O PS pisca o olho à direita. A esquerda mexe-se na cadeira. O PCP não ficou agradado e emitiu esta quarta-feira um comunicado sobre “os desenvolvimentos políticos decorrentes do Congresso do PSD”, onde “exige o reforço do PCP e da sua influência política”. O Bloco de Esquerda nem esperou pelo fim do congresso social-democrata para começar a reagir ao novo discurso de aproximação de Rui Rio aos socialistas. Já o PS tenta acalmar os ânimos, dizendo que o diálogo com o PSD é “complementar” e não “concorrente” com os acordos à esquerda. Será? Tudo por causa da reviravolta no xadrez político, que pode significar a eleição de Rui Rio como novo líder do PSD. Os sinais são evidentes: um dia depois de ser entronizado, Rio foi a São Bento oferecer diálogo ao Governo sobre, pelo menos, dois temas onde a esquerda não lhe dá garantias: descentralização e fundos comunitários.
“O Congresso do PSD constituiu uma clara tentativa de apagamento da memória da acção de destruição do país e dos direitos que este partido protagonizou a partir do Governo e de branqueamento das suas responsabilidades nos gravíssimos problemas estruturais que Portugal enfrenta”, começa por dizer o comunicado divulgado ao início da noite desta quarta-feira pelo gabinete de imprensa do PCP, no site oficial do partido. É nesse sentido, e conotando o PSD como o partido que procura “agravar a exploração, o empobrecimento e o desastre nacional”, que o PCP diz que “não podem deixar de ter significado as expressões de consensualidade que marcaram o encontro de Rui Rio e António Costa”. Ou seja, o PCP não gostou de ver o flirt à sua direita.
Embora a aproximação seja noutras matérias, o PCP acrescenta outra: a “legislação laboral”. Os partidos da esquerda estão a fazer da alteração ao código de trabalho a última grande batalha da legislatura — uma vez que os três partidos preparam este ano o último Orçamento do Estado da “geringonça”. Nessa matéria, que vai sendo travada pelo Governo, o PS tem contado com o PSD para travar a esquerda.
“Este desenvolvimento confirma que o PS e o seu Governo assume cada vez mais a convergência com o PSD e o CDS, como se verificou ainda recentemente com a rejeição do projecto do PCP sobre a reposição do valor do trabalho extraordinário. O que os desenvolvimentos da situação nacional decorrente do Congresso do PSD revelam é que, para prosseguir o caminho de avanços na reposição e conquista de direitos, exige-se o reforço do PCP e da sua influência política”, lê-se.
Ao Observador, o líder parlamentar do PCP desvaloriza a aproximação do PS ao PSD dizendo que “está a ser transformado em novidade quando não o é”. João Oliveira lembra a “convergência” que houve entre PS e PSD ainda há três semanas no Parlamento quando se discutiu o pagamento do trabalho extraordinário, para dizer que “essas convergências têm tido sempre consequências negativas”. Mas que, em última análise, “as opções que o PS fizer serão da inteira responsabilidade do PS”. Ou seja, é junto da esquerda que se “tem conseguido uma política de reposição de direitos e rendimentos, que contribui para o crescimento económico”, mas se o PS se voltar para a direita, a responsabilidade será sua.
Ouvindo a intervenção de Rui Rio, não parece que haja qualquer possibilidade de convergência em áreas como a Segurança Social, Saúde ou Educação”, diz João Oliveira ao Observador.
É também essa a postura do Bloco Esquerda face ao novo PSD: Rui Rio quer afastar o BE e o PCP da esfera da governação, mas o acordo entre os partidos da esquerda e o PS “mantém-se em vigor”. “Não há aqui uma questão de incómodo, a política não se faz de birras e de incómodos”, disse Mariana Mortágua esta quarta-feira à noite na SIC, sublinhando que o PS tem uma escolha feita que está “blindada num acordo político”. Logo, pelo menos até o final da legislatura, o máximo que o PSD pode aspirar é a “tornar-se subalterno do Governo”. De resto, a deputada bloquista procura também desvalorizar a mudança de paradigma lembrando os vários “momentos” em que, no decurso da atual legislatura, o PS contou com o PSD para aprovar algumas medidas, nomeadamente a resolução ao BANIF.
Certo é que, ainda nem o Congresso do PSD tinha acabado e Catarina Martins já estava a reagir ao discurso de abertura de Rui Rio. Foi no decorrer de um discurso de encerramento do Fórum Educação 2018, do BE, mas a coordenadora bloquista não resistiu a comentar a mudança que estava prestes a ocorrer no partido, acusando o novo líder do PSD de querer tirar força à esquerda e garantir que “nada é feito sem o acordo da direita”.
Rui Rio garantiu várias vezes no seu discurso, que Bloco Central nem pensar, mas que é preciso um acordo de regime para mudar o regime, para ter a certeza de que nada é feito sem o acordo da direita. Ou seja, precisamos mesmo de uma mudança do regime político que tire qualquer capacidade à esquerda de definir políticas, e que dê à direita o veto de todas as políticas, sejam elas sobre a gestão democrática da escola, sobre o investimento ou sobre o salário e o trabalho no país”, disse Catarina Martins.
A missão de bloquistas e comunistas será, daqui para a frente, colar Rui Rio ao PSD de sempre — o PSD da troika que impôs medidas de austeridade como nunca. Foi o que procurou fazer Pedro Filipe Soares esta quarta-feira no debate na Assembleia da República, assim como Heloísa Apolónia e João Oliveira, que acusou o PSD de tentar “fazer um apagão de memória e branquear as responsabilidades do PSD nos gravíssimos problemas que o partido ainda tem”.
