“É importante não pôr a máquina muito perto do chão, que podem saltar pedras”, segreda Capoulas Santos. António Costa escuta com atenção. Está equipado da cabeça aos pés: proteção para as canelas, casaco amarelo, óculos e viseira, protetor auricular e um vistoso capacete amarelo. Já tem a roçadora nas mãos. Chegou a hora de mostrar o que vale. Avançou hesitante, como quem apalpava terreno. Evitou as pedras, como aconselhara Capoulas Santos, e foi tentando encontrar o melhor ritmo, sempre sob olhar atento do (verdadeiro) sapador florestal, que ia corrigindo os gestos menos seguros. Lá ao longe, o ministro da Agricultura seguia alegremente o seu trabalho, sem aparente dificuldade. Como se estivesse habituado. “Se tivesse de contratar alguém, contratava o outro. O primeiro-ministro não tem muito jeito para isto“, ouviu o Observador entre a pequena multidão que assistia às proezas dos dois.
Seis minutos e 47 segundos. Durante rigorosamente seis minutos e 47 segundos, o primeiro-ministro vestiu a pele de sapador florestal, pegou na roçadora e limpou o terreno. Ok, não foi necessariamente durante todos os seis minutos e 47 segundos — pelo meio, três minutos depois de ter começado, António Costa esqueceu-se de “dar corda” ao aparelho e o carreto travou. “Já encravou a máquina”, ria-se alguém na assistência. O improvisado assistente operacional corrigiu o problema em segundos e lá voltou António Costa à sua brevíssima missão.
“Tinha curiosidade em ver como é que era. E é um trabalho duro [o de sapador florestal] e tem que se ter cuidado para não se bater na pedra, para não se cortar os rebentos das árvores. É um trabalho de grande valor e muito duro, mas precioso”, assumiria no fim, aos jornalistas, em plena Serra de São Mamede.
António Costa chegara a Portalegre de helicóptero, depois de começar o dia bem cedo em Loulé. Saiu de carro de Lisboa, acompanhado pelos membros do seu gabinete, o ministro Luís Capoulas Santos e Mariana Vieira da Silva, a secretária de Estado adjunta do primeiro-ministro. Apresentou-se vestido a rigor: botas resistentes (e que jeito deram, para enfrentar a lama e os ramos caídos), calças verdes e o mesmo casaco verde aos quadrados que já usou noutras ocasiões menos formais — e que nem passou despercebido na comitiva que acompanhava António Costa.
Ao início da manhã, no Algarve, tinha resistido a pegar na enxada. Em Portalegre, não. Depois de uma primeira ronda de cumprimentos aos militares das Forças Armadas e aos sapadores que ajudavam na limpeza — “Então, tudo bem? Como é que isso está a correr?” — , ia atirando, aqui e ali, o primeiro-ministro), António Costa lançou-se ao serviço.
O primeiro-ministro prometera dar o exemplo e foi isso que fez. Ele e os restantes 20 membros do Governo que este sábado estiveram a assistir aos trabalhos de limpeza florestal que se vão fazendo de norte a sul do país, numa campanha que Rui Rio, líder do PSD, resumiu a “ação de marketing, para desviar as atenções do essencial“. E o essencial, sugeriu Rio, é que o Governo socialista falhou no ataque aos incêndios de junho e outubro e não está a fazer tudo ao seu alcance para evitar novo desastre.
Costa. Governo a limpar matas é uma “ação de comunicação” que funciona como “alerta”
O primeiro-ministro não acusou a crítica. Pelo menos, aparentemente. Em Torres Vedras, a mais de 230 quilómetros de Portalegre, confrontado pelos jornalistas com as declarações de Rui Rio, António Costa assumiu que sim, que esta campanha se tratava de uma “ação de comunicação”. Mas pelos bons motivos, jurou o socialista. “Serve para alertar e incentivar o país a prosseguir esta ação absolutamente fundamental para cumprir a lei em redor das casas e das comunicações, das vias de comunicação ou de eletricidade, e ter matas limpas sem material combustível acumulado, porque quando mais limparmos agora mais eliminamos o risco.”
