“Um aperto de mão vale mais do que muitas assinaturas”, disse António Costa. E no caso específico dos dois acordos de regime assinados esta quarta-feira, o aperto de mão entre o primeiro-ministro e o líder do PSD, Rui Rio, trouxe mais informação política sobre o futuro próximo do que as declarações conjuntas firmadas sobre a descentralização e os fundos comunitários. Nestas matérias, o Governo e o PSD basicamente acordaram estar juntos a estudar os temas, definir prioridades genéricas e a dar sinais políticos para fora — mas sem muitos detalhes de como o tencionam fazer.

O nome de batismo dos acordos foge por pouco ao que foi dado aos documentos firmados entre o PS e cada um dos parceiros de esquerda em 2015: se a “geringonça” se movimenta apoiada em “posições conjuntas”, este encontro entre o Governo e o PSD produziu “declarações conjuntas”. E se a forma agora mostrou mais aos portugueses do que aquela que presidiu aos fecho dos acordos com a esquerda (agora foi à frente dos jornalistas, em 2015 não), o conteúdo revela pouco mais do que prazos para concretização de intenções, algumas delas de negociação política sempre difícil, como é o caso da distribuição de dinheiro por projetos de investimento, nos fundos comunitários, ou pelos municípios, no caso da descentralização. Mas vejamos o que está em causa por cada uma das duas áreas de negociação.

Descentralizar já e pensar a nova regionalização até ao fim da legislatura

A “declaração conjunta sobre descentralização” foi formalizada por Rio e Costa, depois de uma negociação feita nos últimos dois meses entre o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e o presidente dos autarcas do PSD que tem assento nos órgãos nacionais de Rui Rio, Álvaro Amaro. O que resultou foi um calendário com prazos para processos legislativos, para a conclusão das transferências de poderes e ainda os primeiros contornos sobre a nova regionalização, ou “reforma da organização subnacional do Estado”.

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Um pequena diferença de léxico, uma grande diferença política?

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Com o PSD há uma “declaração conjunta”, com cada um dos parceiros (PCP, BE e PEV) há uma “posição conjunta”. Mas o detalhe de vocabulário pode ter muito de posicionamento político. Com a direita, Costa tem uma “afirmação de factos” conjunta, com a esquerda é a “atitude, postura” que é comum. É, pelo menos, o que diz o dicionário Priberam. Ora veja:

“po·si·ção
(latim positio, -onis, posição, situação, lugar, disposição do espírito, proposição)
substantivo feminino
1. Situação de uma coisa.

2. Atitude, postura.

3. Disposição.

4. Circunstâncias em que alguém se acha.

5. [Militar]  Terreno convenientemente disposto para nele se estabelecer uma força, sustentar um ataque, etc.”

“de·cla·ra·ção
substantivo feminino
1. Acto de declarar.

2. Manifestação do que se sabe.

3. Afirmação de um facto.

4. Testemunho por escrito; depoimento.

5. Manifesto.

6. Revelação.”

 

Neste último capítulo — em que os dois líderes políticos têm mostrado nos últimos anos um total alinhamento — ficou definido que vai ser constituída uma “comissão independente para a descentralização, com mandato até julho de 2019″, meses antes das eleições legislativas onde (como se prevê) Costa e Rio vão defrontar-se. A comissão será “composta por seis personalidades de reconhecida competência e mérito científico, designadas pela Assembleia da República, tal como o seu coordenador, que estabelece e acompanha as linhas orientadoras da reforma”, definem Governo e PSD no texto do acordo.

A comissão, que vai trabalhar a par com as universidades na promoção de “estudos aprofundados” sobre a forma de organização subnacional do Estado, tem de apresentar “anteprojetos de diplomas que serão referencial para iniciativas legislativas subsequentes”. Os projetos que daí possam vir a sair já só verão a luz do dia na próxima legislatura, com um o quadro político-parlamentar que sair das eleições legislativas de 2021. A nova organização “subnacional do Estado” começa a ser estudada já, mas só terá condições de sair do que esta comissão independente delinear, transformando-se num projeto de lei, no tempo do Governo que se seguir. Assim se mantenham estes os líderes dos dois partidos que firmaram o acordo.

Quanto à transferência de competências para as autarquias locais, o acordo define que a reforma “tem de estar concluída até ao final da presente sessão legislativa” (próximo julho). O quê concretamente? A lei-quadro da descentralização, a revisão da lei das Finanças Locais e — a parte mais sensível — a definição dos envelopes financeiros associados a cada autarquia local “com identificação das verbas por área de transferência”. Ou seja, a parte mais bicuda da negociação e que maior discórdia e pressão dos municípios promete gerar fica, assim, fora do acordo. A negociação segue nos próximos meses.

A ideia é que até 2021 as autarquias locais possam assumir a totalidade das novas competências, com o acordo para que nos próximos orçamentos (o próximo e os que vão além deste legislatura, até 2021) esteja já inscrita a verba para cada município ver financiadas as competências novas que vier a receber. E a partir de 2019 vai começar a redução anual, no mínimo de 25%, da diferença entre o que consta no Orçamento do Estado para os municípios e aquilo que a Lei de Finanças locais define para os seus financiamentos. Os autarcas têm reclamado que a lei nunca é cumprida e a intenção das duas partes é que o diferencial que se verifica a cada orçamento comece a ser corrigido de forma gradual, até atingir o pleno em 2021.