PS tenta serenar os ânimos: Rio é “complementar”, não “concorrente”
Há sobretudo dois momentos nos últimos dias que mostram a preocupação socialista (pelo menos de alguns socialistas) para serenar eventuais tensões que a nova liderança do PSD possa trazer junto dos partidos da esquerda que apoiam o Governo. O mais evidente saltou à vista nas declarações de António Costa esta terça-feira, horas depois de ter recebido em São Bento, pela primeira vez depois da eleição, o novo líder do PSD, Rui Rio.
A relação entre os dois — já se sabia — é pacífica, e aprofundou-se no período em que ambos coabitaram nas presidências de duas das maiores cidades portuguesa: Costa em Lisboa e Rio no Porto. E o à vontade no diálogo transpareceu na reunião e ontem, tendo também sido assumida no final. Depois de duas horas e meia de reunião, Rui Rio utilizou a estratégia a que Costa recorre para explicar o êxito do acordo de esquerda e disse: “Não estivemos a carregar tanto no que nos divide mas sim no que de hoje para amanhã pode consubstanciar-se em políticas positivas.”
Costa sublinhou que a conversa foi “muito simpática, muito cortês e muito construtiva”, acrescentando logo de seguida que “quanto à solução de Governo, está encontrada. É uma solução que funciona bem, tem produzido bons resultados na economia, bons resultados no emprego, bons resultados nas finanças públicas, bons resultados para o país, que está hoje calmo, tranquilo, confiante. Não há nenhuma razão para mudar nada”. Não fosse a frase suficiente para tranquilizar parceiro e ainda o fez saber através da sua conta oficial de Twitter: “Não está em causa a solução e Governo”.
Recebi hoje o novo Presidente do @ppdpsd, Dr. Rui Rio. Foi uma conversa muito construtiva. Não está em causa a solução de Governo, consolidada e que tem produzido bons resultados. Mas a par desta, há temas que requerem acordo político o mais alargado possível. pic.twitter.com/DRZbidy7Zu
— António Costa (@antoniocostapm) February 20, 2018
Além de Costa, nas fileiras do partido há também soldados que procuram acalmar os ânimos da esquerda. Ao Observador, João Galamba diz que o diálogo com o PSD de Rui Rio pode ser “complementar” mas “não concorrente” com o diálogo que se mantém com PCP e BE. Até porque o pacote da descentralização não deixará de ser feito também tendo em conta o PCP e o BE. “Haver um agenda construtiva não coloca em segundo plano ou ameaça todas as outras áreas onde há acordo”, diz Galamba, insistindo que “não há nenhuma ameaça para que eventuais entendimentos com o PSD possam fazer perigar as outras áreas privilegiadas cm o BE, PCP e PEV.”
Para o porta-voz do PS “as pessoas estão a ver a coisa ao contrário: que o que se passava com Passos Coelho era normal e que com o Rui Rio é que é a anormalidade.” Segundo João Galamba, este é “um regresso à normalidade” e acrescenta que “não faz sentido o segundo maior partido autárquico estar fora do diálogo saudável sobre a descentralização”. No entanto, traça linhas vermelhas muito semelhantes às de João Oliveira, do PCP:
Ouvindo a intervenção de Rui Rio, não parece que haja qualquer possibilidade de convergência em áreas como a Segurança Social, Saúde ou Educação”, acrescentou Galamba.
E à revista Visão, o líder parlamentar do PS, Carlos César, encontra outra formulação para dar segurança à esquerda, dizendo que se os resultados de 2015 se repetissem, a esquerda continuaria a ser a preferência do PS para negociar uma solução de Governo. “Não viabilizamos um Governo minoritário do PS”, disse César. “Se não viabilizámos agora, porque haveríamos de viabilizar em 2019?”. Já sobre a disponibilidade para o diálogo mostrada pelo novo líder do PSD, César quase repete o que diz João Oliveira: “O dr. Rui Rio não disse nada que o dr. Passos Coelho não pudesse ter dito. A única diferença é que há uma maior predisposição para o diálogo“. César saúda isso, mas acrescenta logo a seguir que não há nenhuma notícia sobre o conteúdo e sobre o objetivo desses diálogos”.
É também esse o papel de Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e um dos mais acérrimos defensores (dentro do Governo) da solução de esquerda. Ainda esta semana, na véspera do congresso do PSD, escreveu um artigo de opinião no Público a fazer o elogio à “geringonça”. No artigo, Pedro Nuno Santos faz vários avisos, mas entre eles um que também serve ao PS e a tentações para o que a esquerda mais teme: o Bloco Central. Com esta solução governativa, diz o socialista, o PS “aumentou a sua autonomia estratégica. Não está impedido de procurar compromissos alargados em áreas específicas (como as de soberania), mas deixou de estar obrigado a governar com a direita”. Entendimentos em matérias de soberania (o que já acontece na política externa e defesa, por exemplo), sim, mas para mais do que isso, deixou de haver justificação. Até porque “este Governo e esta maioria estão a mostrar que é possível viver melhor em Portugal e a imprimir mudanças profundas nas políticas públicas”, argumentou.
Com Vítor Matos
Homem da “geringonça” faz um aviso ao atual PSD (e outro ao PSD do futuro)
Artigo atualizado às 9h com declarações de Carlos César à revista Visão