O líder parlamentar do PSD deixa “tudo em aberto” sobre os deputados dos Açores e Madeira que recebem duplicação de abonos pela deslocação às ilhas. Fernando Negrão avança ao Observador que vai pedir ainda esta segunda-feira um parecer urgente à subcomissão parlamentar de Ética, deixando depois tudo em aberto quanto à eventual alteração do regime de apoios parlamentares e quanto ao futuro dos deputados nesta situação, remetendo para a “responsabilidade de cada um”.
Depois de o semanário Expresso ter noticiado que muitos dos deputados provenientes das ilhas estavam a receber dinheiro pelas viagens que não pagavam, o cerco apertou-se esta segunda-feira depois de o deputado do Bloco de Esquerda Paulino Ascensão ter renunciado ao mandato admitindo a “prática incorreta”. O Observador sabe que este deputado já tinha intenção de sair, mas a saída deveria acontecer depois da discussão do Orçamento do Estado, no último trimestre do ano, e não agora.
São, que se saiba, sete os deputados que estão nesta situação: os cinco deputados do PS eleitos pelos Açores e Madeira, onde se inclui o presidente Carlos César, um vice-presidente, Carlos Pereira, bem como Lara Martinho, João Azevedo Castro e Luís Vilhena; um deputado do PSD eleito pela Madeira, Paulo Neves, e o único deputado do Bloco de Esquerda proveniente das ilhas, Paulino Ascenção, que esta segunda-feira renunciou ao mandato. O PCP, os Verdes e o CDS não têm deputados eleitos pelas regiões autónomas, e no PSD, só a deputada Rubina Berardo afirmou não pedir reembolso das viagens por “opção pessoal”. Os restantes quatro deputados sociais-democratas provenientes das ilhas — Berta Cabral, Sara Madruga da Costa e António Ventura — não responderam em que situação se encontravam.
No seguimento da notícia avançada pelo Expresso este sábado, Fernando Negrão admitiu desde logo que o PSD iria estudar medidas para acabar com a duplicação de apoios. Agora vai mais longe. A “prioridade”, afirmou ao Observador esta segunda-feira, é “pedir à subcomissão de Ética um parecer, o que acontecerá ainda hoje”. “Depois fica tudo em aberto, designadamente a possibilidade de alterar o respetivo regime. Quanto ao mais, cabe na responsabilidade de cada deputado”, disse quando questionado, primeiro, sobre que consequências iria ter o deputado Paulo Neves que está no leque dos que pediram reembolso pelas viagens, e, segundo, se o grupo parlamentar estava a par da situação dos restantes deputados que se recusaram a responder ao semanário sobre se pediam ou não os reembolsos pelas viagens.
No requerimento enviado esta tarde ao presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, o grupo parlamentar do PSD diz que, segundo foi noticiado, os deputados em causa “recorrem a um expediente que lhes permite obter benefícios por duas vezes nas viagens e receberem até reembolsos de viagens que não pagam”. “Perante esta denúncia, urge saber se esta situação se confirma, se é regular e se a lei permite mesmo esta duplicação de apoios”, pedem os deputados sociais-democratas no requerimento. O PSD acrescenta ainda que, segundo a notícia do Expresso, “deputados residentes na Madeira e nos Açores recebem ajudas de despesas de deslocação que, em regra, lhes pagam a maior parte do preço dos bilhetes, pedindo depois o reembolso dessas mesmas viagens junto dos CTT ao abrigo do regime do subsídio social de mobilidade”. Por isso, pedem á subcomissão de Ética que seja “chamada a pronunciar-se sobre esta situação e com carácter de urgência dado o melindre da questão a apreciar”.
Em causa está o facto de os deputados das ilhas somarem o subsídio social de mobilidade (atribuído a todos os cidadãos das regiões autónomas em viagens ao continente) à compensação fixa atribuída pela Assembleia da República aos deputados eleitos pelos Açores e Madeira — pelas deslocações que fazem ao seu circulo eleitoral. O subsídio social de mobilidade, por um lado, permite que todos os cidadãos das regiões autónomas sejam reembolsados pelas viagens entre as ilhas e o continente, desde que apresentem comprovativo da viagem (para os Açores, o reembolso é acima dos 134 euros, sem teto máximo; para a Madeira, acima dos 86 euros, até um máximo de 400). A isto acresce a compensação fixa atribuída pelo Parlamento a cada deputado eleito pelas regiões autónomas, que é de 500 euros por semana para cada um, mais 36 cêntimos por quilómetro (mesmo que não viajem), segundo o semanário Expresso.
