O Presidente da República acredita que “a extrema-esquerda não existe mais em Portugal“. Marcelo Rebelo Sousa fazia essa análise durante uma conversa com alunos universitários, em Madrid, em que reconheceu o “equilíbrio difícil” da atual governação portuguesa.
Marcelo Rebelo de Sousa respondia a uma questão sobre migrações e refugiados, numa conferência sobre “Portugal e Espanha: Europa e América Latina”, na Universidade Carlos III, na capital de Espanha, onde se encontra em visita de Estado. Na resposta, em castelhano, o chefe de Estado reiterou a mensagem de que no espectro político português há “uma unanimidade absoluta” quanto à abertura aos refugiados e, a este propósito, afirmou que Portugal não tem extrema-direita.
“Mesmo a extrema-esquerda não existe mais em Portugal. Há a esquerda mais ambiciosa nas suas posições”, acrescentou o Presidente da República, sem se alongar mais sobre este tema.
Estavam presentes na sala a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, e os deputados que o acompanham nesta visita ao Reino de Espanha: Carla Barros, do PSD, Luís Testa, do PS, António Carlos Monteiro, do CDS-PP e Rita Rato, do PCP — o Bloco de Esquerda optou por não se fazer representar.
Antes, Marcelo tinha reconhecido as “tensões” existentes no seio da solução parlamentar encontrada à esquerda, embora assumindo o “equilíbrio difícil” alcançando entre a necessidade de consolidação orçamental e a preocupação social. O Chefe de Estado elogiou mesmo os “bons resultados” conseguidos.
“É um equilíbrio difícil. Há os que dizem: é demasiada redução do défice. Há os que dizem: é demasiada preocupação social. O equilíbrio, nesta situação, é uma prova de vivência e maturidade democrática. É possível, na Europa, ter diferentes vias para a construção do equilíbrio financeiro. São diferentes, são diversas, umas à direita, outras à esquerda. Portugal tenta apresentar uma via de equilíbrio – até hoje, com bons resultados. Isto é muito bom para Portugal, é muito bom para os portugueses“, afirmou.
O chefe de Estado tinha sido questionado por uma aluna sobre o “sucesso da recuperação” económica de Portugal. Na resposta, avisando que iria falar no seu “péssimo castelhano”, o Presidente da República começou por recusar que se veja essa evolução económica recente como “um milagre”, contrapondo que resulta do “trabalho de dois governos” e também de “causas externas”.
Marcelo Rebelo de Sousa centrou-se, depois, no “trabalho deste Governo, com a redução do défice, da dívida pública, com condições para o crescimento, para o emprego, para a justiça social, e também com a estabilidade política e social”.
Referindo que os portugueses, “com os seus sacrifícios, criaram as condições para esta evolução económica”, prosseguiu: “É isto um exemplo de democracia? É um exemplo de democracia, porque se faz com estabilidade política, com uma governação de legislatura, de quatro anos, com uma preocupação de estabilidade económica e social – com tensões que são próprias da democracia”.
Perante a plateia composta, sobretudo, por estudantes de mestrado, o Presidente da República descreveu o atual quadro político nacional dizendo que “há um Governo minoritário, com apoio parlamentar maioritário, há duas oposições fortes“. “Há uma preocupação de equilibrar o que é necessário para a redução do défice com a justiça social” e de “de recuperação do que foi sacrificado durante os anos da crise: quatro anos e meio de crise”, acrescentou, concluindo: “É um equilíbrio difícil“.
Marcelo apela a discussão “urgente” sobre futuro da Europa
Antes, o Presidente da Repúblico tinha já apelado aos dirigentes europeus que discutissem nos próximos nove meses o futuro querem para o seu continente que está dividido entre democratas e movimentos populista e xenófoba.
“Debater que Europa que queremos no futuro é essencial” e “urgente”, defendeu Marcelo Rebelo de Sousa em resposta a uma pergunta feita numa conferência que deu na Universidade Carlos III de Madrid.
Para Marcelo Rebelo de Sousa “há seis meses, nove meses” no máximo para fazer essa discussão, antes do início de várias campanhas eleitorais, sendo uma delas as eleições para o Parlamento Europeu na primavera de 2019.
“É muito curto, mas não podemos perder esta oportunidade única e irrepetível”, insistiu o Presidente português, alertando que sem esse debate haverá “duas Europas, múltiplas Europas. Uma democrática e outra populista, xenófoba, fechada, musculada e muito pouco democrática”.
Noutro momento, o chefe de Estado voltou a sublinhar que a Europa está dividida também quanto à imigração que chega de fora das suas fronteiras, sendo a posição de Portugal de “abertura” a este tipo de movimentos de pessoas.
“A Europa é velha e ganha com a imigração”, “não há europeus puros”, “todos os europeus são uma mistura” e “aceitar isto é aceitar o que é importante”, uma sociedade multicultural, disse Marcelo Rebelo de Sousa, que acrescentou que em Portugal “todos aceitam este princípio”.
