O Centro de Congressos de Lisboa está vazio. Dez homens e uma máquina desmontam agora as mesas e empilham as cadeiras dos mil congressistas desaparecidos, enquanto os jornalistas acabam os últimos textos. O 37º Congresso do PSD acabou: a esta hora, lá fora está um PSD dividido, pouco entusiasmado, mas seguramente diferente do que protagonizou os últimos oito anos. Rui Rio aprovou um rumo diferente: percebe-se o que acaba, mas não se tem uma ideia clara do que começa. Este é exatamente o momento zero do novo ciclo político. Tem ano e meio para recuperar 700 mil votos ou está perdido.
O panorama passará agora a ser marcado pelo estilo e pela personalidade de Rui Rio, que gosta de dizer que é diferente. Pedro Passos Coelho é passado. Rio está mais à esquerda ou menos à direita, conforme a perspetiva. Isso ficou explícito e marcou o congresso. Rio lançou pontes, cordas, e escadas ao PS. Não haverá Bloco Central, mas uma tentativa de centralização do bloco que governa. O líder entronizado baixou o tom das críticas aos socialistas para que seja “Primeiro Portugal”, o seu novo lema. Mas o PSD não está unido. Rui Rio teve a sua aclamação, mas é arriscado dizer que o PSD passou por um processo de “acalmação”.
O cenário político. Da mesma maneira que tudo se transformou na geometria política quando a “geringonça” nasceu, agora se não muda tudo, altera-se a posição de um jogador decisivo. As partes mais importantes dos dois discursos escritos de Rui Rio são de total abertura a entendimentos com o PS. Percebe-se que um dos grandes objetivos do novo líder do PSD é recentrar o sistema. Uma das frases-chave do primeiro discurso foi esta:
Um partido que põe o país em primeiro lugar é um partido disponível para, em nome do superior interesse nacional, procurar dialogar e resolver com os outros, o que sozinho jamais conseguirá com a indispensável eficácia.”
O objetivo da nova estratégia política do PSD é retirar o PS da orla de influência do PCP e do BE e voltar aos velhos tempos do rotativismo do tradicional “arco da governação”. Do ponto de vista do centro-direita e de algum PS mais centrista, Rui Rio estará aqui a desempenhar um papel patriótico e até de libertação dos socialistas — de regresso ao local de origem. Mas é um movimento muito arriscado: aqueles que querem converter os que não desejam ser convertidos não costumam passar da soleira da porta.
A estratégia de Rui Rio tem fragilidades. O caminho é estreito e não depende só do próprio. Para começar, está nas mãos de António Costa. Se o primeiro-ministro o deixar a falar sozinho para o ar, Rui Rio pode até vitimizar-se e até acusar o PS de radicalização, de estar nas mãos dos “jovens-turcos” — de que falou num dos discursos. Pode até dizer que o PS prefere a estrema-esquerda anti-Europa e anti-NATO para governar. Resultado? Se isto acontecer, o PSD volta à posição inicial, ainda mais frágil.
A oportunidade de Costa. Mas António Costa é ardiloso e esta é uma oportunidade. Se o PS fizer ao novo PSD umas cedências simbólicas — na descentralização ou outros dossiês —, para mostrar à “geringonça” que está ali um novo parceiro para o tango, a estratégia de Rio passa a ser um instrumento de Costa. Nesta situação, o PSD corre o risco de se transformar em mais um trunfo para o PS obter mais ganhos de causa com o Bloco de Esquerda e com o PCP.
A dificuldade de ganhar eleições. O maior problema do eixo central da política de apaziguamento de Rui Rio é que não é fácil voltar a pôr a pasta de dentes dentro do tubo. Assim, a única forma de Rui Rio tornar o PSD verdadeiramente influente é com uma vitória eleitoral. Primeiro nas Europeias em maio de 2019 — como está na sua moção — porque senão chega às legislativas sem força. E depois nas legislativas, com uma uma exigência adicional: não lhe basta ganhar, tem de ter maioria absoluta com o CDS. Isso hoje é previsível?
Não. Só se tudo passasse a correr mal, mas mesmo muito mal, ao Governo. A economia está em alta, mas sobretudo o desemprego está a descer. Como é que o PSD (com o CDS) podem recuperar os cerca de 700 mil votos perdidos em 2015? Dificilmente acontecerá com o discurso de Miss Universo feito por Rui Rio no encerramento do congresso, onde não é carne nem peixe: pouca gente no centro político será contra os fundamentos do que disse sobre Segurança Social, Saúde, Educação, ou Economia. Neste aspeto, ou apresenta maior diferenciação, ou então — centro por centro —, os eleitores preferem o centro do PS que devolveu rendimentos e “virou a página da austeridade”. Deduz-se que o conteúdo do discurso para provar que este PSD é verdadeiramente social-democrata e não liberal.
Pedro Passos Coelho deu um contributo inesperado para se perceber o contraste entre a nova e a antiga liderança. Ao fazer um discurso na sua linha de sempre contra o PS, só acentuou o tom pacificador de Rui Rio. É verdade que Passos está preso no mesmo momento desde abril de 2015 e que nunca conseguiu encarar a nova realidade (ele, que se diz um realista). De facto, mesmo sem propostas contrastantes, Rui Rio abriu o leque de temas de um partido com o discurso gasto e repetido. A trilogia défice-dívida-economia estava morta pelos resultados do Governo. E aí o novo líder pode ter algum sucesso: a parte mais aplaudida do seu discurso final no congresso teve a ver com Educação.