Ação de marketing ou não, a máquina do terreno estava bem oleada. Em Torres Vedras, estava tudo pronto preparado para receber o primeiro-ministro na sua última ação do dia. Não fosse um pequeno percalço: depois de terminar a ação de Portalegre, António Costa atrasou-se e deixou a comitiva que o aguardava mais de uma hora à espera em Torres Vedras. Os sapadores florestais iam cumprindo o papel que lhes estava atribuído, devastando a vegetação rasteira com a mesma roçadora que o primeiro-ministro usara, horas antes, no norte do Alentejo. Mas a comitiva tanto esperou, que já se faziam piadas: “É melhor pararem. Daqui a pouco o senhor primeiro-ministro chega e não temos nada para mostrar“.
Rio acusa Governo de ter ignorado alerta para dia mais perigoso do ano
Às 16h35, a chegada dos representantes da Proteção Civil, dos bombeiros e do secretário de Estado das Infraestruturas, Guilherme W. d’ Oliveira Martins, anunciava a iminente entrada de António Costa em cena. No terreno, junto à pequena tenda branca improvisada à beira da estrada, já se encontrava António Laranjo, presidente da Infraestruturas de Portugal, e o autarca local. Ao todo, eram cerca de 50 pessoas, preparadas e ansiosas para receber António Costa, na Estrada Nacional 368, em direção a Campelos.
O primeiro-ministro chegou já o relógio marcava as 16h40 — uma hora e 20 minutos depois do combinado. Cumprimentou os presentes, dirigiu um ou outro comentário aos homens que se esforçavam na limpeza dos terrenos, fez uma pequena ronda para inspecionar o estado das coisas e juntou-se finalmente a António Laranjo, para ouvir o ponto de situação dos trabalhos de limpeza conduzidos pela Infraestruturas de Portugal.
Mesmo num ambiente controlado, António Costa não se livrou de críticas. Enquanto falava aos presentes, foi interrompido por uma voz masculina: “Então, e isto é só este ano!?”. O primeiro-ministro garantiria que não, que o esforço começado este ano — depois de anos e anos de abandono e desleixo das matas e florestas –, seria para continuar nos próximos. À segunda, o mesmo morador tinha uma queixa concreta para fazer: “Vendi os meus eucaliptos por 800 euros e gastei 600 euros a cortar os cepos, senhor primeiro-ministro. Acha que isto é justo? Pergunte ao Mário Centeno, não é o seu ministro das Finanças? Tenho a quarta classe mas não sou burro. Diga-me: é justo? Se as câmaras não tivessem ligadas não dizia que sim”, insurgia-se o homem de meia-idade.
António Costa não cedeu. Não agora, nem antes. Confrontado pelos jornalistas com as multas que serão aplicadas aos proprietários que não limpem as matas, o primeiro-ministro disse que o objetivo do “Governo não é cobrar multas”, mas garantir a limpeza da floresta — a melhor forma de prevenir futuros incêndios como os de junho e outubro. Desta vez, o socialista ainda reconheceu que o seu interlocutor até podia ter razão — afinal, segundo a versão dos factos apresentada pelo próprio, teria tido autorização prévia para construir uma casa perto de uma zona de eucaliptos; mas rematou a questão de forma taxativa:
O que é que quer que lhe diga? A segurança de todos está acima disso tudo”, respondeu Costa.
No final, só ficaram por justificar os atrasos na preparação da época de fogos — como as dificuldades na contratação de meios aéreos. Numa altura em que estão por contratar 40 dos 50 meios aéreos previstos, António Costa ainda admitiu que é “necessário preparar os meios de combate”, mas centrou a mensagem na necessidade de prevenir. “Prevenir é melhor do que remediar. Neste momento é prioritário que cada um faça no momento certo aquilo que deve ser feito. Até dia 31 maio devemos fazer o esforço para eliminação das condições de risco porque quanto menor for o risco menor é a probabilidade de virmos a ter uma tragédia”, insistiu o primeiro-ministro.
Quanto ao relatório da comissão técnica independente que analisou os incêndios de outubro — e que criticava, precisamente, algumas das novas regras de limpeza da floresta adotadas pelo Governo –, poucas palavras de António Costa. “É um relatório que merece ser lido com calma para serem tiradas todas as ilações. Mas é certamente um contributo muito importante”, rematou o primeiro-ministro, antes de deixar a mata e zarpar até à política, para o encerramento do congresso federativo da Área Urbana de Lisboa do PS, em Sintra.
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