O Presidente criticou os Estados-membros europeus que se manifestaram contra os refugiados, considerando que a sua posição é “a negação da democracia na Europa”.
Marcelo sublinhou que o debate sobre o “futuro da Europa” é “muito difícil” e que seria “desejável” haver uma “posição comum” dos Estados-membros, não descartando também a possibilidade de impor “limites” à imigração.
Mais à frente, o presidente manifestou-se contra os que defendem a criação de um “núcleo duro” de alguns Estados-membros, com o continente dividido em vários grupos de países. “Não é bom” porque “é a negação da democracia”, concluiu Marcelo Rebelo de Sousa.
Manifestação ensombra cerimónia de homenagem aos Caídos
O dia de Marcelo acabou por ficar marcado por uma manifestação durante o encontro entre o Presidente da República e o Rei espanhol, Felipe VI, que ensombrou a cerimónia de homenagem aos Caídos (mortos), em Madrid. A cerimónia foi perturbada pelos gritos e assobios de uma manifestação com várias centenas de reformados.
Os pensionistas expressavam perto do Congresso dos Deputados (parlamento) o seu desagrado pela falta de aumentos das reformas, mas quando viram o cortejo oficial chegar a uma praceta ao lado, e sem saber muito bem o que se passava, resolveram dirigir-se para o local para manifestar o seu descontentamento.
Quando saiu do carro oficial, Marcelo Rebelo de Sousa, que também não sabia o que estava a acontecer, sorriu para os manifestantes, acenou e fez o símbolo de “ok” com o polegar para cima.
Assobios e várias palavras de ordem como “o povo unido jamais será vencido” foram abafadas pela banda militar que entoou o hino de Portugal e de Espanha. A cerimónia demorou alguns minutos e no final Felipe VI e Marcelo Rebelo de Sousa despediram-se e entraram cada um no seu carro.
“Sinto-me em casa em Madrid”
Instantes antes, o Presidente da República participara numa cerimónia onde recebeu a “chave de ouro” da cidade de Madrid. No início da visita de Estado de três dias ao Reino de Espanha, Marcelo aproveitou para dizer que se sentia em casa em Madri, uma cidade cosmopolita, multicultural e dinâmica.
Marcelo Rebelo de Sousa chegou num Rolls Royce Phantom e foi recebido pelos reis Felipe VI e Letizia, com honras militares. Foi no mesmo Rolls Royce, com escolta a cavalo, que o chefe de Estado seguiu do Palácio Real para o antigo edifício dos Paços do Concelho de Madrid, na Praça de La Villa, para receber a “chave de ouro” da cidade das mãos da presidente da Câmara Municipal, Manuela Carmena.
“É para mim uma profunda honra receber a chave de ouro de uma cidade e capital tão amiga de Portugal como é Madrid. Em rigor, não era preciso, porque desde os seis anos de idade, primeira vez em que vim a Madrid, me senti como vosso, como estando em casa, como partilhando as vossas alegrias, os vossos sonhos, as vossas expectativas e a vossa amizade, e a vossa fraternidade”, afirmou.
Num curto discurso, de cerca de cinco minutos, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que “futuro, esperança, desenvolvimento” são “três marcas da cidade de Madrid” e também “sintetizam o signo sob o qual se desenrola esta visita”.
Segundo o Presidente da República, a capital de Espanha “tem presente, mas é sobretudo futuro” e é uma cidade “multicultural, multivalente, centro mundial da arte, polo de relacionamento com outros continentes, e desde logo com a América Latina, farol para a paz e para a fraternidade”.
“Socialmente vibrante, economicamente pujante, culturalmente inovadora, com a força das instituições, a solidez das fundações, a história de tantos séculos. Mas, sobretudo, a aposta na juventude, nas jovens gerações, no futuro”, descreveu.
Madrid destaca-se pela “visão cosmopolita, a abertura ao mundo, a não aceitação da xenofobia, a recusa do protecionismo, a coesão, a solidariedade, a defesa dos direitos humanos”, prosseguiu.
Em castelhano, Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou que é “uma cidade cujas chaves não fecham portas”, antes “abrem horizontes”, que constitui “um símbolo dos valores da liberdade, do respeito pelo outro e do cosmopolitismo” e honra “o melhor da Europa”.
O Presidente da República referiu que “nomes tão portugueses como Almada Negreiros ou Siza Vieira, entre outros, deixaram uma marca também” em Madrid e falou sobre os milhares de portugueses residentes na capital espanhola, considerando que ali “foram tão bem acolhidos” e que “se sentem tão bem integrados”.
“Contribuem para o desenvolvimento de uma cidade que nos é tão querida. Fazem-no da música à gestão de museus, da finança à banca, do ensino às artes, da ciência à tecnologia, do comércio à indústria. E ao fazê-lo desempenham um papel fundamental na construção do futuro, na afirmação de um caminho de esperança e no desenvolvimento e reforço das relações de fraternidade que nos unem”, disse.