Tecidos de um dador falecido, análise da atividade genética e um computador são as peças para montar este relógio da hora da morte. Os resultados, publicados na semana passada na revista científica Nature Communications, podem vir a ser uma ferramenta útil para a patologia forense.

A morte de um organismo não significa necessariamente o fim da vida. Bem, do organismo sim, mas não dos microorganismos que o colonizavam ou das células de que é feito. Alguns dos microorganismos vão ser responsáveis pelo processo de decomposição do morto, mas até que isso aconteça, ou pelo menos durante um certo período de tempo, as células vão continuar a funcionar e os genes vão continuar ativos. Claro, que haverá um momento em que tudo pára, mas a análise da atividade dos genes pode vir a contribuir para a determinação da altura da morte.

Isto é o que acontece depois de morrermos

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Os resultados apresentados nasceram do projeto GTEx — Expressão do Genótipo nos Tecidos —, um consórcio de genticistas e biólogos moleculares que inclui investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), da Universidade do Porto. Este grupo tem medido a atividade dos genes em vários tecidos com o objetivo de perceber como é que as células, que têm todas o mesmo material genético (ADN), realizam funções diferentes.

Os investigadores já conseguiram analisar mais de sete mil amostras de 36 tecidos diferentes provenientes de 540 dadores diferentes. Para cada uma das amostras, a equipa tinha informação sobre o momento da morte do dador e a data de preservação da amostra — para preservar a amostra todos os processos são interrompidos, como se ficassem congelados naquele momento.

Verificámos que muitos genes têm a sua expressão alterada em intervalos post-mortem relativamente curtos [até 14 horas depois da morte] e que estas alterações variam de tecido para tecido”, disse Pedro G. Ferreira, investigador do i3S e primeiro autor do artigo, em comunicado de imprensa. “Esta informação vai ajudar-nos a compreender melhor a variabilidade da expressão dos genes e permite-nos ainda identificar os eventos celulares espoletados pela morte do organismo.”

Cada tecido apresentava um padrão diferente de aumento ou diminuição da atividade dos genes ao longo do tempo, desde o cérebro ou o baço, com uma alteração de atividade praticamente nula, aos músculos e cólon transverso, com alterações em mais de 600 genes.

Com a enorme quantidade de dados disponíveis, os investigadores podem colocar tudo num computador e fazer simulações para avaliar que tecidos podem ajudar a determinar a hora de morte e quantos genes é preciso analisar para chegar a uma resposta. “Por enquanto, este programa de computador é apenas um exercício académico”, esclareceu o biólogo computacional Roderic Guigó, investigador no Centro de Regulação Genómica (Barcelona) e coordenador do estudo.