente da câmara de Lisboa. “O teu problema é que passas o tempo a dizer mal de mim”. O antigo primeiro-ministro insistiu que Rio tem criticado o partido e até “as bases” e questionou: “Porque não dizes isso do dr. António Costa?” Mais à frente, Santana voltaria à mesma provocação, insistindo no porquê de Rio ter andando a criticar o PSD, em vez de criticar o PS: “Combinaste com António Costa?”

Santana ao ataque, Rio novamente à defesa. “Eu nunca combinei nada com o António Costa, eu não lhe devo nada a ele nem ele a mim. Ele é que confiou em ti e te nomeou [provedor da Santana Casa da Misericórdia de Lisboa]”, disse.

Na resposta, Santana defendeu-se dizendo que “só confirmou” a nomeação, que “não podia ter feito outra coisa”. E carregou no ataque, piscando o olho aos passistas: “Eu sei que tens dificuldade em reconhecer a qualidade de trabalho de pessoas do PSD, assinas cartas com António Costa [uma carta sobre a governação de Lisboa e Porto que Rio disse ser “inócua”], mais uma vez para bateres em Passos Coelho”. E acrescentou: “O Dupond e Dupont não somos nós os dois. És tu e António Costa. Tu e António Costa são Dupond e Dupont”, disse.

Ainda o passado e o tímido contra-ataque de Rio: Santana quis criar um partido contra o PSD

Nesta sucessão de ataques de Santana Lopes, em que Rui Rio se limitou a aparar os golpes, houve apenas um ataque de frente encabeçado pelo ex-autarca do Porto. E também foi sobre o passado do seu adversário: desta vez sobre o momento em que Pedro Santana Lopes “quis criar o Partido Social Liberal, um partido contra o PSD“. Mas Santana respondeu que era um “movimento” e não um “partido”, e o golpe acabaria por não ser muito incisivo.

Santana continuou efetivamente com a chave do ataque. Atacou Rio, como sempre faz, por ter estado presente em iniciativas de esquerda, como um almoço na Associação 25 de Abril (embora Rio diga que só lá foi para falar do regime), ou por o seu “grupo maravilha”, onde se inclui Pacheco Pereira e Manuela Ferreira Leite, terem estado presentes no célebre evento da Aula Magna a protestar contra o Governo de Passos Coelho, na altura da troika.

Num piscar de olho aos passistas e ao militante base que não gosta dos críticos internos, Santana lembrou ainda que foi o “grupo maravilha” de Rio, Pacheco, Ferreira Leite ou Capucho, que “tirou Pedro Passos Coelho das listas de deputados”, nas legislativas de 2009, quando era Manuela Ferreira Leite a líder do partido. Quanto a isso, Rio não pôde negar. Mas atirou com um trunfo: “Tirei também Miguel Relvas, que é teu apoiante”.

O presente. Lei do financiamento dos partidos não é prioridade, mas nenhum concorda com ela

É o assunto do momento e foi o tema de abertura do debate. E aqui, os dois candidatos concordaram no essencial: disseram que a falta de transparência não é solução, antes pelo contrário, e que se os partidos querem mexer nas verbas, então que o façam às claras e expliquem para que querem exatamente o dinheiro.

“Não me parece adequado que os partidos passem a ter um regime fiscal mais favorável do que aquele que tinham até aqui”, sobretudo numa altura em que os portugueses já pagam tantos impostos, começou por dizer Pedro Santana Lopes. Portanto, sobre a alteração que a lei terá, Santana defende que “no conjunto, os partidos não podem ficar a ganhar mais dinheiro do que ganhavam”. Ainda assim, disse que essa matéria não era uma das suas “prioridades”.

