– Boa tarde.
– Muito boa tarde.
– Olhe, eu e a minha amiga ligámos há umas duas horas para reservar, disseram-nos que o melhor seria passar por aqui e que depois tudo se resolveria…
– Hmmm… naturalmente, mas talvez tenha de esperar um pouco.
– Quanto?
– Uma hora e meia, mais ou menos.
– Isso é muito. Olhe, é que assim vamos ter que ir comer a outro lado…
– Claro, compreendo.
– (!)
– (!)
– Obrigado, até à próxima.
– Muito obrigado.

Juro que isto aconteceu assim entre duas migas forever, tal e qual, sou óptimo a lembrar-me de conversas que não interessam para nada. E aconteceu algo parecido a muito boa gente que pensou “vamos lá experimentar o restaurante do Jamie da TV”. Aparecer sem reserva é uma péssima ideia quando se trata de um dos mais populares franchises do mundo. Caramba, o restaurante tem o nome de Jamie Oliver, o inglês que faz programas de culinária e vende livros de receitas e ajuda os jovens em perigo. Estavam à espera do quê?

O problema é que o Jamie’s Italian, que abriu no sábado em Lisboa e ainda vai mais ou menos a meio gás (há um período durante a tarde, ali entre as 16h e as 19h, que fecha portas, em breve isso vai acabar), não tem lidado na perfeição com a procura, que é desenfreada. Vai daí, uns quantos desencontros têm acontecido.

Comigo correu tudo bem, obrigado pela preocupação. Mesa marcada, mesa posta, é assim que se trabalha bem. Aliás, essa é a grande conclusão a tirar de uma primeira visita ao Jamie’s Italian, provavelmente a inauguração mais esperada dos últimos tempos no campeonato da restauração a preços acessíveis em Lisboa. Esta malta trabalha bem. Bom acolhimento, excelente serviço, com direito a sugestões e explicações sobre os pratos, tempos de espera muito diplomáticos, boa comida e bom preço. Uma mistura explosiva, é o que é. Se o sítio já tinha tudo para correr bem, só à conta da marca, vai de certeza convencer os visitantes a regressar, uma e outra vez.

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Já abriu o restaurante de Jamie Oliver em Lisboa

O espaço é bonito. Não é necessariamente italiano mas Jamie também não é, por isso estamos quites. As mesas? Sim senhor, aquilo é material que interessa, daquela madeira que dá vontade de ficar ali depois a bater uma sueca ou uma bisca. Respeitando todos os códigos da gentrificação — light bulbs no lugar de lâmpadas, claro — presuntos pendurados ao balcão e aquela zona com os produtos do dono: as tábuas feitas em Portugal e que depois levam o carimbo “Oliver”, os guardanapos com etiqueta a dizer que é tudo merchandise oficial, os livros de receitas, um espanto negocial. E o toque de génio: os sofás encostados às paredes têm almofadas. Ora esse é um detalhe que não se vê em toda a parte.

Fui encaminhado com apreço e simpatia para a mesa, recebi a carta, que é daquelas com letterings trabalhados num computador da moda e que está mesmo a pedi-las ao nível do Instagram. É extensa mas percorre-se bem, dividida por entradas, massas, pizzas e pratos em que a carne tem protagonismo (bifes, hambúrgueres, por aí). Sim, também tem sobremesas, calma, pessoal. Neste caso, a ideia foi tentar ser bastante italiano e foi isto que aconteceu:

Tábua de queijo e carnes frias. Boa dose para uma só pessoa, os vinagrados no ponto certo para esgalhar um bom equilíbrio. Mas malta, isto pede pão. Eu sei, seu sei, basta pedir e ele aparece, mas tenho para mim que é uma questão de princípio ter o pão na mesa. Queijo? Carnes frias? Azeite? Então pão. Estamos conversados? Vejam lá isso.

Lulas fritas. Sabem o que é um petisco? É uma palavra que se presta a ser desmontada nuns quantos parâmetros. Prato de confeção rápida, com tempero intenso e decidido, para motivar aquele drink extra a acompanhar, passível de ser partilhado com gosto e sem inveja e com alta probabilidade de chegar à boca transportado pela mão. Tudo para gerar prazer instantâneo. Ora bem, as lulas fritas do Jamie cumprem as regras à risca. Foi um ótimo momento.

