O tema em debate era “A Economia Portuguesa: Recuperação ou Colapso” e João César das Neves iniciou a sua apresentação com um mea culpa em relação às previsões do livro que publicou em 2016 — “As 10 Questões do Colapso. Portugal: a provável derrocada financeira de 2016-2017”.

Terá sido “o maior fiasco da minha carreira”, mas proporcionou o “privilégio de vir aqui falar de um livro que será comentado por Francisco Louça”, um economista que está do outro lado do espetro ideológico de César das Neves. No final, e “heresias” à parte, “as coisas estão tão más” que até estiveram de acordo em quase tudo, concluiu o professor da Universidade Católica.

Na conferência promovida pela Caixa Geral de Depósitos, que se realizou esta terça-feira na Culturgest, João César das Neves começou por eleger as principais razões pelas quais, do seu ponto de vista, conseguimos evitar o colapso do qual estávamos à beira em 2016.

As 10 questões para a (futura) derrocada financeira, segundo César das Neves

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A conjuntura internacional melhorou. Estava a piorar enquanto escrevia o livro, mas quando este saiu saiu as condições da economia internacional e nacional melhoraram, “só para me contradizerem”, ironiza. A expansão monetária promovida pelo Banco Central Europeu prosseguiu e a política orçamental, que estava a derrapar enquanto produzia a obra, também corrigiu a trajetória.

João César das Neves fala numa “mudança radical” que aconteceu em 2016, o primeiro da governação socialista apoiada à esquerda. Um ano que “começou negro e terminou mais alegre”, a ponto do economista concluir que tem de escrever mais livros. Mas a questão de fundo é saber se o risco do colapso acabou. E a resposta de César das Neves é a de que o seu livro errou no calendário, mas os problemas de fundo não foram ultrapassados.

“Somos um país de sucessos (o Euro 2016, o Festival da Canção, etc), mas ainda temos o risco do colapso”. E porquê?

  • A recuperação económica ainda é hesitante. O investimento está a cair e ninguém fala disso, estão todos virados para o consumo. “Não aprendemos as lições, Estamos a repetir os erros com imobiliário”. Para o economista, o país está a perder capital, ou seja, a formação líquida de capital é negativa. A produtividade, diz, continua a baixar, enquanto as remunerações estão a subir. Logo, a economia está a perder competitividade. E lamentou as políticas do Governo orientadas para favorecer os que dependem do Estado.
  • As finanças continuam frágeis. O setor privado e público têm uma dívida elevada e há queda de poupança.
  • Os problemas estruturais da economia nacional continuam lá, com destaque para o saldo demográfico negativo, nível baixo de qualificações e a legislação laboral ainda pouco flexível, pelo menos na lei.

César das Neves conclui assim que “qualquer perturbação internacional poderá gerar o famigerado colapso”.

No debate moderado por Carlos Tavares, ex-presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e atual assessor da administração da Caixa, coube a Francisco Louçã fazer o contraponto ao professor da Católica. Para o economista do ISEG, haverá sempre uma nova crise e quem fizer essa previsão “terá sempre razão, como um relógio parado está certo duas vezes por dia”.

O economista e ex-lider do Bloco de Esquerda considerou que as previsões de César das Neves falharam porque o autor “olha pouco para a procura” e para as dinâmicas que esta traz, sobretudo ao nível da confiança. Louçã defendeu que a procura teve um efeito importante na recuperação da economia. E acrescenta que ficou surpreendido pelo colega apresentar as circunstâncias internacionais, o tal contexto que mudou, como um fator passivo e não com impacto nos resultados económicos.

Mas se discorda dos pressupostos que sustentam as previsões de César das Neves, já em relação ao perigo de uma nova crise, as opiniões até alinham. Francisco Louçã cita uma referência na economia menos à esquerda, a revista Economist, para sinalizar que temos todos os sinais de risco relativos a uma bolha no mercado financeiro. E alerta para a não correspondência entre a liquidez que inunda o setor bancário a a disponibilidade para dar crédito real.

Para Louça, o euro também é um fator de risco para Portugal. E acrescenta que o Banco de Portugal deve negociar uma solução de transição para o fim do programa de compra de ativos do BCE, de forma a evitar que o banco central despeje ativos portugueses no mercado.

O fundador do Bloco vai também buscar os problemas estruturais da economia — alguns coincidentes com os apontados por César das Neves. Sublinha o fraco investimento e o elevado desemprego jovem. E questiona um modelo de desenvolvimento económico baseado no turismo, um setor de salários reduzidos, baixas qualificações e que não traz grande valor acrescentado.

Louça lamentou ainda o que qualificou de desastroso resultado para a banca portuguesa da união bancária, ilustrando com a circunstância de um alto funcionário do BCE ter dado ordens a Portugal para vender o Banif ao Santander. Argumentos para chegar à conclusão de que “temos problemas estruturais gravíssimos” e que aproveitou para lançar a provocação ao colega de debate, conhecido pela sua militância católica.

“Deus escreve sempre torto por linhas direitas, perdoem-me a heresia. Haverá sempre crises e tensões”.

Na resposta, João César das Neves realça:

“As coisas estão tão más que até estamos de acordo em quase tudo, retirando a heresia final”.

Coube a outro economista fazer o resumo da conferência que durou toda a tarde e que na primeira parte se debruçou sobre a crise financeira e bancária. Vítor Bento deixou um comentário “filosófico” sobre as previsões. “Detestaria viver num mundo em que as previsões se cumprissem sempre, porque funcionaríamos como autómatos”.

O que falhou na banca? Supervisores, auditores e governo dos bancos. E podem voltar a falhar