Rui Rio teve posição semelhante, criticando a opacidade do processo, e, sobre o IVA, manteve o que já tinha dito: se for para a atividade partidária, pode haver isenção de IVA, se for para o resto — “vender cafés, vender cervejas” –, ai não faz sentido haver isenção. Rio defendeu ainda que o financiamento dos partidos deve ser maioritariamente público, embora reconheça que é “impopular” defender isso. O ponto é: os partidos não devem ficar dependentes do financiamento deste ou daquele indivíduo, desta ou daquela entidade. Aqui até apresentou uma proposta: orçamento de base zero para ficar claro para que é que querem o dinheiro.

No geral, os dois tiveram posições semelhantes.

Justiça. Rio critica Ministério Público, Santana elogia

Questionados sobre a Operação Marquês, a corrupção no Estado e o estado da justiça em Portugal (nomeadamente sobre a atuação da Procuradora Geral da República Joana Marques Vidal), Rui Rio é muito crítico. “O balanço que faço da PGR não é um balanço positivo, não vejo no MP a eficácia que gostava de ver, não vejo o recato que devia ver. Os julgamentos não são para ser feitos na praça pública e nas capas dos jornais. Não simpatizo com isso, e o MP em muitos casos deixou passar para fora muita informação”, disse.

Um ponto no qual Santana Lopes disse estar “de acordo” com Rio quanto à “inadmissibilidade dos julgamentos na praça pública”. No entanto, ao contrário do adversário, Santana guardou elogios Joana Marques Vidal: “Se há algo que não pode ser dito, é que [os magistrados do Ministério Público] não tiveram receio de enfrentar poderosos. Um ex-primeiro-ministro tem sido muito visado, mais grandes figuras do sistema económico também”, notou.

Sobre o futuro, de acordo. Menos IRC para as empresas, mais descentralização no Estado

A meio do tempo, o debate voltou-se para o futuro. Mas, tal como as moções dos dois candidatos, foi tímido. Houve mais intenções do que ideias concretas para as alcançar. Os dois admitem uma redução do IRC para as empresas, os dois concordam que é preciso investimento e exportações para crescer, os dois defendem que é preciso reformas para futuro. “Acarinhar a poupança e o investimento, redistribuir a carga fiscal” e “desburocratizar”, são os segredos de Rio. Nada contra, diria Santana. “Eu acredito num efeito benéfico da redução do IRC que foi uma medida de Passos Coelho”, disse Santana, em mais uma piscadela de olho aos herdeiros do passismo.

Sobre a reforma do Estado, também de acordo. “Um Estado gigantesco é muito centralizado”, disse Rui Rio. “Um Estado abusador, a rebentar pelas costuras, não é um Estado respeitador”, disse Santana. Os dois defenderam, por isso, uma presença menor do Estado mas mais eficaz, uma descentralização do Estado e um reordenamento do território.

Um futuro sem CDS. E bloco central? Rio nunca diz “nunca”

Sobre uma coligação pós-eleitoral com o CDS, Santana Lopes lembrou que já disse que “idealmente” o PSD vai a votos sozinho, admitindo que possa haver circunstâncias que o façam mudar de ideias. De acordo. Também Rui Rio disse que “se as eleições fossem hoje o PSD ia sozinho a votos”, e que não vê o que “possa mudar” até lá. Nunca se diz nunca, mas “não será mau e será saudável testar aquilo que é a força de cada um nas urnas”.

Sobre a hipótese de Bloco Central, Santana foi taxativo a dizer que rejeita “qualquer coligação com o PS, antes ou depois das eleições”. Já Rio… nunca digas nunca.

Rio diz que não vislumbra “nenhuma circunstância extraordinária” que possa levar a que exista uma solução de Bloco Central, mas lembra que “há situações em que, por força do interesse nacional, não se pode dizer, como o ministro Mário Lino, ‘jamais’“. E deu como exemplo uma intervenção externa como a de 2011: “Imaginem que a troika dizia: assinem os três e agora vão lá os três, senão não há dinheiro. Imaginem que acontecia e se tivessem amarrado lá atrás…”.

Ou seja, Rio não diz “nunca” a um bloco central. Só para que o contrário não fique escrito.