Linguini de camarão. Tinha de ser. Um prato de pasta para ver até que ponto Jamie consegue ser de facto italiano. E digo-vos o que achei da forma mais imediata, direta e óbvia de sempre: estava bem boa. Massa fresca, no ponto, tempero que vai um pouco além do óbvio mas não muito, bastante camarão, bom picante e satisfatórias doses de prazer ao enrolar o garfo na massa. Confort food com a tal almofada ali a apoiar a lombar. Nunca ninguém vai pensar em estrelas Michelin ao provar aquilo mas é provável que não pense em mais nada a não ser em comer e isso é bom sinal.

Pizza de salsicha picante à maneira do Gennaro. A recomendação de quem nos serviu demonstrou atitude e isso é sempre de agradecer. Tal como diz no menu, a pizza é picante. Por isso, não vale fazer aquela cara de admiração ao estilo “epá, que sensação desagradável neste palato que é o meu”. Sim, pica, mas não mata ninguém, deixem-se de tretas. E só custa na primeira fatia, é como fazer um escalda pés. De resto, boa massa num forno com categoria. Não é a melhor pizza do mundo nem da cidade, mas não envergonha ninguém e é capaz de fazer uns quantos amigos.

Cheesecake com merengue de limão de Amalfi. O nome engana que se farta, por isso vai daqui uma explicação que pode ajudar muitos a não cair no engodo. Isto é mais uma tarte de limão merengada que outra coisa. Para quem gosta do género, é tudo o que se espera e numa dose realmente grande. Para gente que gosta de dividir sobremesas (um ato que nunca vou compreender), é a #escolhacerta.

Brownie com gelado de caramelo salgado. Coisa simples, combinação vencedora, parece a receita mais preguiçosa do mundo. Bom, até pode ser, mas a preguiça, quando pode ser vivida, é das melhores coisas do mundo. Aliás, é melhor ainda quando é considerada crime. Isto para dizer que o raio do brownie é bom. É mesmo bom. Caramba, é tão bom.

– Desculpe, vendem disto para fora?
– Acho que pode levar, se quiser, claro que sim.
– Não está a perceber. Um tabuleiro disto, vendem.
– Hmmm… acho que isso não…
– Pronto, OK…

Éramos dois, bebemos umas quantas imperiais cada um porque iam bem com os pratos na mesa e porque tínhamos uns assuntos para tratar e assim sendo a cerveja ajuda a manter a conversa. Dois cafés para rematar e não ficou nada por comer. Absolutamente nada, gente de boca santa. Contas feitas: 66,70€. Não é caro, sobretudo tendo em conta a inflação que assombra o meio e a localização geográfica (sim, é mais um restaurante novo no Príncipe Real). E com um detalhe de enorme importância: juntar uma marca conhecida como é a de Jamie Oliver à cozinha italiana gera uma expectativa em particular: a do conforto.

Atenção, isto é um franchise. Como tal, tem um modelo, é seguro, não inventa, não quer ser um local de criatividade gastronómica nem de arrojo. É o que é, tranquilo e favorável. E nessa guerra não perde. Tem os prós e os contras bem estudados e chega a Lisboa com quilómetros de currículo. O Jamie’s Italian não quer ser uma “experiência” nem tem um “conceito”, a não ser o da comida italiana. E mais vale ir com essa ideia em mente, caso contrário pode haver desilusão no caminho. Enfim, como em tudo na vida, baixar expectativas para elevar conclusões, a ignorância é uma bênção e outras orações filosóficas do género.

O que não é filosófico é o maior problema desta visita: não havia tiramisú. Plamordedeus, resolvam isso, onde é que já se viu não haver tiramisú num italiano? Ao menos havia CRF na parte dos digestivos.

+Info:
Jamie’s Italian: Praça do Príncipe Real 28A, 1250-093 Lisboa; aberto todos os dias, mas o horário não está estabelecido em definitivo; telefone: 925 301 411.
Preço médio: 25 euros por pessoa.
Ambiente: cool (pouco) chic, portugueses, estrangeiros, adultos, crianças e até uns recatados senhores com ar de quem gere empresas duvidosas. Há de tudo.
Banda sonora: não faço ideia, é que não me lembro, mas lembro-me que não tinha nenhum cliché italiano, o que pode ser bom ou mau, dependendo da hora e do álcool.
Serviço: muito bom. Rápido, simpático, com resposta para as perguntas e sugestões para momentos de escolha difícil.

#dicacerta: não podia ser outra. Tenha cuidado com as reservas. O Jamie’s Italian está sempre cheio, não vá armado de confiança com aquele frase “a esta hora ainda não está lá ninguém”. De certeza que vai estar.

Sebastião Carolino é mais ou menos adepto da Roma. Tem uns quantos amigos que para sempre vão torcer pelo Milan, mas cada um sabe de si.