Deputado do BE já tinha intenção de sair
A polémica já fez uma baixa. Esta segunda-feira, o deputado bloquista Paulino Ascenção anunciou, em comunicado, que iria renunciar ao mandato de deputado admitindo a “prática incorreta” de duplicação dos abonos. Já Carlos César, líder parlamentar e presidente do PS, um dos visados, optou por enviar um esclarecimento ao semanário Expresso onde afirma que a prática é legal. Segundo Carlos César, “esse subsídio é gerido pelos próprios conforme entenderem, quer quanto ao número de viagens, quer quanto à transportadora ou tarifas disponíveis. Sendo residentes na região, [os deputados] utilizam em regra essa tarifa mais favorável, a qual há uns anos é feita mediante reembolso ao utilizador, quando antes era de compensação à transportadora”. No limite, Carlos César diz que “cumpre e sempre cumprirá a legislação e regulamentação em vigor”.
Deputado do Bloco renuncia a mandato por “prática incorreta”
A braços com uma eleição interna para a coordenação do Bloco de Esquerda na Madeira, Paulino Ascenção já tinha dito em várias entrevistas que era sua intenção renunciar ao mandato na Assembleia da República para se dedicar inteiramente às questões da região autónoma. Num debate na RTP Madeira a 23 de fevereiro deste ano, entre os candidatos do BE à coordenação daquele partido na Madeira, Paulino Ascenção respondia taxativamente à questão sobre como ia coordenar o BE Madeira estando parte do tempo em Lisboa: “A breve trecho vou ter que renunciar ao lugar na Assembleia da República para me dedicar mais de perto à tarefa e ao combate fundamental do BE na Madeira, que é o de mudar a realidade de submissão do governo regional aos interesses privados. A breve trecho essa decisão será colocada, para estar onde faço mais falta”, dizia na altura.
A 8 de março, numa entrevista ao Diário de Notícias da Madeira, o deputado bloquista especificava o timing ideal para a sua saída da Assembleia da República, caso fosse eleito coordenador dos bloquistas na Madeira: “Não será de imediato. Pode ser no verão, ou após a aprovação do Orçamento do Estado, que é o último desta legislatura, num tempo que coincide com a convenção nacional do Bloco, que será no final de novembro”.
Confrontado pelo Observador sobre o facto de o deputado já ter intenção de deixar a Assembleia antes de a polémica das viagens rebentar, fonte oficial do Bloco de Esquerda limitou-se a remeter para o comunicado enviado às redações pelo próprio deputado, recusando-se a explicar se a saída foi concertada com a direção nacional. No comunicado, Paulino Ascenção admite a “prática incorreta”, pede “desculpa” e afirma que vai “proceder à devolução da totalidade do valor do subsídio de mobilidade, que será entregue a instituições sociais da região da Madeira”. Mas não diz qual o valor total.
A verdade é que o Bloco de Esquerda aparece na fotografia, para já, como o único partido que tomou medidas de reação à notícia sobre a duplicação de apoios. O PCP, o CDS, o PEV, e o PAN não têm deputados provenientes das regiões autónomas. Mas, ao Observador, o líder parlamentar do CDS diz que, mesmo não tendo o CDS nenhum deputado das regiões autónomas, está disponível para, no âmbito do grupo de trabalho sobre o reforço da transparência no exercício de cargos públicos “avaliar qualquer eventual alteração à lei”. O deputado do PCP António Filipe, por sua vez, admitiu ao Diário de Notícias, que é importante que os deputados “recebam aquilo que custa o bilhete, que não sejam prejudicados ou beneficiados”, mas, ao Expresso, viria a dizer que o Parlamento, ou por via da comissão de ética ou por via da conferência de líderes, deve tomar uma posição sobre o assunto.
Questionado pelo Observador, o gabinete do Presidente da Assembleia da República diz que o mecanismo de atribuição do subsídio de deslocação é automático, optando por não se pronunciar sobre o assunto. São os deputados, individualmente, como cidadãos das regiões autónomas, que têm depois de preencher os papéis para obterem, junto dos CTT, a maior parte do dinheiro da viagem — mesmo que essa viagem tenha sido paga com a compensação da Assembleia prevista para esse efeito. Esta compensação, no valor de 500 euros por semana, é paga aos deputados sem que estes tenham obrigação de apresentar comprovativo do voo — ou seja, podem ou não viajar de facto. Só não têm direito a ela se faltarem aos trabalhos parlamentares.