Fundos comunitários. Mais do que um acordo, uma mensagem política

Foram precisas 24 páginas para Governo e PSD se limitarem a deixar uma mensagem política à Europa — que deverá ser tida em conta no momento em que a Comissão Europeia venha a decidir qual o envelope total de verbas que cada Estado membro vai ter no próximo Quadro Financeiro Plurianual (Portugal 2030). A mensagem é só uma: a de que Portugal — e aqui inclui-se o Governo e o principal partido da oposição, que poderá vir a ser Governo no futuro — não vai abdicar de ter um quadro financeiro pelo menos igual ao anterior (Portugal 2020), desde que atualizado à taxa de inflação (de 2% ao ano). O valor indicado, e anunciado por Rui Rio na declaração conjunta, é de 30 mil milhões de euros.

Para onde vão as fatias desse bolo de 30 mil milhões é que ainda não ficou definido. Mas explicaram porquê: “Hoje estamos perante uma primeira fase da negociação, entramos depois numa segunda fase em que decidiremos como é que se vai afetar esse dinheiro. É uma segunda fase, não tem a ver com o que agora decidimos”, sublinhou Rui Rio, referindo-se aos acordos de parceria que cada país vai assinar com a UE à posteriori, entre 2021 e 2022. A ideia, para já, é apenas assegurar que Portugal não vai ficar prejudicado no tamanho do envelope financeiro global pela saída do Reino Unido da UE e por causa do aumento das despesas previstas na área da Segurança, Defesa e Migrações. E impedir que as perdas pela saída do Reino Unido sejam compensadas à custa da Política de Coesão e da Política Agrícola Comum.

O futuro Quadro Financeiro Plurianual deve corresponder às expectativas dos cidadãos e, em simultâneo, contribuir para uma União mais equitativa, transparente, responsável e democrática”, lê-se no texto conjunto.

Então, além do sinal de força que pretendem que chegue a Bruxelas, o que é que Governo e PSD acordaram exatamente sobre os fundos estruturais? Não muito. Apenas princípios gerais e eixos de atuação, defenindo-se as áreas prioritárias de aplicação dos fundos comunitários, mas não o montante reservado para cada uma delas. Segundo se lê no documento, e tal como sublinhou o primeiro-ministro, a estratégia nacional para a próxima década deve passar por “quatro eixos temáticos”: o combate às desigualdades, a inovação, a competitividade externa e a coesão interna do país e, finalmente, a sustentabilidade e valorização dos recursos endógenos. Eixos estes que, de resto, já tinham sido anunciados pelo ministro Pedro Marques, no Parlamento, num debate sobre o planeamento do Portugal 2030 que deu o pontapé de saída das consultas com os outros partidos (não só o PSD).

Eixo 1 — As pessoas primeiro, focando-se no melhor equilíbrio demográfico, maior inclusão e menos desigualdade;

Eixo 2 — Inovação e qualificações como motores do desenvolvimento;

Eixo 3 — Necessidade de ter um país mais competitivo externamente e mais coeso internamente;

Eixo 4 — Necessidade de ter um país sustentável e que valorize os seus recursos endógenos.

Delineando “objetivos prioritários e lógicas de atuação” para cada um destes eixos, o documento assinado pelo Governo e PSD não especifica quanto dinheiro deve ser alocado a cada objetivo. À TSF, o vice-presidente do PSD envolvido na negociação, Manuel Castro Almeida, já tinha admitido isso mesmo: “Esta é a parte menos exigente do acordo, falta agora chegar a acordo sobre quanto dinheiro pôr em cada gaveta”. Mas isso só acontece depois. Atualmente, está a ser estudada a reprogramação dos fundos do Portugal 2020, definindo-se expressamente que verba vai sair de um determinado projeto no norte do país para outro no sul ou no interior, mas nessa discussão de mercearia o PSD não quis entrar — entrou apenas na discussão sobre a definição do bolo total do próximo quadro financeiro.

Em troca desta exigência de verba à UE, Governo e PSD acordaram que farão o que for necessário para aumentar as receitas da União Europeia. “Tem-se agora uma oportunidade única para introduzir novos recursos próprios, provenientes de novas fontes de financiamento”, lê-se no acordo. É nesse sentido que acordam vir a admitir que parte dos lucros do BCE sejam afetados à capacidade orçamental da zona euro, ou que sejam também afetas as receitas das multas aplicadas às empresas que violem o direito de concorrência da União Europeia. É também nesse sentido que Governo e PSD aceitam a criação de novos impostos europeus “para reforçar a receita do orçamento europeu sem penalizar os contribuintes”: é o caso das taxas europeias sobre transacções financeiras, das taxas sobre plataformas transnacionais do setor digital e das taxas relativas ao comércio das licenças de emissão.

Como limite máximo de despesas do Quadro Financeiro Plurianual, Governo e PSD exigem que não seja inferior a 1,2% da riqueza gerada no espaço comunitário.