Mas o tempo de Rui Rio é muito curto. Tem ano e meio para ganhar umas eleições a um Governo que procura a maioria absoluta. Caso contrário, toda esta estratégia acaba nesse dia e nem sequer se coloca a questão de haver uma coligação ou apoio parlamentar ao PS para Governar. Caso haja um mau resultado nas legislativas ou insuficiente, as diretas serão marcadas na semana seguinte, porque coincide com o calendário eleitoral do partido. E aí entram em cena novos protagonistas. E aqui regressamos ao congresso.
Luís Montenegro, a nova sombra de Rui Rio
Oposição assumida em marcha. Há dez anos que não se via um discurso tão violento de um adversário de primeira linha de um líder do PSD. Nem Passos Coelho era tão duro nos congressos quando se opunha a Manuela Ferreira Leite. Com Pedro Santana Lopes amarrado pela estratégia da unidade — e com um discurso mole —, Luís Montenegro apareceu como a cara do futuro. Foi direto. Duro. Assumiu-se. Disse a Rio para não ter medo da sua sombra. E o PSD gosta disso.
Anunciou que vai sair do Parlamento. Informou que dirá o que pensa na Comunicação Social. Será notícia sempre que fizer um reparo. Rui Rio andou há ano e meio a preparar o terreno para ganhar o partido. Luís Montenegro tem ano e meio para estar preparado em outubro de 2019, depois das eleições (em caso de derrota de Rio).
Uma promessa falhada. Se Montenegro cresceu, Miguel Pinto Luz eclipsou-se. Tinha escrito uma carta aberta muito exigente a Rui Rio, mas foi ao congresso dizer menos de metade daquilo que tinha enunciado sem ter os congressistas olhos nos olhos. Teve medo de ser apupado? Se tem medo, nunca será líder. Cavaco Silva foi apupado num congresso e eleito no outro. Sem fibra, está fora da equação.
Mas Pacheco Pereira tem razão quando diz que haverá oposição interna organizada. Começou hoje.
A escolha polémica. Nesse aspeto, o novo líder não foi amigo de si próprio e ajudou a gerar descontentamento. Durante o fim de semana, fez uma gestão pouco habilidosa das sensibilidades internas e não só gerou frustrações nas suas fileiras — com a lista conjunta com os santanistas ao Conselho Nacional —, como acirrou o partido com a escolha de Elina Fraga para vice-presidente, que foi apupada e assobiada quando chamada ao palco. Também caiu mal aos congressistas o facto de não ter chamado ao palco o líder parlamentar em exercício, Hugo Soares. Foi a primeira vez que tal aconteceu no partido, porque o presidente da bancada pertence aos órgãos nacionais — e ainda está em exercício até quinta-feira. O líder da JSD também vai sair em breve e foi convocado. Era escusado. E é uma atitude que só prejudica o próprio Rio e não ajuda à pacificação do grupo parlamentar.
Contagem decrescente até quinta-feira. Na próxima quinta-feira, a liderança enfrenta o primeiro teste. Ou os deputados decidem ajudar o partido e o líder e dão dois terços dos votos a Fernando Negrão, ou vão deixá-lo numa posição frágil. Metade dos votos mais um é pouco. E uma maioria de brancos é uma desgraça. Isso seria considerado uma revolta da bancada contra a direção e arranjava um problema grave a Rui Rio. Mas tem havido deputados a comentar com o Observador que no momento os parlamentares vão ter “sentido de responsabilidade”. Vamos ver.
Um partido deslaçado. Estes pequenos e grandes sinais ficaram evidentes nos resultados das votações. A lista de Rui Rio à Comissão Política Nacional teve apenas 64,76% de votos favoráveis. Um terço dos congressistas — é muito — votaram nulo ou branco. Podemos deduzir daqui que o líder não uniu. Que há um embrião de descontentamento: ou com a inclusão de Elina Fraga, ou com a aproximação ao PS, ou com as exclusões das listas para o Conselho Nacional. Ou então apenas porque alguns congressistas não gostam de Rio, uma vez que havia um grande equilíbrio de delegados entre as duas fações em confronto nas diretas.
Os resultados das votações para o Conselho Nacional, que é o órgão máximo entre congressos — e que funciona como uma espécie de parlamento do partido — também não reforçaram a liderança. A lista de unidade de Rui Rio e Pedro Santana Lopes só conseguiu eleger 34 conselheiros para um órgão que tem 70 membros eleitos (somam-se a estes as inerências). Esperava-se mais, tendo em conta que os dois rivais estavam juntos. Neste caso, não se trata apenas da habitual proliferação de listas regionais ou com lógica de grupos circunscritos. A fusão do rioísmo com o santanismo gerou reações negativas genuínas entre os apoiantes de Rui Rio. Metade ficou de fora. Mas pode ser que a frustração seja efémera.
O clima interno não deve influenciar a atuação de Rui Rio, tendo em conta as suas características pessoais. Mas pode alimentar o embrião da oposição. O novo líder do PSD tem agora o caminho das pedras para conseguir fazer aquilo que dizia na campanha: tentar que o PSD não se torne um partido irrelevante, como aconteceu a muitos partidos do centro na Europa. Até ao Orçamento do Estado, durante os próximos meses vamos perceber se esta estratégia está mais votada ao sucesso ou ao fracasso.